Nilson vive um sonho com a sua primeira chamada à seleção de futebol de Cabo Verde, mas, antes disso, passou por vários pesadelos, desde a delinquência nas ruas da Praia, na cadeia e no hospital.

Admilson Gomes Monteiro, mais conhecido no mundo do futebol cabo-verdiano por Nilson, nasceu há 27 anos em Ponta d'Água, um dos bairros periféricos mais problemáticos da cidade da Praia, referenciados pela delinquência juvenil, entre outros problemas sociais.

Fez os estudos primários no bairro e sempre arranjava tempo para uma ‘peladinha’ com amigos ou com colegas da escola. "Gostei sempre de futebol", afirmou, recordando que, aos 11 anos, ingressou na escola de formação EPIF, tendo jogado sempre na baliza.

Mas não pôde defender-se da "influência de colegas" e, por volta dos 17 anos, já tendo abandonado os estudos depois de dois anos no secundário, desviou o caminho e a delinquência entrou na sua vida, tendo passado noites nas ruas da Praia a aterrorizar as pessoas.

"Dentro do bairro há muitos problemas, há diferentes grupos rivais que desviam do caminho bom para o caminho errado", contou à Lusa Nilson, que tem 12 irmãos, seis pelo lado da mãe, que é vendedora ambulante, e outros tantos pelo lado do pai, que trabalha na construção civil.

Numa noite, elementos do grupo a que pertencia terão atirado na polícia e Nilson, que estava no meio, foi preso. Tinha 20 anos. E foi na cadeia onde viveu "o pior momento" da sua vida. "Na cadeia é cada um por si", indica, informando ainda que era "responsável" por "colegas" mais novos que também foram presos.

Nilson foi para a cadeia e a namorada ficou grávida. Pouco mais de um mês depois de estar na cadeia de São Martinho, a filha nasceu.

"O nascimento da minha filha, que agora tem seis anos, foi o ‘clique’ para eu mudar. Quando vi a minha filha pela primeira vez, disse claramente que essa não era vida para ninguém. Disse para mim mesmo: ‘tens uma filha muito linda, és jovem, com muita qualidade no futebol’ não podes ficar preso'", conta, recordando que foi a julgamento e saiu da cadeia com 21 anos.

Depois de sair da cadeia, Nilson começou a treinar no Bairro. Ia mesmo de táxi aos treinos para não ser atacado pelos grupos rivais, mas um dia foi mesmo abordado, mas escapou. "Sair da delinquência não é fácil, mas é preciso querer. Nunca desisti. Sempre acreditei em Deus".

Mas, no ano passado, quando já tinha "apaziguado" e pensava que o pior já tinha sido ultrapassado, foi atingido por um tiro na perna esquerda.

"Estava sentado com os amigos à porta de casa, de repente apareceu um grupo de delinquentes, começaram a disparar e atingiram-me numa perna", conta, mostrando a cicatriz dos 15 pontos na perna esquerda, uma marca da delinquência que vai ficar para sempre gravada no corpo.

Nilson teve mais de um mês internado e chegou a pensar que nunca mais voltaria ao futebol. "Com a força de vontade que tinha dentro de mim, vi que poderia superar tudo", disse o guarda-redes, com os olhos encharcados, mas falando abertamente sobre tudo.

"Vi claramente que se não mudasse a minha vida por completo não conseguiria atingir os mesmos objetivos. Disse que tinha de abandonar aquela vida, deixar aquelas amizades e seguir", recorda.

Depois de sair do hospital, Nilson conta que começou a seguir um plano de recuperação, tendo treinando na equipa da Académica, mas não assinou contrato com os ‘estudantes’ porque tinha mais um ano de contrato com o Bairro, a única equipa que já representou oficialmente.

E é como titular do Bairro, equipa que lidera o regional de futebol de Santiago Sul, que chega à seleção de Cabo Verde, um sonho realizado depois de ter passado por vários pesadelos.

Nilson é o único jogador residente em Cabo Verde convocado pelo selecionador, Beto Cardoso, para o duplo compromisso com Marrocos, o primeiro já no sábado, no Estádio Nacional, a contar para as eliminatórias de apuramento para a Copa de África das Nações (CAN'2017).

"Sou um vitorioso. Consegui vencer todos os males que passei na vida", afirmou, dizendo que a chamada à seleção é "um presente de Deus". "Estou no nível mais alto em termos de futebol em Cabo Verde", salientou, dizendo que se sente orgulhoso por ter superado cada momento.

Nilson agradeceu ainda todas as pessoas que o apoiaram e o ajudaram a superar os momentos maus, com destaque para os pais, irmãos, a filha, a mulher, os colegas do Bairro, que chama também de "família", e os médicos e enfermeiros do hospital da Praia.

"Sempre disse que se não morri é porque Deus tem algum objetivo para mim e sempre tive o objetivo de defender a minha pátria, tal como qualquer miúdo", mostrou, indicando que na baliza tem como referência o italiano Buffon e que agora o grande sonho é ser profissional.

Também deixou uma mensagem aos jovens, dizendo que "tudo na vida tem solução" e que "não se pode desistir nunca". "A vida não é um mar de rosas, há sempre superação. Temos de fazer tudo para mudar a nossa dignidade de homem, para poder andar de cara levantada", disse.

Nilson quer agora ser um "exemplo e uma referência" no bairro de Ponta d'Água, e não só. "Quero que os jovens copiem em mim, para fazerem diferente, fazerem algo que muda não só o bairro, mas também eles próprios", concluiu.