"Temos [os portugueses] que manter uma certa firmeza naquilo que queremos da China", afirmou Carlos Monjardino. "Não devemos ser nem demasiado ambiciosos nem demasiado tolerantes com os chineses", mas "hoje em dia, não vejo, ao nível oficial, quem esteja numa posição de poder entender os chineses e ter uma política nesta base que estou a descrever", acrescentou.

O presidente da Fundação Oriente, antigo governador substituto do Governo de Macau, entre 1986 e 1987, período em que negociou pelo Estado português a última concessão do jogo no território, mostra-se reservado em relação à segunda metade do período de 50 anos da transição da administração de Macau para a China, que se inicia no próximo dia 19 de dezembro, considerando que dependerá da forma como Portugal gerir o "complexo" de ser um país pequeno.

"Vamos lá ver como as coisas vão correr", afirmou. "Só peço, se é que posso pedir, é um bocadinho mais de firmeza nas relações (...), não termos na cabeça, sempre escondido cá atrás - e às vezes não está escondido -- o complexo de sermos um país pequeno e eles serem muito grandes. Os países não se medem em termos em termos de áreas geográficas", afirmou.

Exemplo dessa falta de firmeza foi a forma particularmente e ruidosamente "silenciosa" como Portugal (não) se posicionou em relação à tentativa de condicionamento da liberdade de expressão e do exercício do direito de informar exercida em março de 2021, em particular na Televisão de Macau (TDM), sustenta.

Esse "silêncio", por outro lado, foi agravado -- na opinião de Carlos Monjardino -- pela atribuição pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique ao chefe de Governo cessante de Macau, Ho Iat Seng, em abril de 2023.

"Acho que ele [o Presidente da República] podia ter feito [atribuído] - e fez - essa condecoração, mas, na altura em que houve o problema com a TDM deviam daqui ter dito, expressado, uma opinião negativa, obviamente, sobre aquilo que se tinha passado na TDM. Coisa que não fizeram", afirmou Monjardino.

Ou seja, na opinião do presidente da Fundação Oriente, "se não tivesse havido o silêncio [em maço de 2021], até podia haver a condecoração a seguir [em abril de 2023]. Agora, com o silêncio, a condecoração, se calhar, foi um bocadinho demais", reforçou.

"[Espero que] não tenhamos que presenciar outra vez a mesma coisa do que presenciámos com a TDM", ressalvando que "em Macau houve sempre uma grande liberdade, e os jornalistas mantêm muito essa liberdade de opinião, que ainda hoje é visível", acrescentou Monjardino.

"Eu leio os jornais de Macau, portanto vejo o que os jornalistas têm a dizer sobre algumas coisas relativas ao Governo e à ação do Governo de Macau", afirmou, acrescentando, porém, que se "nota que alguns jornalistas estão mais próximos do poder do que estavam antes".

Interrogado sobre se Portugal, a meio da ponte do período da transição de Macau para a administração chinesa, está em condições ou a tempo de corrigir alguma coisa que até agora não correu como esperado, Monjardino foi claro: "A tempo está, é preciso é querer!".

"O problema é querer e ter coragem para avançar, para propor coisas e sermos firmes nas nossas opiniões. E defendermos aquilo que nos interessa defender, sabendo que depois é preciso negociar. Mas tem que se defender de uma forma firme os nossos interesses", sublinhou.

APL // JMC

Lusa/Fim