O Benfica prepara-se para um novo ciclo depois de seis anos com Jorge Jesus como treinador sendo Rui Vitória o sucessor escolhido por Luís Filipe Vieira para apostar na formação dos 'encarnados'. A mudança de paradigma no clube da Luz coincide com a saída de Jorge Jesus para Alvalade, ficando a dúvida sobre a forma como jogará o Benfica com Rui Vitória no comando técnico.

Em entrevista ao SAPO Desporto, Manuel José falou da sua vasta experiência enquanto treinador, e sinalizou alguns dos desafios que Rui Vitória terá de ultrapassar para ter sucesso no emblema da Luz. O antigo treinador de Vitória de Guimarães, Boavista, Sporting e Benfica, recordou a pressão diária que é treinar 'um grande' à escala Mundial como é o caso do clube da 'águia', e mostrou-se confiante quanto às capacidades de liderança demonstradas por Rui Vitória para suceder a Jorge Jesus, um técnico que deixou um cunho muito pessoal na equipa encarnada.

"A aposta em Rui Vitória não será de tanto risco como foi a de Jorge Jesus em 2009 por exemplo. O Rui Vitória começou por baixo, na III Divisão, fez bons trabalhos por todos os clubes por onde passou, houve treinadores que treinaram equipas grandes, como o FC Porto, que não tinham treinado ninguém e que foram campeões pelo FC Porto. O Rui Vitória não, ele fez o seu caminho, desde os juniores do Benfica, passando pela III Divisão, até à I Divisão com o Paços de Ferreira. Depois em Guimarães ganhou a Taça de Portugal com o Vitória e fez um grande trabalho com os jovens, por isso, este é um passo mais que natural para um treinador que tem tido sucesso até agora", começou por dizer Manuel José ao SAPO Desporto.

Questionado sobre o perfil de Rui Vitória, o técnico de 69 anos considerou que o antigo treinador do Vitória de Guimarães enquadra-se no novo paradigma do Benfica em relação à aposta na formação de jogadores. Manuel José frisa o bom trabalho de Rui Vitória em Guimarães e recorda que o técnico de 45 anos nunca se queixou de perder jogadores no mercado de inverno, algo que tem sido habitual nas equipas recentes do Vitória.

"O Rui Vitória tem sido um treinador muito equilibrado, repare por aquilo que se tem passado nos últimos dois anos com o Vitória de Guimarães, que não tinha dinheiro há dois anos atrás e fez uma aposta na formação e com óptimos resultados. Depois os jogadores promoveram-se na primeira volta do campeonato, alguns deles foram vendidos, saíram, nunca ouvi o Rui Vitória queixar-se de coisa nenhuma, outros apareceram oriundos do Campeonato Nacional de Seniores e da formação, esta época aconteceu a mesma coisa, no final da primeira volta ainda discutiam o primeiro lugar com Benfica e Porto, chegaram a ser líderes do campeonato durante algum tempo, e fizeram uma segunda volta menos conseguida porque em janeiro saíram muitos jogadores, e outros jogadores tiveram de avançar. Acabaram em quinto lugar com acesso à Liga Europa, e portanto foi mais uma época ganha e nunca ouvi o Rui Vitória queixar-se fosse o que fosse", disse Manuel José.

"Não é só demonstrar liderança, é preciso manter essa mesma liderança"

Para se treinar um clube grande não basta perceber de futebol, especialmente quando se trata do Benfica. Manuel José conhece bem essa realidade depois de ter treinado emblemas como Boavista, Vitória de Guimarães, Sporting e o Benfica. Questionado sobre os desafios com que Rui Vitória irá ser confrontado na Luz, Manuel José atira: pressão diária e capacidade de liderança.

"Um dos grandes problemas que um treinador encontra num clube grande é isso que falou da pressão. São duas coisas, primeiro a pressão diária, que é enorme, e portanto treinar o Vitória de Guimarães é uma enorme pressão, mas é evidente que o Benfica é um clube de renome mundial e é um clube que tem uma pressão diária que os outros emblemas não têm, e portanto e esse vai ser o grande teste ao carácter e à personalidade do Rui Vitória. Por outro lado é a gestão dos egos, porque nas equipas grande há sempre grandes jogadores com estatuto já muito especial, alguns deles, e que se forem humildes por aí não haverá problema nenhum porque essa gestão dos egos faz-se muito bem e se de facto o treinador tranquilamente impuser a sua autoridade, mas é uma coisa complicada para quem não tem experiência em chegar a um clube grande e ter de fazer a gestão dos egos da equipa e do balneário", começou por explicar Manuel José.

"Acho que essas duas coisas serão de facto os pontos em que o Rui Vitória terá de demonstrar que tem essa capacidade de liderança em relação ao plantel, e manter essa liderança também de forma a não acusar a pressão porque lidar com a pressão também se treina, isso é verdade, se ele aprender a lidar de forma positiva com essa pressão, que é uma pressão positiva essa dos adeptos que querem ganhar todos os jogos, recordo que um empate num clube grande é uma derrota, e portanto se ele tiver esse equilíbrio emocional que tem demonstrado nos clubes por onde tem passado, nomeadamente no Vitória de Guimarães que já é um clube muito grande, se ele souber conviver com isso e souber criar factores de estímulo e de motivação creio que está talhado para ter sucesso, agora depende também das contratações, e o Luís Filipe Vieira sabe que o Benfica tem de se reforçar melhor, pois ainda não sabemos que jogadores vão perder", acrescentou o técnico ao SAPO Desporto.

"Campeonato vai ser discutido a três e não a dois como tem sido hábito no futebol português"

Com a saída de Jorge Jesus para o Sporting e a chegada de Rui Vitória ao Benfica, o campeonato português da próxima temporada terá muito provavelmente os dois grandes de Lisboa a discutir a liderança da prova com o crónico candidato FC Porto. Manuel José considera que Jorge Jesus deixou o seu cunho pessoal na equipa do Benfica, e que esse ADN do agora técnico leonino será alterado com a chegada de um novo treinador, que irá implementar as suas próprias ideias de jogo.

"O presidente do Benfica mudou completamente o paradigma do Benfica que é 'quem ganha fica' e que 'quem não ganha vai embora'. E portanto, o Jorge Jesus esteve no Benfica seis anos, ganhou três campeonatos, ganhou 50 por cento, continuou sempre no Benfica, e teria condições para poder continuar. Quem mudou este 'status quo' no Benfica foi o presidente do Benfica e é evidente que o Jorge Jesus com as vitórias, com o futebol de qualidade que o Benfica praticava agradava muito aos adeptos. O Jesus impôs ordem, impôs disciplina, portanto o Benfica nunca teve problemas disciplinares, todos acataram as ordens do treinador, a equipa jogava um bom futebol, ganhava, chegou a duas finais da Liga Europa, isto deveria ser um currículo fantástico e isto ainda está bem presente", recorda Manuel José.

"O FC Porto por exemplo ganhava e ficava com 11 pontos à frente do Benfica, e agora, como o Jesus disse, e bem, o Benfica ganha campeonatos e discute-os até ao fim, portanto acho que um e outro tiveram de facto uma boa dupla, uma boa aliança, entre Luís Filipe Vieira e o Jorge Jesus que trouxe bons resultados ao Benfica", frisou o experiente treinador.

"Qualquer treinador que chega a um clube quer implementar a sua forma de pensar o futebol. E portanto, uma equipa expressa as ideias do treinador. Há treinadores muito criativos, há outros mais conservadores. O Jorge Jesus joga para o resultado e para dar espetáculo. Antigamente havia aquela história dos '15 minutos à Benfica', ou seja, num quarto de hora o Benfica resolvia o jogo, eu estava lá nessa altura como jogador. Portanto, o Jorge Jesus implementou no Benfica a concepção que ele tem do futebol, e a equipa durante seis anos interpretou essa ideia do futebol e que os adeptos gostavam muito. O ADN é do Jorge Jesus", disparou Manuel José.

"Se vai haver mudança no ADN da equipa do Benfica com a saída de Jorge Jesus? Absolutamente. Agora chega um novo treinador que tem uma ideia diferente daquilo que quer que seja o Benfica no futuro, e portanto irá montar a equipa dessa maneira e trabalhar até que essa equipa expresse a sua ideia de futebol, e que portanto jogue o futebol que o Rui Vitória quer que jogue de acordo com um modelo e um sistema de jogo diferente do Jorge Jesus. Têm ideias diferentes, mas têm uma coisa em comum que é a competência", sentenciou Manuel José ao SAPO Desporto.