O futebol português - primeiro os clubes e depois a seleção - é o mais importante elemento de identidade popular portuguesa a passar entre gerações de emigrantes, considerou à Lusa a investigadora Nina Clara Tiesler.

A investigadora alemã, agora na Universidade de Hamburgo (Norte da Alemanha), é a coordenadora do trabalho “Diasbola: futebol e emigração portuguesa”, no qual compilou as principais conclusões de um projeto de investigação social internacional dedicado ao papel do futebol entre emigrantes portugueses e lusodescendentes na Alemanha, França, Inglaterra, Suíça, Estados Unidos, Canadá, Brasil e Moçambique.

"Comparámos o futebol com outros elementos da cultural popular que perpetuam o vínculo ao país - a cozinha portuguesa, o bilinguismo, a participação nas eleições, o consumo de media (revistas e jornais) e as associações de migrantes. Estão todas a cair à exceção do futebol", disse à agência Lusa a investigadora alemã.

Tiesler assume que "a identificação futebolística e a gastronomia são os dois elementos da cultura popular mais visíveis na diáspora portuguesa" e com "maior capacidade de reunir pessoas de classes sociais diferentes, de gerações diferentes e de sexo diferente".

No entanto, a investigação notou que os primeiros laços futebolísticos entre pais emigrantes e filhos são atados em torno do clube do coração - com as preferências dominadas por Benfica, FC Porto e Sporting. Só depois vem a seleção, mas com esta a ganhar um peso fora do país que talvez não tenha dentro de fronteiras.

"O futebol historicamente não é um filho da Nação, é um filho dos bairros e das cidades. A identificação futebolística dentro de um país é mais com os clubes, que no quotidiano têm muito mais significado e importância do que a seleção", salientou a investigadora.

Esta tendência "viajou" com os emigrantes, até porque muitos deles - da primeira geração que foi para França ou para a Alemanha - "não tinham uma auto-percepção de pertença nacional, mas sim regional".

"Eram transmontanos, alentejanos, etc, essa (autodefinição) tinha muito mais impacto. Com a emigração tornaram-se nacionais portugueses. Só na diáspora desenvolveram uma consciência da pertença nacional", afirmou Tiesler.

O futebol português também é usado pelos emigrantes para marcar o contraste entre a imagem que a Europa tem do país – semi-periférico ou em crise – e a imagem de vitória e modernidade dos clubes nacionais e da seleção.

A primeira geração de emigrantes - que saiu do país nos anos 1960 - "ainda transmite aos filhos aquelas imagens de um país antigo, tradicional, rural e pouco desenvolvido".

"Mas o futebol é um grande terreno de show-business internacional, fornece a imagem de um Portugal moderno, em que tudo funciona. O Euro2004 foi um super-exemplo para isto. E em futebol, Portugal não é um país semiperiférico. É um dos 'global players'", salientou Tiesler, recordando que o nome de Cristiano Ronaldo, Figo ou Mourinho são reconhecidos em todo o Mundo.

Para Tiesler, a modernidade e a linguagem universal do futebol permite aos jovens lusodescendentes integrar-se nos "peer groups" (nos pares) do país onde vivem.

"A geração jovem o que quer fazer? Dançar nos ranchos, que é uma tradição ainda do século 19? Ou ver uma partida de futebol com o Cristiano Ronaldo? ‘Ranchos’ significa isolar-se dos 'peer groups'. Ninguém do meu ambiente social, que não seja português, tem o mínimo interesse em ver os ranchos. Mas há muita gente que está interessada em ver jogar o Cristiano Ronaldo.

Sobre o Euro2016, que arranca hoje em Paris, Tiesler considera que os portugueses em França têm no futebol "um elemento emancipatório".

"Ao contrário de, por exemplo os argelinos, os portugueses podem festejar a vitória do seu clube [ou da sua seleção] em Paris sem ser alvo da crítica de que não se estão a integrar. Apesar de também terem um estatuto semi-subalterno em França, durante aqueles 90 minutos podem sentir-se superiores", concluiu.

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