Quem assistiu à derrota da Alemanha com a França por 0-1 na 1ª jornada do Euro-2020 percebeu que algo não está bem com a Mannschaft. Não me refiro diretamente ao autogolo marcado por Hummels, um dos seus jogadores mais experientes, mas também nem por isso este facto não deixa ilustrar a instabilidade interna que se parece viver.

Concretamente no jogo jogado, a Alemanha pareceu não mais do que um aglomerado de jogadores desconexos de lógica coletiva, sem identidade e propósito comum, que passou a bola de talento em talento à procura da uma qualquer inspiração individual que teimou em não aparecer. Adotou um sistema de 5:2:3 com, por exemplo, Gnabry numa posição conceptualmente enganada e trocada com Muller: Löw colocou a juventude, velocidade e irreverência de Gnabry como avançado centro, e a experiência, maturidade e pensamento tático de Muller no corredor mais solto. O mesmo racional aplicou-se a Leroy Sané quando entrou em campo na tentativa de mexer com um jogo que estava lento, sem capacidade de desequilíbrar entre-linhas, e com um jogo demasiado forçado pelo corredor central.

Contudo, a raiz do problema da seleção da Alemanha parece ser muito mais profunda do que apenas um jogo mal conseguido. A Mannschaft vem de três eliminações precoces na primeira fase de competições, uma no Mundial-2018 e outras duas na Liga das Nações (2018/19 e 2020/21). Nesta última, a Alemanha sofreu a maior humilhação da sua história diante da Espanha. Os espanhóis venceram os alemães em Sevilha, no Estádio La Cartuja, por impensáveis 6-0, a maior goleada sofrida pelos germânicos em jogos oficiais.

A última vez que a Alemanha sofrera seis golos numa partida oficial tinha sido num jogo do Mundial de 1958, na Suécia, no qual perdeu por 6-3 diante da França. Uns meses depois, coincidentemente ou não, a federação de futebol da Alemanha (DFB) anunciou que o técnico Joachim Löw iria abandonar o comando da seleção após a disputa do Euro-2020. O treinador tinha contrato até o fim de 2022, mas foi o próprio Löw que pediu para encerrar o vínculo antes do tempo. Umas semanas depois, a Alemanha voltou a surpreender o mundo do futebol ao perder em casa por 1-2 com a Macedónia do Norte, 62ª do ranking FIFA, para a fase de qualificação do Mundial-2022.

O atual desafio pode ser exigente demais para Joaquim Löw: como irá ele liderar e motivar um grupo de jogadores tão experiente como o alemão, com o desgaste de uma relação de 15 anos, e depois de assumido o futuro abandono do comando da selecção de forma precoce?

Não obstante do atual contexto, menosprezar a capacidade desta mesma Alemanha poderá ser um erro histórico e infantil. Desengane-se quem achar que, pelas razões acima descritas, este será um jogo fácil para Portugal. É preciso recordar que a Alemanha é historicamente uma equipa absolutamente focada no sucesso, como comprova os quatro títulos de campeã do mundo e três de campeã da Europa. Tem o 3º plantel mas precioso do Euro-2020 com uma avaliação económico-financeira de 937 M€, apenas atrás da Inglaterra e da França. 15 dos seus 26 jogadores neste Euro-2020 jogam em clubes como o Bayern Munique, Real Madrid, Chelsea, Manchester City, Borussia Dortmund e Arsenal.

Esta é a 26ª presença consecutiva da Alemanha numa fase final de um Mundial ou de um Europeu. Nos confrontos diretos, a nossa seleção ganhou apenas três de dezoito jogos com a Alemanha. Mais recentemente, leva quatro encontros consecutivos a perder com a equipa germânica. O último resultado positivo de Portugal com a Alemanha foi no Euro2000 com um vitória por 3-0 na terceira jornada da fase de grupos.

O atual problema por demais explicito da Alemanha pode gerar uma incerteza difícil para Portugal gerir. Concretamente, pode Joaquim Löw ser da opinião que o jogo com a França foi mau o suficiente para mudar por completo a equipa no que concerne ao sistema de jogo, à equipa titular, e às dinâmicas competitivas, podendo ter repercussões decisivas no momentum psicológico da sua equipa. Isto aumentará seguramente a dificuldade de Fernando Santos prever, com algum grau de fidelidade, a forma como a Alemanha se poderá apresentar em campo, e as medidas estratégicas que Portugal deverá implementar para vencer este confronto.

Luís Vilar, Pró-Reitor da Universidade Europeia