A 76.ª Volta a Portugal em bicicleta vai deixar imagens espetaculares, mas há algumas que ficarão para sempre perpetuadas só no olhar de quem vive a corrida por dentro.

Há momentos na Volta a Portugal que só o olho mais atento pode captar. Mesmo que seja um fã incondicional, que veja a etapa, horas a fio, sem desviar o olhar do ecrã, nunca conseguirá vislumbrar imagens que só um olho estrategicamente colocado dentro do pelotão, que se confunde com os dos próprios ciclistas, conseguirá fazer perdurar.

Nesta viagem mais profunda ao pelotão, não se irá falar do camisola amarela Gustavo Veloso (OFM-Quinta da Lixa) ou do ruído provocado à passagem de Vítor Gamito (LA-Antarte), o incontestado mais popular desta edição, mas sim de pormenores que quase ninguém consegue ver.

Comece-se pelo equilibrismo do médico Vasco Costa, meio dentro, meio fora, do carro de apoio, a assistir o primeiro camisola amarela da prova, o espanhol Victor de la Parte (Efapel-Glassdrive), ou pelo “bidon” estendido à espera do líquido milagroso que serve de motor diante do calor, que chega de uma simples garrafa de água.

Passe-se pela intervenção milagrosa do mecânico do carro de apoio neutro, debruçado numa posição vertiginosa a centímetros do chão, na tentativa de reparar uma avaria na roda traseira de um ciclista da Rádio-Popular Onda, sem nunca esquecer a providencial solidariedade entre colegas, que trocam de rodas como quem troca de cromos – sendo que a generosidade vai, obrigatoriamente, custar a um preciosos segundos na classificação.

E como não falar de coisas tão simples como acartar águas, uma das tarefas mais importantes de qualquer trabalhador de equipa, às vezes até mesmo mais do que o apoio direto ao seu líder, e tão ignorada por todos os que seguem o ciclismo?

Ou então o segurar de bicicleta de alguma alma caridosa num momento de necessidade fisiológica – o de David Belda (Burgos-BH), instantes antes de partir rumo ao alto do Larouco, foi apanhado por um “click” atento -, ou a simples paragem forçada do camisola azul António Carvalho (LA-Antarte), com o cuidado de não ver público em redor?

A Volta a Portugal é tudo isto, mas também a descontração de Gustavo Veloso momentos depois da partida, polegares ao alto, enquanto fala com a antiga estrela do pelotão internacional, o simpático alemão Stefan Schumacher (Christina Watches-Kuma), e a luta com o impermeável do colombiano Camilo Suarez (4-72-Colombia), com o elemento de vestuário a levar vantagem durante longos segundos.

Rodas ao alto para os ciclistas, mecânicos improvisados deles próprios – enrolam-se fitas, reparam-se guiadores -, rodas ao alto para o pelotão que hoje, no formato um a um, vai ficar mais perto de descansar as pernas e as almas em Lisboa, cidade onde, este domingo, cai o pano para a 76.ª Volta a Portugal.