Mboté N'Dinga não usava gravatas por imposição do ditador do Zaire, Mobutu Sese Seko, mas sabia vestir a camisola do Vitória de Guimarães como ninguém. Com corridas "ziguezagueantes", uma incomparável resistência e uma elástica polivalência, N'Dinga tornou-se numa das principais referências do clube minhoto entre 1986 e 1996.

Natural de Kinshasa mas minhoto de coração, N’Dinga deixou uma profunda marca no Vitória de Guimarães, clube onde atuou praticamente em todas as posições e com o qual conquistou o único troféu oficial do Vitória: a Supertaça Cândido Oliveira na época 1988/1989, depois de uma vitória sobre o FC Porto, por 2-0, em que o médio zairense apontou um dos golos do triunfo.

«Desejo que o Vitória faça aquilo que eu não consegui quando estive lá, que é ganhar a Taça»

A poucos dias de mais uma final da Taça de Portugal, fomos à procura desta referência do Vitória de Guimarães para fazer uma antevisão do jogo de domingo com o Benfica. Atualmente a viver no Canadá, Mboté N'Dinga ainda chegou a vestir as cores do Benfica de Toronto em 2003, ano em que pendurou definitivamente as chuteiras, mas não a sua paixão pelo Vitória de Guimarães como nos contou ao telefone.

«Quem passou pelo Vitória será sempre vitoriano até morrer. Sigo sempre o Guimarães e estou mesmo contente com a final da Taça de Portugal e desejo que o Vitória faça aquilo que eu não consegui quando estive lá, que é ganhar a Taça», começou por dizer Mboté N'Dinga quando lhe dissemos que queríamos fazer umas perguntas sobre o jogo entre Benfica e Vitória de Guimarães.

Em relação à final da Taça de Portugal de 1988, Mboté N'Dinga recordou a sensação de pisar pela primeira vez o relvado do Estádio Nacional do Jamor e a derrota por 1-0 frente ao FC Porto,

«Naquela altura tínhamos uma equipa com alguma experiência. Estávamos confiantes para defrontar o FC Porto e o jogo refletiu isso mesmo, foi muito bem disputado, perdemos 1-0, mas uma final é sempre uma final. A taça é sempre a taça. É um jogo diferente, sentimos que podemos ganhar porque é um jogo diferente do campeonato e é um jogo para dar tudo porque só há um jogo. Por vezes é uma questão de sorte, quem tem mais por vezes ganha», começa por recordar N'Dinga, que na época seguinte à derrota no Jamor acabaria por ser determinante na conquista da Supertaça Cândido Oliveira frente ao FC Porto por 2-0.

Benfica com a moral em baixo?

«Em termos de moral, acho que o Benfica já não deve estar na plenitude com que chegou à reta final do campeonato. Mas é sempre o Benfica. O Benfica vai sempre ser o Benfica. Acho que o Vitória é que tem de tentar arranjar força e ter mais força de vontade para tentar conseguir ultrapassar o Benfica», acrescentou o ex-jogador do Vitória de Guimarães sobre o jogo de domingo.

«É sempre um jogo diferente porque é o valor do jogo em si e depois é um campo em que nós quase nunca jogamos. Parece que estás a jogar fora, é um jogo muito diferente. Acho que o Benfica já está acostumado a jogar naquele campo, mas mesmo assim isso vai depender dos jogadores. É preciso ter muita força de vontade para ultrapassar o deslumbramento da novidade porque é sempre uma novidade jogar lá. Ninguém conhece o campo e parece que jogar fora é sempre difícil, mas para o Benfica é como jogar em casa e por isso o Benfica tem muita vantagem», considerou Mboté N'Dinga.

As rivalidades com Benfica, FC Porto, Sporting e SC Braga

«Os jogos com o Braga eram os mais importantes, mas acho que jogar contra os três grandes é sempre um jogo especial. E é um jogo em que qualquer jogador gosta de jogar e quer sempre dar o melhor apesar de por vezes as coisas não saírem bem. Mas é um tipo de jogo em que os jogadores gostam de dar mais, não sei porquê, é daqueles jogos especiais em que se dá tudo para se mostrar, porque ganhar àqueles grandes dá sempre uma grande alegria», acrescentou o antigo jogador vimaranense.

Depois de sair de Portugal, N'Dinga ainda regressou ao Zaire (atual RD Congo) para representar o AS Vita Club, emblema onde começou a jogar futebol profissional, mas foi no Benfica de Toronto que o médio polivalente encerrou o seu ciclo como jogador profissional.

«Quando deixei de jogar acho que ainda poderia ter continuado, mas é a vida e temos de a aceitar. Joguei no Benfica de Toronto só pela experiência. Estava a jogar só com jovens e foi importante para transmitir a minha experiência de jogador a esses mesmo jovens. Falando com eles, era mais como um técnico a jogar. Porque tinha de tentar ajudar a dirigir a equipa. Foi uma experiência muito boa e quase era um treinador dentro de campo», contou N'Dinga para quem o futebol será sempre uma parte importante da sua vida.

«Um bom jogador não se faz apenas dentro do campo, e sim fora dele»

«Regressei ao Zaire há 10 anos. Se Deus quiser, para o ano, posso fazer mais lá pelo futebol do que posso fazer aqui em Toronto. Não posso dizer que sei muito, mas de bola percebo um bocado porque, mesmo no Guimarães, joguei em qualquer parte, joguei a central, a avançado, joguei a médio, a libero, só a guarda-redes é que não joguei. E em qualquer posição eu sei mais ou menos o que é preciso nos jogadores. Posso dizer que daqui a dois anos vou tentar fazer qualquer coisa no Zaire porque lá tem muitos jogadores com talento e o problema é que não há lá pessoas para orientar esse talento, não só dentro de campo, mas também fora dele, e mudar as mentalidades das pessoas. Um bom jogador não se faz apenas dentro do campo, e sim fora dele», atirou o ex-médio do Vitória de Guimarães.

«Estou de coração com eles e mais alguma coisa»

Na próximo domingo, o Vitória de Guimarães procura conquistar pela primeira vez o troféu frente ao Benfica. N'Dinga não tem dúvidas de que os adeptos do Guimarães já merecem este título e deixa a garantia de que vai estar a acompanhar de perto mais uma final do clube minhoto.

«Eu digo sempre que tenho cinquenta por cento do Congo e cinquenta por cento de Portugal. Sei onde nasci, onde vivi, e mesmo hoje, se vou a Portugal sinto-me sempre português porque estou inserido na comunidade portuguesa aqui em Toronto. Os meus amigos são quase todos portugueses mas acima de tudo sou vimaranense, sou minhoto. Eu joguei no Congo e em vários lados, mas nunca vi um povo a viver o futebol como os vimaranense, e só por isso eles merecem o troféu. Estou de coração com eles e mais alguma coisa», sentenciou N'Dinga. 

O jogo entre Vitória de Guimarães e SL Benfica está agendado para as 17h15 do próximo domingo, no Estádio Nacional do Jamor.