O Benfica sagrou-se campeão europeu ainda sem Eusébio, mas foi o “Pantera Negra” que consolidou o estatuto do clube em plena década de 1960 e brilhou no terceiro lugar da seleção portuguesa no Mundial de futebol de 1966.
Eusébio da Silva Ferreira, de 71 anos, continua a ser um nome maior do futebol português e mundial, muitos anos depois de ter deixado os relvados e para além das memórias dos golos, dos títulos ou das exibições.
O “Pantera Negra”, alcunha que lhe foi atribuída pelo jornalista inglês Desmond Hackett, em alusão ao seu estilo felino a jogar, é uma figura incontornável do futebol, desporto-rei, e tem um estatuto que quase faz dele uma marca registada.
O futebol nos pés de Eusébio começou ainda menino, quando aos 15 anos jogava no “Os Brasileiros Futebol Clube”, em Moçambique.
Foi uma passagem curta na vida de Eusébio, que depois de não passar nos testes para o Desportivo de Lourenço Marques, filial do Benfica no seu país de origem, representou o Sporting de Lourenço Marques, onde se começou a distinguir.
As notícias que chegavam à “metrópole” davam conta das qualidades do jogador e o brasileiro Bauer “aconselhou” Eusébio a Bella Guttman, alertando o treinador para as qualidades daquele miúdo.
A década de 1960 estava a despontar e Benfica e Sporting envolveram-se numa disputa pelos serviços do “Pantera Negra”: as “águias” comprometeram-se com a mãe de Eusébio, D. Elisa, e o Sporting com o clube.
O processo demorou a clarificar-se e Eusébio, que chegou a Lisboa em dezembro de 1960 com o nome de código Ruth – tal a cobiça entre os “rivais” -, apenas viria a estrear-se pelo Benfica em maio de 1961.
Foi o princípio de tudo: uma carreira ímpar, com sucessos, prestígio, lesões, notoriedade e um nome que se transformou numa verdadeira marca, fosse ao serviço do Benfica ou da seleção, com a qual se estrearia em 08 de outubro de 1961.
No Benfica – acabado de se sagrar campeão europeu -, Eusébio assumiu papel fundamental no último ano do treinador húngaro.
As “águias” tinham acabado de alcançar o seu primeiro título europeu e já todos os consagrados (José Águas, Germano, Mário Coluna ou José Augusto) comentavam sobre quem sairia da equipa que derrotara o FC Barcelona (3-2) na final para Eusébio entrar. A rifa saiu a Santana.
O reinado do argentino Alfredo di Stefano (Real Madrid), um dos ídolos do próprio Eusébio, estava perto do fim e uma nova estrela surgia nos relvados, rivalizando com jogadores como Pelé, Puskas, Bobby Charlton ou Beckenbauer, e mais tarde, Johan Cruyff.
Explosão ou velocidade eram características normais em Eusébio, mas sob a sua chancela fica a excelência do remate: de qualquer ângulo, forte, colocado, em sucessivas imagens de corpo dobrado prestes a afligir os guarda-redes contrários.
Na final da Taça dos Campeões Europeus de 1962, o Real Madrid até esteve a vencer por 2-0, mas na noite dos pontapés de longe – mais de metade dos golos resultaram de remates de fora de área - Eusébio brilhou, pese embora o “hat-trick” de Puskas.
A fama estava a caminho e o “Pantera Negra” fez não só parte de um Benfica qual águia imperial na década de 1960 – cinco finais dos Campeões Europeus, duas ganhas e três perdidas -, mas de uma seleção “gigante” no Mundial de 1966, em Inglaterra.
Na estreia de Portugal em campeonatos do Mundo, Eusébio foi um dos grandes responsáveis pelo terceiro lugar, ganhando o troféu destinado ao melhor marcador (nove golos) e sendo considerado por muitos o melhor futebolista da competição.
Na memória de todos ficaram os quartos de final com a Coreia do Norte, com Portugal a perder por 3-0 aos 25 minutos, naquele que Eusébio define como “o melhor jogo com a camisola da seleção e um dos melhores” da sua vida.
«Sempre acreditei e disse ao Simões que íamos ganhar. Falei com o Coluna para aguentar a defesa e não sofrermos mais golos».
A partir dos 27 minutos, Eusébio arrancou para uma das melhores exibições individuais da história do futebol: virou o resultado com quatro golos (4-3) e José Augusto ainda fez o quinto para Portugal.
Do primeiro Mundial de Portugal também permanece a imagem de Eusébio a chorar, depois de perder a meia-final frente à seleção da casa, a Inglaterra (2-1), numa carreira pela equipa das “quinas” em que disputou 64 jogos e marcou 41 golos.
Com o Benfica, o “King”, nome que também passou a ser dado a Eusébio após a Puma ter criado umas botas de homenagem ao jogador, foi 11 vezes campeão nacional, ganhou cinco Taças de Portugal e foi campeão europeu (1961/62).
Até há pouco tempo, e antes do surgimento de jogadores como Luís Figo ou Cristiano Ronaldo (outros nomes grandes de tempos mais recentes), o currículo de Eusébio não tinha rival à altura entre os jogadores portugueses.
O “Pantera Negra” foi sete vezes o melhor marcador do campeonato português (1963/4, 1964/5, 1965/6, 1966/7, 1967/8, 1969/70 e 1972/73), duas vezes o melhor marcador europeu (1967/8 e 1972/73) e uma vez eleito melhor futebolista Europeu.
Na fase final da carreira passou por outros clubes (Rhode Island, Boston, Monterrey, Beira-Mar, Toronto Metros, Las Vegas, New Jersey Americans e União Tomar), mas a possibilidade de emigrar em pleno auge foi “vetada” no final da década de 1960.
O Inter de Milão cobiçava Eusébio e rezam as crónicas que oferecia três milhões de dólares (então cerca de 450.000 euros), mas o negócio nunca se chegaria a realizar: uns dizem que a Itália fechara as fronteiras a jogadores estrangeiros, outros que Salazar impediu a transferência.
Além dos golos e jogadas de génio, a carreira de Eusébio foi também marcada pelos sacrifícios impostos pelas várias lesões sofridas, que o levaram sete vezes à sala de operações para intervenções cirúrgicas aos joelhos, seis das quais ao esquerdo.
Hoje, Eusébio continua a ser nome de referência no Benfica e um embaixador da seleção portuguesa, mas a sua importância e mediatismo extravasou o mundo desportivo, tornando-o num autêntico símbolo.
Eusébio recebeu várias distinções nacionais e estrangeiras ao longo da vida, entre elas os colares de Mérito Desportivo (1981) e de Honra ao Mérito Desportivo (1990), além da “Águia de Ouro”, o mais alto galardão do Benfica, em 1982.
Do desporto às artes, Eusébio viu a sua imagem inspirar cronistas, realizadores, bandas de música, escultores ou outros criativos.
Uma banda desenhada – Eusébio, o Pantera Negra (de Eugénio Silva) -, uma mini-série, da autoria de Manuel Arouca, uma estátua no Estádio da Luz e uma réplica em Boston, o nome de um avião da TAP e o nome de uma lontra no Oceanário são exemplos.
Eusébio também se “transformou” em boneco no já extinto programa humorístico televisivo “Contrainformação”, onde tinha o nome de Deusébio.
O antigo jogador tem também o nome em ruas de várias localidades, na galeria da fama em Manchester, em Inglaterra, ou as pegadas no cimento da calçada da fama do Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, em iniciativas que prolongam no tempo um futebolista de exceção.
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