A combinação de calor e humidade esperada em Tóquio é, além da pandemia de COVID-19, a principal preocupação dos atletas, que preparam os seus corpos para responder às exigências das provas.

No coração do 'Thermo room' do Instituto Nacional de Desporto e Performance de França (INSEP), em Paris, Hassan Chahdi, com o peito nu e coberto de suor, corre numa esteira. A temperatura é de 34°C, com uma taxa de humidade de 70%, para recriar condições muito difíceis para a prática de desporto de alto nível.

Após uma hora de corrida, este maratonista francês sai da câmara escura, seca o suor e avalia o cansaço e as sensações, como fez no dia anterior e como fará no dia seguinte.

O atleta de 32 anos segue um protocolo de adaptação ao calor, um dos grandes inimigos do rendimento desportivo, que é ainda mais perigoso em provas de resistência como a sua.

"Com a humidade, o suor evapora menos, então a pele esfria menos. A temperatura corporal aumenta, a frequência cardíaca também aumenta. O corpo fica desidratado e, quando perde muita água, a sua capacidade de suar diminui, é um círculo vicioso", explica o canadiano Julien Periard, investigador da Universidade de Camberra (Austrália) e especialista em adaptação ao calor.

"Não é o rendimento normal"

Para neutralizar, ou mitigar esses efeitos nocivos, os atletas de várias modalidades (atletismo, triatlo, vela, râguebi, entre outras) optaram por se habituarem, antes de ir para o Japão, às condições que lá podem encontrar. No país asiático, são esperadas temperaturas entre 32°C e 35°C e humidade entre 70% e 80%.

Os especialistas recomendam pelo menos uma concentração - entre dez dias e duas semanas - várias semanas antes da competição, com uma curta exposição diária - entre uma hora e uma hora e meia -, seja com esforço moderado, seja de forma passiva, como um banho quente, por exemplo.

"No início transpiras muito, sentes que o corpo se ajusta. Nos primeiros 15 minutos faz muito calor, transpiras e ficas mais confortável", diz Hassan Chahdi.

Em fevereiro, Hassan Chahdi submeteu-se a esse plano e percebeu os benefícios do programa durante uma meia maratona em março, no Djibuti.

"Mas, mesmo estando habituado ao calor, não será o rendimento normal. Os atletas serão obrigados a regular a sua velocidade de corrida para essas condições", explica o francês Franck Brocherie, investigador em fisiologia do exercício e especialista nesta 'Thermo room' do INSEP francês.

Para os especialistas, esses protocolos são indispensáveis antes de competir em Tóquio (ou em Sapporo, no caso da marcha atlética e da maratona), embora não garantam o sucesso na terra do sol nascente.

"O ser humano é um animal tropical muito bem termorregulado, todos se adaptam ao calor. As capacidades termorreguladoras do ser humano e a sua resistência são uma vantagem na evolução para caçar animais mais fortes e rápidos", explica o também francês Sébastien Racinais, diretor de investigação na clínica desportiva Aspetar, no Qatar.

"Embora nem todos façam isto com a mesma amplitude e com a mesma velocidade, todos os atletas beneficiam do treino com calor. No entanto, podemos ver como dois atletas do mesmo nível respondem de formas muito diferentes", explica

"Com uma exposição ao calor, podes ter quedas de desempenho de 10%. O objetivo da aclimatação é compensar essa quebra no desempenho. Dependendo do desporto, do atleta, das condições precisas, toda ou parte dessa quebra será compensada", afirma.

"Os outros protocolos de treino, como as concentrações em altitude, fazem ganhar 1% de desempenho. Portanto, a aclimatação é muito mais importante do que todos os outros tipos de preparação terminal", garante Sébastien Racinais.

Para os atletas que não possuem uma câmara de última geração, existem alternativas mais ou menos rudimentares.

Depois de desmaiar nos Jogos da Commonwealth em Gold Coast (Austrália) em 2018, o maratonista britânico Callum Hawkins preparou-se com sucesso para o Mundial de Doha-2019 (4ª) no jardim dos seus pais, equipado com esteira e aquecedores.

Callum Hawkins repetiu a experiência antes de Tóquio2020 e é um dos candidatos à medalha.