O escritor brasileiro Eduardo Bueno antecipa protestos durante o Mundial de Futebol no Brasil, mas estima que “serão pontuais”, “menos agressivos”, mas também “mais organizados” e “efetivos”.

Em Lisboa para participar numa conferência sobre as relações Portugal-Brasil, hoje, às 18:30, na Fundação José Saramago, o escritor sublinhou que os próximos protestos, à semelhança dos anteriores, não serão “contra" o Mundial. “As pessoas querem que tenha a Copa. O brasileiro adora futebol (..) e ama festa e a Copa é uma festa do futebol e é no Brasil, então não tem sentido não ter, vai ter”, afirma.

“Um país que nem o Brasil, cujos hospitais são horrorosos, cujo sistema educacional público é desastroso, cujo transporte público eu espero que os estrangeiros sejam obrigados a usar para ver como é usar, faz 20 estádios de 400 milhões de euros cada um? Porra…”, desabafa.

Bueno acompanhou os protestos pela visão das três filhas, com idades diferentes, que neles participaram. “Elas, como uma grande parcela da população, ficaram muito constrangidas, quando a coisa descambou para a violência total”, recorda.

Num primeiro momento, elas acharam que a violência tinha “um viés anarquista”, mas depois “juntou-se o lumpensinato”, que a classe média e a burguesia que tinham iniciado os protestos “só conheciam da sarjeta”. E as filhas descobriram que “estavam lado a lado com “pessoas de um alto grau de marginalidade”, sem “uma ideologia específica, a não ser uma revolta e uma angústia muito grandes”.

“Não quero dizer que eles tinham direito de quebrar tudo, acho que não têm, mas tinham todos os motivos para quebrar tudo, é uma população que continua marginalizada, mesmo com um governo supostamente social”, sustenta.

Reconhece o “lado populista” do Partido dos Trabalhadores (PT, no governo) e que o Bolsa Família promove o "assistencialismo" e tem fins eleitorais, mas fez pela população mais marginalizada "coisa que nenhum outro governo fez".

Bueno tem “milhões de críticas” ao partido “dogmático” no qual chegou a ser filiado, mas “a culpa não é só do PT”, diz. “Houve (…) um inequívoco avanço, 20 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza”, assinala.

O país tem “desafios enormes”, mas o principal é a educação. “60 por cento da população brasileira é quase analfabeta funcional. Isto não é uma acusação, é uma circunstância histórica que tem de ser transformada”, defende.

“Um povo educado vai (…) impor uma saúde pública. O Brasil tem todas as condições de dinheiro para ter uma saúde pública eficiente, porque não tem? Porque um povo ignorante não exerce o seu direito à cidadania. O exercício da cidadania no Brasil é impressionantemente vago”, critica.

O escritor defende a harmonização da língua portuguesa com um Acordo Ortográfico, embora critique o processo atual em curso, que está a criar “mais barreiras”.

Para Bueno, “o português está morto”, falta-lhe combinar “simplicidade e sofisticação”, como o inglês conseguiu. “Qual é o futuro do português? Nenhum! Porque o dia que tiver uma língua franca não vai ser o português, vai? Uma porra de uma língua que tem acento e cedilha?”, ironiza.

O escritor que fez da divulgação histórica algo popular gostava agora de conceber conteúdos para jogos de computador, porque acha que só assim se atrairá a atenção dos mais novos. “Uma Guerra dos Tronos, só que verdadeira”, explica.