O antigo avançado brasileiro é o entrevistado desta semana da rubrica "Um Oceano de Histórias".

Há muito que Derlei deixou de fazer pontaria às balizas adversárias. O Madureira do Brasil em 2010 foi o seu último suspiro enquanto jogador. Regressou à terra que o viu nascer, e por agora aproveita a tranquilidade que não teve durante anos, e até o anonimato de que goza no Brasil, visto a sua carreira se ter centrado na Europa.

É esse descomprometimento com o mundo do futebol, a ausência de obrigações que lhe permite pensar o passado e falar dele com naturalidade.

Estamos em São Bernardo do Campo (Estado de São Paulo). Derlei recebe o SAPO Desporto em sua casa surpreendido por ver alguém que vem de tão longe para o entrevistar.  Faz as honras, esforça-se por ser um bom anfitrião, como alguém que recebe um familiar que não vê há muito. A conversa flui, os pontos de encontro e as memórias comuns depressa quebram o gelo.

Um "não" que custou ouvir

De história em história chegamos a uma que ficou por contar. O rosto de Derlei contrai-se um pouco, e acrescenta: «poucas pessoas sabem disso». A curiosidade aguça-se e a atenção é maior. Tornamo-nos num ouvinte devoto.

Ele faz-nos recuar no tempo até dezembro de 2004. O FC Porto procurava reencontrar-se. Um novo ciclo tinha-se iniciado com a saída de José Mourinho e jogadores como Deco, Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho, entre outros. A época natalícia aproximava-se e os jogadores tinham direito à habitual semana de folgas. Derlei aproxima-se do então treinador, Victor Fernández, e conta-lhe o seu problema pessoal.

«O meu filho Geovanni tinha nascido há cerca de um ano, precisamente à meia noite do dia 1 de janeiro. Na altura do nascimento, as coisas complicaram-se e ele ficou internado cerca de 17 dias na Unidade Cuidados Intensivos. Os médicos chegaram a colocar a hipótese de que ele não sobrevivesse. Ora o que eu mais queria era ir ao Brasil e celebrar com ele, nessa altura, o seu primeiro aniversário para agradecer o facto de ele estar vivo. O FC Porto deu-nos basicamente uma semana de folga, mas tínhamos de nos apresentar no dia 31 de dezembro. Fui conversar com o treinador e perguntei-lhe se ele podia dar-me mais um dia de folga, explicando a situação. O Fernández disse-me que não poderia abrir essa exceção para mim, porque senão teria de fazê-lo com todos os jogadores».

O “Ninja” não desistiu à primeira tentativa e contou a sua história ao diretor desportivo, Reinaldo Telles, e, mais tarde, ao presidente Pinto da Costa. Ambos compreenderam, mas remeteram a última palavra para o treinador. Apesar de as portas se fecharem, Derlei não desistiu da ideia e avisou que, mesmo assim, ia chegar mais tarde, e que poderiam multá-lo ou descontar-lhe no salário.

«Eu avisei logo que, apesar disso, ia chegar mais tarde. Acrescentei que poderiam multar-me se quisessem. Acabei por vir para o Brasil e fiquei até ao dia 1. No dia 2 de janeiro apresentei-me no FC Porto».

As consequências da desobediência 

A verdade é que não foi o único. Os jovens Diego e Pepe também fizeram o mesmo. Os três chegaram para treinar, mas depressa perceberam que isso não ia acontecer.

«Cheguei ao balneário para me vestir e ir treinar. Aí o roupeiro veio ter comigo e disse-me para ir falar com o treinador primeiro. Fui lá, e ele apenas me disse que eu não iria treinar e que devia dirigir-me à direção do clube. E aconteceu o mesmo com os meninos (Pepe e Diego). Na direção do FC Porto comunicaram-me: 'o treinador disse-nos que tu desrespeitaste uma ordem e ele pretende que vás treinar à parte'. Estranhei mas, por outro lado, ele era o treinador e eu tinha que obedecer. Mas o que me chateou realmente é que me acusaram de ter ligado para o Pepe e para o Diego e de os ter convencido a não voltarem na data certa e a ficarem no Brasil. Se eu estou errado em alguma situação, eu assumo isso, mas jamais iria incentivar alguém a fazer o mesmo. Até porque as punições seriam muito mais severas para aqueles dois meninos que tinham chegado há pouco tempo ao clube».

Mas as punições não ficaram por aí. Do treino à parte à despromoção à equipa B foi um instante.

«Quando me disseram que eu teria que treinar à parte, eu acatei. Depois já diziam que eu teria que ir treinar com a equipa B. E eu isso não aceitei: ‘vão desculpar-me mas eu não vou treinar com a equipa B, se não me querem aqui tudo bem’. Eles lembraram que eu tinha contrato, e aí eu forcei: ‘se vocês querem que eu treine com a equipa B, tudo bem, só que eu nunca mais vou jogar na equipa principal’».

O fim da relação entre FC Porto e Derlei

Até há uns dias Derlei era uma das figuras principais deste FC Porto, e agora via-se num braço de ferro e com um pé fora do clube. O "Ninja" sentia-se desrespeitado pelo clube, sentia que não merecia aquele tratamento por tudo o que já tinha feito pelo FC Porto.

«Eu não podia aceitar uma punição daquelas. Eu tinha 29 anos, não era nenhum garoto. Eu tinha avisado, e até tinha dito que me podiam descontar no salário. Para mim não fazia sentido nenhum treinar com a equipa B. Da mesma forma que o treinador tinha achado que eu lhe tinha faltado ao respeito por ter estado ausente em dois treinos, eu também achava uma falta de respeito colocarem-me na formação secundária e depois chamarem-me e eu ter que ir a correr para ele», explica.

Era tempo de seguir outro caminho. O avançado brasileiro sabia que não havia volta a dar depois do extremar de posições. Falou com o empresário Jorge Mendes, e o Dínamo Moscovo foi a solução encontrada na altura.

E se... 

Mas se nada disto tivesse acontecido, Derlei teria ficado no FC Porto e até acabado a carreira no clube?

«Se não tivesse acontecido isto, eu não teria saído do FC Porto. Ali era a minha casa, estava num clube que eu gostava, pelo qual tinha aprendido a torcer. Naquela idade(29 anos), eu não tinha interesse em sair. Eu teria feito toda a minha carreira ali», concluiu. 

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