Desde logo, um ponto prévio dirigido aos historiadores mais conservadores, legitimamente ofendidos pela associação do conhecido monumento da Guerra Peninsular ao futebol. Sim, sabemos que a estátua representa o leão, símbolo da bandeira de Inglaterra, sobre uma águia, símbolo do império de Napoleão. Mas vamos deixar esse importante dado à margem da história, porque quando o Sporting vence um campeonato assim, oferecido de bandeja pelo Benfica, a analogia é profundamente aliciante e até saudavelmente representativa do poderio verde e branco esta época.

Feito o esclarecimento, estava o Benfica a perder 1-0 - o Famalicão ainda não tinha feito o segundo golo, que deixava estendidos no relvado os jogadores do Benfica, já me servia do Google para pesquisar: 'Campeão-Sporting-Porto-Festejos'. Afinal de contas, a Rotunda da Boavista parecia o sítio mais óbvio, já que à semelhança do Benfica, os Aliados são assumidos como um local sagrado dos festejos do FC Porto, inadequado - leia-se pouco convidativo - para celebrar um título de um clube de Lisboa.

Adeptos festejam o 20.º título do Sporting de Norte a Sul
Adeptos celebram o 20.º título do Sporting na rotunda da Boavista, no Porto. Afonso Araújo/SAPO Desporto

Até chegar à Boavista, vindo da A4 e passando pela VCI - referência para quem é do Porto, sobretudo - nem um sinal de festa. Noite de domingo normal, sem vivalma nas ruas, poucos carros, um cenário de absoluta normalidade que me fazia questionar o resultado dado pelo Google. Ainda a propósito da pesquisa, saber onde festeja o Sporting no Porto é um exercício exigente, se tivermos em conta que nos últimos vinte anos o fenómeno aconteceu apenas em duas ocasiões. Mas a poucos metros da Casa da Música, junto à Rotunda, as dúvidas dissipavam-se e de rompante. As buzinadelas, os cachecóis, as bandeiras e o aparato policial eram sinal de festa, no local mais óbvio. Depois de estacionar, enquanto andava a pé, cruzo-me com um colega jornalista da rádio, dono de uma experiência ímpar na profissão, que me contava ter passado pelos Aliados e não ter visto ninguém. Sim, a festa era ali. E prometia durar noite dentro.

Adeptos festejam o 20.º título do Sporting de Norte a Sul
Adeptos celebram o 20.º título do Sporting na rotunda da Boavista, no Porto. Afonso Araújo/SAPO Desporto

Apesar de longe da apoteose do Marquês, muito longe até, não se pode dizer que estar ali não sabia a festa. Sabia, sim. Os centenas de adeptos - ou milhares? - não sei, fico na dúvida, correram para ali numa vontade desenfreada de partilhar com outros adeptos sportinguistas portuenses o amor sentido pelo clube do coração a mais de trezentos quilómetros de distância. Aqui e ali, muitos abraços, alguns excessos, quase sempre de garrafa na mão, mas sobretudo há que destacar a confraternização assinalável e respeitosa num ambiente de enorme paixão clubística.

Netos, filhos, pais e avós, quatro gerações naquela rotunda, colorida pelos foguetes lançados de quando em quando e que deixavam em absoluto êxtase os fervorosos adeptos. Dos tradicionais cânticos aos fumos verdes, o clarão das tochas iluminava a sombria rotunda, contornada por carros, carros e carros, cujas janelas eram rompidas por longos braços de punhos cerrados, que seguravam cachecóis para todos os gostos e feitios - dos mais recentes aos mais antigos, como nos mostrou o Sr. José Matos.

Aos 67 anos, traz consigo um cachecol do título conquistado do início do milénio. Veio sozinho. Vive com a mulher, que não liga a futebol. Mas o amor pelo Sporting não podia deixá-lo em casa. E ali estava, sozinho, mas nunca só, rodeado de amor, imbuído pela partilha desse mesmo amor, em que todos se abraçam mesmo sem se conhecerem. Bandeiras, muitas, mas uma que me despertava maior atenção: Da Suécia. É quase impossível gritar 'Campeões' sem que venha a imagem à cabeça desse portento nórdico chamado Gyokeres.

Adeptos festejam o 20.º título do Sporting de Norte a Sul
Adeptos celebram o 20.º título do Sporting na rotunda da Boavista, no Porto. Afonso Araújo/SAPO Desporto

Duarte e Beatriz, irmãos, também decidiram ir. Ele com 23, ela com 19, ainda esperavam por mais amigos, mas o facto de viverem perto de Serralves deixou-os ali mais cedo. "Mal acabou o jogo viemos logo, fomos só a casa do meu pai buscar o meu cachecol e seguimos logo para cá." E o pai não veio, perguntei? "Não, é do FC Porto" responderam-me. Imaginei que estivesse a ter uma noite difícil e foram os filhos a comprovarem-no, antes de realçar: "Não se pode queixar, nos últimos anos tem tido bem mais sorte do que nós", gracejou a Beatriz.

Nem de propósito, pelo meio houve também espaço para uns cânticos menos simpáticos dirigidos a Pinto da Costa, tantas vezes criticado por Frederico Varandas. Ser adepto do Sporting no Porto não deve ser fácil, mas também isso terá contribuído para que a euforia e felicidade transbordassem a olhos vistos. Um adepto, na casa dos vinte, que acabei por não lhe saber o nome no meio de tanta confusão, confessava-me que para o ano estaria no Marquês. Antecipou confiante, enquanto espreitava no Instagram o aglomerado de gente que se ia reunindo noutra rotunda, a de Lisboa.

Da festa sportinguista no Porto fica sobretudo o civismo com que foi celebrada e a convicção dos adeptos de que este novo Sporting - campeão duas vezes em quatro anos - veio para ficar. Por fim, ainda à conversa com o Sr. José, sobram poucas dúvidas sobre quem será o vencedor da Taça de Portugal. "Mas isso pergunta-se?", respondeu-me. O encontro com os dragões está marcado para 26 de Maio, no Jamor. Veremos onde se festeja no Porto nessa noite.

Há alguma estátua de um leão a esmagar um dragão?