A música popular ecoa ao longo da Congress Street para quem quiser ouvir, ou mesmo para quem não queira. Atrás do som vêm os aromas, das sardinhas e bifanas, mais devagar mas fazem o mesmo caminho como que perseguindo as notas musicais. Também há pessoas e muitas. Sorriem, gritam, tentam sobrepor-se ao som da música. Os mais atrevidos dançam, os mais tímidos observam. Estamos em mais um arraial de Santo António em Newark, Estados Unidos. Vê-se Portugal por todo o lado, entre bandeiras, camisolas com o sete de Ronaldo, e cachecóis. É o orgulho de quem está longe.

Pelo meio, há um senhor que se distingue dos demais. Veste-se de cima abaixo com um fato de treino, um daqueles de fim-de-semana. O preto e o vermelho destacam-se em contraste com o branco e o símbolo da lapela com as iniciais SPFC (São Paulo Futebol Clube), denuncia-o. Romão Moita é paulista, é brasileiro e veio ver a festa dos portugueses.

Gosta do que vê, deambula e troca palavras de ocasião com os amigos de longa data cuja a emigração juntou.

Há muito que Romão passou a ser o seu nome apenas e só dos documentos e das assinaturas. Aqui conhecem-no simplesmente por “Catrino”.

“Porque eu acostumei falar essa palavra para todo o mundo. Todos para mim são Catrino. Eu falo: 'Catrino, vem cá'. Quando não sei o nome, é essa a palavra que falo. E então passaram a chamar-me de 'Catrino'”.

Aproximo-me dele e falo-lhe de futebol. Diz que agora não sabe nada, pede-me para não lhe fazer perguntas às quais não saberá responder. Insisto então rumo ao passado, e Romão desvenda um episódio de infância, e que aconteceu no Estádio do Maracanã.

“O estádio estava superlotado. Eram 175 mil assistentes. Não cabia mais ninguém, mas havia muita gente a forçar a entrada. A torcida levantava e os outros não viam”.

Recuámos até 1950, estamos em pleno Mundial de futebol e jogava-se a grande final entre Brasil e Uruguai, o tal Maracanazo. Catrino estava lá, com os seus 14 anos.

“O meu falecido pai levou-me lá. Aquilo era reservado pelo banco que dava os bilhetes para os funcionários. O meu pai trabalhava no Banco do Estado de São Paulo e teve direito a ingressos”, recorda.

Se há povo que tem fé é o brasileiro, e naquele dia acreditava-se como nunca que a seleção do Brasil ia levantar a sua primeira Taça no Estádio Maracanã, Rio de Janeiro. Bastava passar o Uruguai. A glória estava ali, ao alcance de 90 minutos.

“Todos acreditavam na vitória do Brasil”, diz Romão, que viu a derrota mais marcante da história do futebol do seu país. Uma derrota que valeu a perda do Mundial, e a perda dos corações de muitos que não suportaram o desgosto.

“Foi um tiro no coração do brasileiro. Todo o Maracanã tremeu. Foi um choque elétrico. Foi tão forte que houve muita gente que morreu de coração. A culpa da derrota foi dos zagueiros que dormiram aquando da cabeçada do Ghiggia”, contou. O tal uruguaio que marcou um golo aos 79 minutos da segunda parte.

Catrino estava lá. Como hoje, 64 anos depois está pronto para assistir a mais um Mundial na terra que o viu nascer. Só que o fará, desta vez, a partir da televisão, na sua casa em Newark. A vida levou-o até aos Estados Unidos há 51 anos e por aqui ficou, mesmo depois de se reformar.

Hoje vive com emoções mais contidas o Mundial que se irá realizar no seu país. Se bem que o Maracanazo, nome pelo qual ficou conhecida a tal derrota, não lhe sai da cabeça.

“Não acredito, mas não se pode dar confiança Catrino! Não se pode falar que o Brasil vai ganhar! Vejo as pessoas demasiado confiantes!”, diz de sobrolho franzido.

Hoje, dia 12 de junho, o Brasil inicia o seu Mundial diante da Croácia, na Arena Corinthians.

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