Doze anos após os Jogos Olímpicos de Londres em 2012, guindastes são vistos no Parque Olímpico, onde diversos prédios ainda estão em construção. As promessas de casas a preços "acessíveis" estão longe de serem cumpridas num bairro que viu o seu valor imobiliário altamente inflacionado nos últimos anos.

As Olimpíadas de Londres, muitas vezes lembradas como um grande sucesso, foram realizadas parcialmente num dos bairros mais pobres da capital britânica, Stratford, no distrito de Newham.A área foi o centro da indústria londrina do século XIX, mas após o seu declínio nas décadas de 1960 e 1970, apenas a poluição e uma população pobre permaneceram no local.

Na candidatura aos Jogos Olímpicos, a promessa era clara: o evento olímpico serviria "diretamente" para melhorar as condições dos seus habitantes, com milhares de novos espaços de habitação, sobretudo sociais, que seriam vendidas a preços "acessíveis".

Julia Johnson, de 33 anos, mudou-se para o Parque Olímpico há dois anos com o companheiro."Os apartamentos são bem feitos, a vizinhança é agradável", diz enquanto passeia o seu cão.

O parque, um paraíso para os adeptos de corrida, possui uma grande oferta de cafés e instalações desportivas, bem como universidades e uma grande piscina que permanece como legado dos Jogos. Também foi inaugurado no local um grande centro comercial e, para além disso, desde 2022 uma nova linha de metro permite chegar ao centro de Londres em 15 minutos.

Mas tudo isto tem um preço; Júlia paga 2.300 libras (cerca de 2.700 euros) por mês por um apartamento de duas assoalhadas, um preço semelhante ao de apartamentos com as mesmas características nos bairros centrais da capital.

"Em outros prédios temos amigos que pagam 3 mil libras (3.500 euros) de renda. Oceano de pobreza", acrescenta Júlia.

"Os principais beneficiados são as pessoas ricas. Quando pensamos no dinheiro gasto, nas promessas à população local na candidatura aos Jogos, é um escândalo", critica Penny Bernstock, investigadora da 'University College London' (UCL); Bernstock denuncia a falta de habitação a preços acessíveis no Parque Olímpico, e acrescenta que o parque passou por uma "gentrificação" até se tornar uma "ilha de riqueza no meio de um oceano de pobreza".

Ao todo, foram construídos cerca de 12.400 apartamentos, mas apenas cerca de 1.000 — menos de 10% — são de habitação social, isto segundo dados da 'London Legacy Development Corporation' (LLDC), responsável pela reconversão das instalações dos Jogos.

Os outros bairros do distrito de Newham estão entre os mais pobres de Londres e da Inglaterra. Narjiss Kadiri, uma dona de casa de 45 anos, mora nos arredores do Parque Olímpico; tinha alugado um apartamento com o marido e os seus cinco filhos por 1.000 libras (cerca de 1.150 euros). Posteriormente este valor aumentou para 1.400 (1.600 euros) e depois, 1.800 (2.100 euros), quando ela saiu do local há dois anos, isto após garantir um apartamento com renda social de 600 libras (700 euros) após 18 anos de espera."Muitos casais que conheço desistiram e deixaram Londres", conta.

O preço das rendas em Newham aumentou 58% entre 2012 e 2019, e 20,3% entre 2020 e 2023, o maior aumento entre todos os bairros de Londres. Em 2023, a renda média de um apartamento era de 1.850 libras (2.160 euros).

"Estes aumentos são especialmente problemáticos tendo em conta o salário dos moradores de Newham", realça Penny Bernstock, destacando o "efeito dos Jogos".

O diretor do LLDC, Mark Robinson, reconhece o dilema em relação ao Parque Olímpico."É investido um montante considerável numa área, o valor do terreno aumenta, o que aumenta as rendas e as pessoas que queríamos ajudar podem ser excluídas do sistema", diz Robinson, afirmando também que as construções em Stratford continuarão por mais 15 anos, com milhares de casas "acessíveis".

Para Bernstock, o "saldo positivo" do evento foi o estabelecimento de "escolas muito boas" no distrito de Newham. Ou ainda a diminuição da criminalidade nos arredores de Stratford, que está "muito mais seguro do que antes dos Jogos", admite Narjiss Kadiri.