Manuel Machado vai iniciar a sua terceira temporada consecutiva ao serviço do Nacional da Madeira e a sexta enquanto treinador dos alvinegros. O treinador de 58 anos tem uma forte ligação com o clube madeirense, que pode ser explicada pelo facto de ter sempre conseguido classificar a cima dos seis primeiros lugares do campeonato.

É um treinador metódico e pragmático, privilegiando os resultados em detrimento do bom futebol. Gosta de um estilo de jogo que permite segurança na defesa e o contra-ataque rápido, que permita chegar à área adversária com muitos homens. Antes de começar a carreira ligada ao futebol como preparador físico no Vitória de Guimarães, Manuel Machado trabalhou com técnico de andebol.

Daí ter o melhor batido o melhor registo do nacional no campeonato nacional, em 2008/09, ao obter um quarto lugar com o Nacional, igualando o feito do treinador brasileiro Casemiro Mior (2003/2004).Além disso, em 2008/09 chegou à meia-final da Taça de Portugal, o melhor registo da formação madeirense a par de Ivo Vieira, em 2011/12.

Em Portugal passou por V. Guimarães, Vila Real, Fafe, Moreirense, Académica e Nacional, tendo registado a sua única aventura fora de portas ao serviço dos gregos do Aris de Salónica. Natural de Guimarães, conta com um total de 544 jogos disputados ao longo de mais de vinte anos de carreira.

No seu currículo conta com um campeonato nacional de juniores A (1990/91) pelo Vitória de Guimarães, um campeonato da segunda divisão (2000/01) e uma segunda liga portuguesa (2001/02) ao serviço do Moreirense.

Esta época, vai ter como adjuntos Basílio Marques e José Augusto, Emídio Júnior será o treinador de guarda-redes, João Pedro Mendonça, Fernando Jasmins e Rui Almeida pertencem ao departamento médico e Robbie Braz e Pedro Vasconcelos são os fisioterapeutas do clube.

Manuel Machado: “Plantel é uma mescla de juventude e experiência”

Paulo Jorge Rocha (PJR): O plantel está de acordo com as suas pretensões ou ainda procura mais reforços? Que posições pretende colmatar?

Manuel Machado (MM): Neste momento o plantel preenche as necessidades para o objetivo. No entanto, até 30 de agosto é possível que haja alterações tanto no sentido da saída como da entrada. Mas não há posições a ser colmatadas, o plantel é equilibrado e preenche as necessidades para o objetivo [da equipa].

PJR: Tem um plantel com uma média de 22,43 anos de idade. Não falta experiência ao grupo?

MM: Tenho alguns jogadores mais experientes aos quais os mais novos se podem ancorar. Jogadores como o Gottardi, o Marçal, o Miguel [Rodrigues], o João Aurélio, o Mario Rondón, o Marco Matias, entre outros, são jogadores que já contam com alguns campeonatos de primeira liga realizados e, apesar do plantel ser na generalidade jovem, há uma mescla entre experiência e juventude que permitirá algum equilíbrio.

PJR: Perdeu Diego Barcellos, Dajaniny, Mexer e Candeias este verão. Conseguirá atingir os objectivos a que se propôs tendo que construir uma “espinha dorsal” da equipa praticamente de início?

MM: Não vai ser preciso construir uma nova “espinha dorsal”. De facto, perdemos algumas referências, nomeadamente ao nível da defesa onde o Mexer era uma peça importante. Na frente também perdemos esses três jogadores citados, o Diego Barcellos, o Candeias e o Djaniny, o que causa mossa. Mas julgo que as vindas do Ezzat, do Rui Correia, do Suk, do Marco Matias, entre outros, irão permitir que tenhamos um potencial e um nível de potencial muito igual ao que tivemos na época passada. Se vamos conseguir, ou não, um desempenho igual é uma questão que não podemos prever. Mas, em termos de potencial, aquilo que está nas minhas mãos é muito semelhante àquilo que tinha.

PJR: Que balanço faz da pré-época?

MM: O balanço é positivo, embora seja um pré-época atípica. Na medida em que já estou no comando deste clube há muitos anos, já conheço as regras. Por falta de equipas na ilha, a pré-época é feita em blocos. Um primeiro bloco feito na região, um segundo bloco em que há um condensado de jogos, em dez doze dias é preciso fazer sete/oito jogos e, por isso, cria uma certa sobrecarga e não se tira deles o partido que se quereria. E depois há um retorno à região para se fazer mais duas semanas antes da competição. É atípica, mas penso que estamos em condições de competir.

PJR: Recentemente prescindiu da observação do Dínamo Minsk e deu a entender que o fez por motivos económicos. Isso também afectou a construção do plantel?

MM: não o fiz por motivos económicos. O que eu disse foi que há hoje ferramentas que permitem fazer uma radiografia do adversário sem necessidade de viajar. E, na medida em que o país atravessa uma grave crise económica e isso se reflecte nas empresas e no futebol, evitar despesas desnecessárias é aquilo que me parece ser razoável. Relativamente às dificuldades na reconstrução do plantel, faz-se o mesmo aqui o que se faz noutros clubes. Hoje os clubes vivem com menos do que viviam há dez anos atrás e o Nacional não foge a essa regra.

PJR: O que espera do jogo com o Dínamo Minsk? Quais são as possibilidades do Nacional passar?

MM: Julgo que será uma eliminatória equilibrada. Aquilo que pode desequilibrar é a diferença de ritmo entre uma e outra equipa. A vantagem que Dínamo nos leva é, de facto, levar cerca de 20 jogos realizados na prova interna e mais quatro a nível internacional. De resto, penso que as duas equipas se poderão equivaler em termos de potencial e esse fator pode vir a pesar. Mas esperemos que não.

PJR: Que estilo de jogo pretende implementar no Nacional?

MM: O Nacional tem um modelo de jogo que transita daquilo que se fez em12/13 e em 13/14, e que não será muito diferente do que queremos fazer em 14/15. E por isso, dentro de alguma alternância tática, quem olhar para trás encontrará aquilo que acontecerá para a frente.

PJR: Que ideia de jogo pretende passar aos adeptos?

MM: No ano passado, o Nacional foi o quarto melhor ataque e a quinta melhor defesa e isso denuncia a eficácia nos dois momentos do jogo. Ser o quarto melhor ataque à frente de equipas como Braga e Estoril, denuncia um futebol ambicioso, de risco, objetivo, sem perda da coesão e da eficácia defensiva, porque sem ela não se irá a lado nenhum.

PJR: Quais são os objectivos do Nacional para a temporada que se avizinha?

MM: Os objetivos passam sempre por manter o estatuto internacional e, independentemente do grau de dificuldade dos adversários que nos apareçam pela frente, o nosso discurso vai nesse sentido. Para além disso, nas provas a eliminar a o objetivo é chegar o mais longe possível, quer na Taça da Liga, quer na Taça de Portugal. E, inclusive, esta situação do playoff para a inclusão, ou não, na fase de grupos [da Liga Europa] que, por motivos óbvios se torna muito importante. No plano financeiro permitirá um bom encaixe, no plano desportivo dará visibilidade ao emblema e, porque estamos numa região em que de certa maneira tem um projeto desportivo no qual se integra a alta competição, dar voz e imagem à Madeira também é uma das nossas missões. Por isso, esses dois jogos são já um primeiro passo nesse sentido.

(PJR): Vencer uma das taças é um objectivo?

MM: É sempre um objetivo mas sabemos o que a realidade nos diz. Basta olhar para os dados estatísticos para vermos que as três competições nacionais são de forma esmagador ganhas pelos três grandes: FC Porto, Sporting e Benfica. Excepcionalmente acontece uma Académica, ou um Braga, ou um Guimarães ganharem uma taça. Não se deve perder nunca o objetivo, porque é possível. Mas, sendo difícil, o facto de outros clubes terem ganho diz-nos que é possível, embora a estatística nos diga que isso acontece de dez em dez anos.

(PJR): O plantel tem qualidade para igualar a melhor classificação do Nacional na Liga (4.º lugar)? E chegar aos três primeiros lugares?

MM: É difícil de responder a essa questão dos três primeiros. Dado o quadro atual em que os três grandes clubes jogam com orçamentos 10/15 vezes superiores em relação à concorrência, é quase uma miragem. Igualar a melhor qualificação não é de todo impossível, mas é uma tarefa gigantesca. Sabemos que temos uma concorrência qualificada. O Estoril tem vindo a vincar uma posição muito competitiva nos quadros classificativos, o Sp. Braga fez grandes investimentos no sentido da retoma do estatuto de quarto grande que tinha e que nas duas últimas épocas foi perdendo. Portanto, esses são os dois clubes que fizeram melhores investimentos e estão cimentados para correr atrás da quarta posição. Mas somos ambiciosos e vamos fazer o melhor possível tentando a melhor classificação possível no primeiro terço da tabela.

(PJR): O Nacional tem vindo a fazer uma aposta forte em jogadores africanos. Em que é que eles se distinguem dos restantes?

MM: Esta aposta aparece porque os mercados que eram tradicionalmente fornecedores de jogadores para Portugal são, neste momento, quase impossíveis de aceder. Nomeadamente, o sul-americano, com destaque para o brasileiro, mas vinham jogadores argentinos e uruguaios e hoje é muito complicado trazê-los para emblemas da nossa dimensão. E, por isso, foi necessário procurar mercados alternativos. O mercado africano é muito interessante. Não porque tenha jogadores com cultura tática muito avançada, mas tem jogadores de grande talento, com uma natureza muito atlética e uma coisa compensa a outra. Se tivermos de atacar o mercado africano e trazer jogadores jovens de áfrica, temos uma sobrecarga de trabalho no plano tático. São bons atletas e havidos de aprender, mas tem um défice ao nível da formação que tem de ser colmatado nestes primeiros anos em que aparecem no futebol europeu.

(PJR): O seu contrato termina em 2014/15. Esta vai ser a sua última temporada no Nacional?

MM: Não faço a mínima ideia. Nunca na minha carreira fiz contrato por mais do que uma época, por isso esta é uma situação rotineira. Quando chegar ao final do campeonato sentar-me-ei com os dirigentes, avaliaremos o que foi feito, projectaremos o futuro e estará tudo bem, independentemente da permanência ou da saída.

(PJR): Qual é o segredo para ter uma relação tão próxima com Rui Alves?

MM: Não há segredo nenhum. A minha relação é tão próxima do Rui Alves como foi com os outros dirigentes com quem trabalhei. Trabalhei 21 anos, 4 no Moreirense, 3 no Fafe, 6 anos no Nacional. Normalmente, ainda que com contratos feitos ano a ano, tenho permanecido mais do que uma temporada no grosso dos clubes onde estive, exceptuando a Académica e o Braga, clubes onde só fiz uma época desportiva. Isto significa que, com o engenheiro Rui Alves ou com qualquer outro dirigente, a minha relação é fácil. Pelo caráter, pela forma de estar, sou uma pessoa acessível, gosto de negociar as decisões e isso cria alguma facilidade no relacionamento.

(PJR): Como vê a preparação dos adversários que lutam pelos mesmos objectivos que o Nacional?

MM: Neste momento, é ambíguo estar a dizer qualquer coisa à volta disso. Aquilo que nos atrapalha a vida, que é o mercado aberto já depois de se ter iniciado, não permite que se tenha um retrato muito nítido daquilo que é, não só a nossa equipa como a equipa dos concorrentes. As equipas ainda estão num processo de mutação, de entrada e saída de jogadores, e vou ter de esperar algum tempo para poder responder de forma clara acerca da minha visão da qualidade potencial dos plantéis concorrentes.

(PJR): É um dos treinadores com mais experiência na liga portuguesa. Como vê a aposta que os clubes têm feito em jovens treinadores? Qual é o benefício que traz ao campeonato?

MM: Julgo que a remodelação do quadro de treinadores, dirigentes e jogadores é uma realidade nesta área de atividade, tal como em qualquer outra. Uns treinadores irão vingar, outros não o irão conseguir. As últimas épocas têm dado uma resposta relativamente àqueles que têm perfil e competências para permanecer e àqueles que não as têm. E a própria competição e o mercado irão fazer a triagem daqueles que são mais e menos competentes.

(PJR): Como foi a sua experiência no Aris? Que proveitos tirou dela?

MM: Foi uma experiência internacional única. No plano desportivo alarga horizontes e permite-nos desenvolver competências num campeonato que nos é estranho. Chegamos ao Aris a meio da época, a equipa tinha um ponto em média por jogo e, a três jornadas do fim, o clube estava a lutar pela Europa. Infelizmente uma atitude de um adepto, em casa, deitou por terra essa possibilidade. Disputávamos o quinto lugar quando o jogo foi interrompido e nos subtraíram seis pontos, o que nos retirou essa possibilidade. No plano desportivo foi muito interessante porque o rendimento [da equipa] subiu muito. E isso diz-nos que, quando os métodos e a forma como se gere o futebol em Portugal, quando transferidos para uma liga de nível muito semelhante. No plano social também foi muito interessante porque encontrei uma outra cultura e um outro país também ele em crise e deu para perceber como é que um povo e outro enfrentou o mesmo tipo de problemas. No plano financeiro foi desastroso porque o dinheirinho ficou todo lá.

(PJR): Já passou por Guimarães, Académica, Braga, Moreirense e Nacional, entre outros tendo, portanto, uma vasta experiência no mundo do futebol. Sente-se menosprezado por FC Porto, Benfica e Sporting por nunca ter tido oportunidade de treinar num desses clubes?

MM: Não me sinto menosprezado. Os clubes têm toda a legitimidade para escolher os técnicos que os servem e, se nunca fui escolhido, é porque eles nunca encontraram em mim o perfil adequado á liderança das suas equipas.

(PJR): O que o distingue dos restantes treinadores presentes na primeira liga?

MM: Cada um dos treinadores que está na primeira liga é diferente do “vizinho”. Por isso, somos todos diferentes e não há nada que me distinga particularmente dos meus colegas e concorrentes. Somos diferentes e, por isso, temos atitudes diferentes. Tenho a certeza que sou um cidadão comum, um trabalhador comum e, por isso, tenho algumas virtudes e montes de defeitos como têm os outros.

(PJR): Quem é o treinador com quem mais se identifica? Ou aquele com quem mais aprendeu?

MM: O treinador com quem mais aprendi foi alguém com quem trabalhei muito cedo, na época 84/85 [Vitória de Guimarães], chamava-se Raymond Goethals. É hoje ainda uma referência para grande da minha actividade e da forma como estou no futebol.

(PJR): Na sua opinião, quem é o grande favorito à conquista do campeonato? Porquê?

MM: O Benfica parte na “pole position”. Ganhou o campeonato anterior e isso dá-lhe um estatuto e confiança para partir meio metro à frente. Julgo que a equipa não vai flutuar muito ao nível do potencial e da qualidade, será uma questão de tempo para reassumir a qualidade de jogo que apresentou na época anterior e lhe deu tantos títulos. O Sporting, por força de não ter perdido até este momento - porque há notícias de problemas internos com o Rojo e o Slimani - foi aquele que, não perdendo, foi o que mais acrescentou. O FC Porto está num processo de revolução, é um grande ponto de interrogação. Um técnico estrangeiro, que está a construir um plantel de acordo com o seu modelo e o seu pensamento. Independentemente do Benfica ter uma ligeira vantagem, Sporting estar com alguma capacidade e o FC Porto, que não gosta de perder sucessivamente, julgo que irá crescer. Acho que vai ser uma luta a três e isso vai valorizar o campeonato nacional. Se houver competitividade tanto no campeonato, como nas competições europeias e isso será saudável e valoriza o campeonato.