A vida de Mariana Pinto Leite "dava um filme" e passa pela conciliação dos estudos em medicina com o regresso ao mais alto nível do badminton nacional, desde logo nos Jogos do Mediterrâneo Oran2022.
Sentada no sofá da sala em que se encontram máquinas de café, fruta e águas, à entrada do prédio dedicado à missão portuguesa na Vila dos Jogos do Mediterrâneo, uma jovem revê um artigo científico.
Não era suposto Mariana Pinto Leite estar neste sofá, a estudar, poucas horas depois de ser eliminada em singulares no torneio de badminton, mas a jogadora foi chamada para substituir Sónia Gonçalves, irmã da outra lusa em prova, Adriana Gonçalves, uma dupla bem conhecida e a 'apontar' a Paris2024.
Para a atleta que hoje festeja as 23 'primaveras', estes são dias atribulados: competiu num grande torneio internacional e, pelo meio, soube que entrou em medicina, em Lisboa, mesmo que se encontre já no mestrado de Fisiopatologia Cardiovascular, no Porto.
Antes, tinha estudado - e terminado - o curso de 'Medical Sciences' no País de Gales, e esta vida aparentemente preenchida corre em paralelo com uma vida que, desabafa à Lusa, "dava um filme".
A meio de comer uma laranja, conversa sobre a vida e o regresso à modalidade com uma honestidade pouco vista neste contexto, no meio da "grande honra" pela participação em Oran2022.
A substituição, essa, encarou-a como sendo um sinal de que a federação "acredita de novo" no seu valor, até porque esteve "uns tempos afastada do badminton", retomando no ano passado.
"Infelizmente, o meu pai era o meu treinador e faleceu. Abalou-me um bocadinho psicologicamente. Fui estudar para o estrangeiro, o que dificultou a vinda a torneios nacionais. Tudo junto, acho que foi um bocadinho demais para a minha cabeça. Também já são muitos anos a jogar, desde pequena que jogo badminton. Deixei de gostar de treinar, e acho que isso é horrível", conta.
O pai, António Pinto Leite, era até 2018 uma das figuras do badminton nacional, sendo inclusive treinador de atletas em Jogos Olímpicos, e orientou a jovem na modalidade praticamente desde que sabia andar e conseguia pegar numa raquete.
Em 2018, morreu, ao sofrer um ataque cardíaco durante um torneio zonal da filha, em que também jogava.
Mariana ainda se sagrou campeã nacional, como tantas vezes no passado, dessa feita no escalão sub-19, pela primeira vez sem o pai ao lado, e ainda tentou em seniores, mas já estava no País de Gales.
Natural das Caldas da Rainha, o grande centro da modalidade, como sede federativa e de um Centro de Alto rendimento, deu prioridade à saúde mental e, ao voltar, encontrou "aquela garra de ganhar".
Tinha sido essa 'chama' que já a tinha levado a mostrar potencial nos escalões jovens, com títulos nacionais e ao ser chamada para o Centro de Excelência da federação europeia, na Dinamarca, em 2017.
"Ao ver os meus amigos, nas redes sociais, com a raquete na mão, as memórias vêm sempre ao de cima. Não queria tanto competir, porque a parte mental é muito importante, a saúde mental, e tinha medo de voltar a entrar na espiral, mas assim que fiz o meu primeiro torneio, aquela garra de ganhar e a competitividade voltou, e percebi que isto era para levar outra vez a sério", conta.
Algum tempo volvido, é já a sétima do 'ranking' nacional e concilia "o sonho de ser uma das melhores no badminton" com a carreira de medicina, e como esta é uma vida recheada até no que parece banal, tem exemplos bem próximos desse 'malabarismo' entre desporto e trabalho.
"É o sonho de qualquer um, ter a carreira de sonho e a carreira desportiva de sonho. Tenho alguns exemplos de pessoas que conseguiram, a Ana Moura é uma delas. É a minha alergologista, hoje em dia, mas foi aos Jogos Olímpicos [em Pequim2008, também no badminton] e ao mesmo tempo terminou os estudos em medicina", revela.
Até onde é que a "garra" a pode levar? "Difícil dizer, depende muito dos apoios que vou ter, da organização da minha vida. O dia só tem 24 horas", desabafa.
Ter sido convocada para participar na competição na Argélia é "motivação para pensar um bocadinho mais alto e voltar a ganhar ritmo internacional", para ganhar balanço para tentar uma qualificação para o campeonato da Europa, "depois um Mundial, depois quem sabe, não estes Jogos Olímpicos, mas ainda há outros".
Ainda é nova, diz, mas a atual jogadora do Clube dos Fãs do Badminton de Gaia, em Vila Nova de Gaia, que nasceu nas Caldas, viveu no Algarve e em Gales, está no Porto e vai "regressar a Lisboa" para os estudos, no próximo ano, tem já uma vida bem preenchida.
Juntar tudo isto "não é nada fácil", mas "um suporte familiar e de amigos fantástico" e a determinação em "tentar arranjar uns buraquinhos para tentar fazer tudo" levam-na longe.
"Durante esta competição, tive de ir para a cantina fazer uma apresentação da escola. Acabei de enviar um artigo. É tentar nas horas que sentimos que são mortas, ir tentando encaixar as coisas da escola, e quando é treino, tentar estar focada, porque mais do que quantidade, é qualidade", atira.
Parada entre 2019 e 2021, a chegada da pandemia trouxe, ainda assim, algumas coisas positivas a Mariana Pinto Leite, que pôde "voltar para casa", para junto da mãe, e terminar aí os estudos, além de conseguir treinar para o regresso.
"Foi muito bom para a minha saúde mental e para ganhar outra vez o bichinho pelo badminton", diz.
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