Para chegar à entrada da Fazenda de Eugene Terre’Blanche é preciso percorrer os cerca de 110 quilómetros (indicados pelo GPS) que separam Magilesburgo de Vertersdorp. Nesta região pouco mais existe do que grandes fazendas. Na sua maioria propriedade de fazendeiros portugueses. E, de acordo com o guia negro que com medo nos levou até à entrada da propriedade do fazendeiro assassinado, todas as que produzem vegetais são de portugueses.

Frente à entrada da quinta de Eugene Terre’Blanche dezenas de ramos de flores foram depositadas numa homenagem silenciosa ao líder de direita que foi assassinado no passado sábado. Menos silencioso é o grupo de apoiantes do Afrikaner Weerstandsbeweging (AWB) que juram vingança.

Todos brancos e na maioria com armas à cintura, os fazendeiros, alguns garantem não militar no AWB, estão indignados com o assassinato do líder protagonizado no sábado, antes da Páscoa. Os mais incendiários não só juram vingança como garantem que não haverá um Campeonato do Mundo de 2010 na África do Sul. Quando questionados porque não, fazem um ar de ameaça e simplesmente repetem, insistentemente, que o evento não se realizará.

Pronúncio de que o conflito racial existente na África do Sul se irá intensificar nos próximos dias. A proximidade com o local de estágio da selecção portuguesa é algo a ter em conta pela delegação lusa perante estas “ameaças”.

O incidente já está a ter repercussões. O mundo tem os olhos postos no primeiro país africano a organizar um Campeonato Mundial de Futebol e episódios como este em nada ajudam a fazer passar uma imagem de segurança que as autoridades tentam criar com o máximo esforço. Ao final da tarde, já as rádios anunciavam que as medidas de segurança vão ser todas revistas para garantir que não haverá confrontos raciais.

Desde o incidente, têm-se repetido os apelos à calma. O Presidente sul-africano, Jacob Zuma, foi dos primeiros a tentar acalmar os ânimos de uma nação há muito dilacerada por confrontos raciais. O próprio ministro da Segurança, Nathi Mthethwa, que visitou os familiares da vítima na sua quinta no domingo, lembrou que “o Presidente apelou à calma na sequência desta morte terrível e pediu aos sul-africanos para não permitirem que agentes provocadores se aproveitem desta situação incitando ou alimentando ódio racial”.

Ao início da tarde de segunda-feira, o próprio porta-voz do AWB tentou, também ele, pôr água na fervura alegando que as primeiras declarações foram feitas no calor do momento e que o espírito do grupo não é fazer mal a ninguém. O AWB vai reunir-se a 1 de Maio para escolher o novo líder, mas também para decidir que acções devem ser tomadas.

No entanto, à porta da quinta de Terre’Blanche, os ânimos continuam ao rubro. Em declarações ao SAPO, os fazendeiros garantem que não vão arredar pé. E quando confrontados com a discrepância de afirmações no seio do AWB justificam que “isso depende do sentimento de cada um”. Jan Estermuizen, o líder regional do AWB do Nordeste da África do Sul, não esconde a revolta e acusa o líder da juventude do ANC de incitar à violência contra os fazendeiros brancos.

No centro de toda a tensão está, assim, Julius Malema, o presidente da juventude do ANC, que não só tem sistematicamente entoado uma canção que incita à “morte aos bóeres” – decorreu mesmo uma batalha judicial contra o líder da juventude do ANC por cantar este cântico – como, no fim-de-semana, defendeu a replicação do modelo económico do vizinho Zimbabué na África do Sul.

“Na África do Sul estamos apenas a começar – aqui no Zimbabué já estamos muito longe”, disse Malema, citado pelos jornais sul-africanos do fim-de-semana. Estas afirmações apenas vieram pôr mais lume numa fogueira já muito viva. Mesmo aqueles que não pertencem ao AWB garantem que não vão arredar pé das suas terras.

“Se vir as declarações, Malema disse, em todos os jornais, que queria tirar os fazendeiros brancos da África do Sul tal como o fizeram no Zimbabué. Mas a África do Sul vai ser um grande problema para eles. Não vai ser fácil”, ameaça Jan Estermuizen. Outra das apoiantes de Terre’Blanche, que apesar de não pertencer ao grupo garante que admirava Terre’Blanche como um ídolo, lembra que a situação de “fome que se vive no Zimbabué deve-se exclusivamente ao facto de as quintas se terem tornado improdutivas quando foram tiradas aos fazendeiros brancos”. E, remata, “na África do Sul apenas querem tirar as terras aos brancos para construir mais bairros de lata”.

Segundo os apoiantes de do homem que criou o AWB em 1973 e que chegou a ser guarda-costas de um antigo primeiro-ministro sul-africano, as cinco mortes de fazendeiros brancos desde quinta-feira da semana passada e que culminaram na morte do líder carismático são um sinal de que a comunidade negra está a tentar fazer passar uma mensagem, que não será ignorada.

Os sul-africanos negros com quem o Sapo falou admitiram que têm medo das represálias deste incidente.
É preciso ter em conta que este grupo, que tem como símbolo uma cruz semelhante à nazi e que é contra a democracia na África do Sul, já viu vários membros condenados a penas de prisão por conspirarem contra o Governo e assinar líderes negros.

Consciente de que a pequena cidade de Vertersdorp é, neste momento, um barril de pólvora, a polícia tem montado um forte dispositivo de segurança para tentar evitar confrontos raciais.

Para já os apoiantes do líder, que é idolatrado tal como Hittler, o momento é de pesar e estão concentrados no funeral. As cerimónias fúnebres vão realizar-se sexta-feira ao meio dia.

Mas o calendário deste mediático assassinato prossegue já esta terça-feira com a apresentação no tribunal de Vertersdorp, a cidade palco de todo o incidente, dos dois alegados responsáveis pelo crime: um rapaz de 21 anos e outro de 15. Os dois supostamente trabalhadores da quinta, alegadamente, assinaram Terre’Blanche quando este ainda dormia pelas seis ou sete da tarde de sábado, dia 3 de Abril. As razões? Ninguém sabe. Enquanto uns avançam com uma simples disputa de salarial – aparentemente os jovens reclamavam o pagamento de três semanas de trabalho –, outros falam de motivações políticas e apontam o dedo ao movimento juvenil do ANC.