Já lá vão quase 20 anos desde que se tornou selecionador nacional de ciclismo de estrada. Desde 1997 até hoje, pode orgulhar-se (e orgulha-se, de facto) de ter no currículo uma medalha olímpica, a prata de Sérgio Paulinho em Atenas2004, e uma camisola arco-íris, que até domingo estará no corpo de Rui Costa, isto sem contar com os títulos mais “jovens”.

De forma pausada, como bom alentejano que é, o técnico reconheceu à Agência Lusa que a sua vida é “complicada”, explicando que, na hora de selecionar, tem em conta diversas variantes, mas que aquelas que pesam mais são “o percurso do ciclista, o nível de competições que eles estão a ter naquele momento e as equipas onde estão inseridos”.

“Acompanho as corridas em Portugal e vejo corridas como Volta à Espanha, à França, a Itália, e outras. Quando não vejo na televisão, todos os dias vou ver as classificações que fazem. Depois falo com eles, não diariamente, mas vou perguntando como foram as sensações, porque aconteceu isto ou aquilo. Há coisas que, às vezes, a gente não sabe. Por exemplo, podem ter perdido tempo por um furo ou por terem de trabalhar para o colega”, contou, indicando que nas categorias inferiores à elite tem “um contacto quase diário” com os atletas.

Poeira faz “uma estimativa”, ponderando todas as situações, sem nunca esquecer o currículo passado e presente do atleta, a sua evolução e as provas que cada um tem previsto fazer na antessala dos Mundiais de ciclismo.

“O nível de competições que vão fazer na aproximação a um campeonato do Mundo tem muita influência para que se apresentem bem. Como exemplo: os dois corredores [Tiago Machado e José Mendes] que fizeram as quatro clássicas em Itália, falaram com os diretores desportivos para não irem todas elas a “tope”. Escolhe-se uma para fazer bem e depois as outras para rolar”, revelou.

Nesse aspeto, o seu trabalho está facilitado, porque, em setembro, tanto as equipas, como os diretores desportivos enchem o peito de orgulho caso vejam um dos seus selecionados e, como tal, ajudam no que puderem as seleções (a evidência disso são os autocarros das formações internacionais e também da portuguesa LA-Antarte estacionados no parque das representações nacionais).

Na arte de selecionar, pesa também, ou sobretudo, a estratégia da representação portuguesa, como aconteceu há um ano, quando “foi tudo falado, pensado ao pormenor” e Rui Costa foi campeão do Mundo, numa “equipa” de apenas três corredores (as principais seleções podem levar até nove internacionais).

“Não há anos iguais, nem corridas iguais. Este ano foi igual, só que temos a possibilidade de ter mais corredores para trabalhar. Aqui passa a ser importante o número de corredores com experiência, com capacidade e que esteja num bom momento de forma. Temos a felicidade de termos corredores espalhados pelas melhores equipas do mundo e são eles que trabalham para os líderes nas principais provas e são imprescindíveis nessas equipas”, começou por explicar.

De acordo com o selecionador, todos os seis convocados (a Costa, Machado e Mendes, somam-se Paulinho, André Cardoso e Nelson Oliveira) “estão conscientes que vêm para cumprir uma missão: ajudar alguém”.

“Se essa pessoa falhar por qualquer motivo, falhamos todos. Não há duas ideias. O objetivo é trabalhar para aquele fim. Só assim se faz uma equipa. Ninguém vem com um pensamento que não seja trabalhar para o líder [Costa]”, prosseguiu.

Desde 1997, Poeira viu crescer muita gente. “Encontrei-os pequeninos, cadetes, juniores. Cresceram comigo e hoje são homens, estão no ProTour. Tem sido o prazer ter a responsabilidade de fazer deles homens e campeões”, completou, feliz por “um país tão pequeno como o nosso”, com “poucas licenças, um número reduzido em cada categoria, poucas corridas”, conseguir ombrear com as grandes nações do ciclismo.

“Somos um país periférico, temos de nos deslocar ao centro da europa para experimentar um ciclismo diferente. Enquanto há países que fazem 300 quilómetros e estão em todo o lado e nós temos de fazer 2000. Por vezes, pomo-nos num lugar que não é o nosso, à frente das grandes potências mundiais”, concluiu.