São Cristóvão é uma freguesia da área central do Rio de Janeiro, local histórico e já habitado nas primeiras décadas do século XVII pelos colonizadores portugueses que aportavam e se estabeleciam em São Sebastião do Rio de Janeiro. Hoje, São Cristóvão continua histórico, mas longe do seu esplendor de outras épocas. Cortado por um viaduto, esta aberração arquitetónica que enfeia qualquer paisagem, é local de passagem a quem está a deslocar-se da zona sul carioca para o aeroporto internacional do Galeão. E o viajante mais atento pode observar do seu lado direito um pequeno e acanhado estádio de futebol, localizado na rua Figueira de Mello, número 200, em que se destaca um anúncio, ‘Aqui nasceu o Fenômeno’. O antigo estádio, que pertence ao centenário São Cristóvão de Futebol e Regatas, um dos mais antigos clubes do Rio de Janeiro, foi há poucos anos rebatizado, passando a chamar-se Estádio Ronaldo Luis Nazário de Lima. Foi precisamente naquele relvado, no início dos anos 1990, que um miúdo de dentes avantajados, altura acima da média para sua idade e que vinha do futsal, dava os seus primeiros passos no futebol.

Ronaldo foi um daqueles personagens icónicos que o futebol brasileiro foi pródigo em apresentar ao mundo de tempos em tempos. A personificação do conto de fadas do menino pobre do subúrbio de uma grande cidade latino-americana que, com talento e esforço, conquistou fama e fortuna no Olimpo do futebol, a Europa das ligas milionárias, ordenados mirabolantes e contas bancárias de muitos dígitos. Ronaldo também foi uma espécie de Orfeu para o futebol, tendo que descer ao inferno para de lá sair. Da convulsão às vésperas da final do Mundial de 1998 às seguidas e traumáticas lesões de um esfacelado joelho que já não suportava mais injeções e tratamentos paliativos, para consagrar-se como campeão do mundo e melhor marcador do Mundial asiático em 2002. A saga de Ronaldo, uma autêntica ‘jornada do herói’, como nas mitologias, passando pelas provações ao longo do percurso até a apoteose futebolística com a conquista do título mundial, são partes de um enredo que faz de Ronaldo uma das mais emblemáticas personagens do desporto nos últimos tempos.

Ainda hoje, passada já mais de uma década do seu apogeu, vejo algumas compilações ao estilo ‘best of’ do Fenómeno em vídeos no YouTube. Talvez estes tempos que antecedem os Mundiais nos afloram a memória futebolística. Os golos à Alemanha de Kahn, o assombroso golo diante do Compostela na Liga Espanhola e a atónita reação de Bobby Robson, os dribles pelo Inter de Milão, o hat-trick pelo estrelado Real Madrid ao Manchester United. Parecia não poder haver outro Ronaldo na história do futebol.

E como estamos a evocar memórias, um efeito de flashback, recuando 17 anos no tempo. Era o ano de 2001, um sábado qualquer de inverno, em um castigado campo na Pontinha, onde eu e o meu pai estávamos a ver o meu irmão, então defesa direito do modesto Tenente Valdez, um dos muitos clubes das divisões distritais de Lisboa, em ação contra o Sporting, num amigável entre os juvenis. O destaque daquele jogo era um miúdo alto, diferenciado dos demais. Kasper, filho do então guarda-redes campeão pelo Sporting, Peter Schmeichel. Mas havia outro jogador que chamaria atenção, e para azar do meu irmão, estava a jogar justo a sua frente. Um jovem com altura para defesa, ou guarda-redes, pescoço comprido, dribles rápidos e ágeis. Estávamos diante de Cristiano Ronaldo, aos 15 ou 16 anos, sem saber o que o futuro iria reservar ao talentoso extremo madeirense.

Após anos de sucesso com a mítica camisola 7 do Manchester United, Cristiano Ronaldo passaria a usar a não menos mítica camisola 9 em sua primeira época pelo Real Madrid (a 7 ainda era do capitão merengue Raúl). A 9, justamente a do Fenómeno. Confesso que como brasileiro e em finais daquela primeira década dos anos 2000, sentia certa nostalgia dos áureos tempos de Ronaldo, e também Rivaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos, os ‘erres’ da Seleção, ainda mais com aquela aborrecedora equipa que disputou o Mundial da África do Sul e que não entusiasmava o mais lunático fã do futebol brasileiro. Enfim, pensava que só poderia haver um Ronaldo no futebol. Mas o Ronaldo português foi além e fez jus ao peso do nome. Cinco prémios de melhor jogador do mundo, cinco títulos da Liga dos Campeões, um Europeu e talvez (por quê não?) um Mundial. Sim! Cristiano segue a dinastia dos Ronaldos, talvez a mais nobre do futebol.

*Yuri Bobeck é jornalista, com passagens por rádio UEL FM, jornal Lance!, TV Cultura e TV Globo. Escreve para o SAPO neste Mundial’2018.

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