Conhecidos os eleitos para Ponferrada2014, Filipe Cardoso continua a figurar como último ciclista do pelotão nacional a fazer parte da seleção portuguesa, uma opção que não espanta o homem que há três anos treinou atrás de um carro.

A polémica invadiu as redes sociais após a divulgação da pré-convocatória de José Poeira para o Mundial de Ponferrada (Espanha), com Edgar Pinto (LA-Antarte), o número um do ranking nacional, a contestar a sua ausência, numa lista em que Ricardo Vilela (OFM-Quinta da Lixa) figurava como único representante do pelotão português.

Na terça-feira, depois da divulgação dos convocados para Ponferrada2014, a tendência confirmou-se: entre os seis eleitos (Rui Costa e Nelson Oliveira, da Lampre-Merida, Tiago Machado e José Mendes, da NetApp-Endura, André Cardoso, da Garmin-Sharp, e Sérgio Paulinho, da Tinkoff-Saxo) não havia qualquer ciclista "nacional".

Assim, Filipe Cardoso continuará a figurar como último "não estrangeiro" a ter participado num campeonato do mundo de "quinas" ao peito.

"Nem eu fazia ideia que tinha sido o último 'não estrangeiro' a fazer parte da seleção para o mundial", começou por reconhecer à agência Lusa o corredor da Efapel-Glassdrive, que esteve presente na edição de 2011, em Copenhaga.

A opção de José Poeira não espanta Filipe Cardoso: "A meu ver, e por conversas que já tive com o selecionador, o facto de a seleção recair sobretudo nos 'estrangeiros' é principalmente por questões de calendário".

"O problema é que, neste momento as competições em Portugal praticamente terminam em agosto na nossa Volta, ficando um vazio muito grande até aos Mundiais. Os 'estrangeiros' continuam a competir a um alto nível todo mês de setembro, o que, naturalmente, lhes dá um ritmo ideal para estar presente no mundial com mais facilidade. Digamos que é a escolha mais fácil e menos arriscada para o selecionador", explicou.

O ciclista de Santa Maria da Feira sabe bem do que fala, já que, há três anos, passou um mês a treinar diariamente, às vezes sete horas por dia, para não acusar a diferença para os selecionados "estrangeiros".

"Fazia treinos de modo a preparar o corpo para passar muitas horas em cima da bicicleta e, ao mesmo tempo, não perder o ritmo competitivo. Fiz muitos treinos atrás de um carro ou mota, um treino chamado ‘meio fundo’, em que o veículo que segue à nossa frente tapa parte do vento e acelera progressivamente. Nesse método, facilmente se atingem velocidades de 80 e 90 km/h e uma rotação alta das pernas assim como um elevado ritmo cardíaco", descreveu à Lusa.

Escudeiro incansável dos seus líderes, Filipe Cardoso foi convocado precisamente para trabalhar para Manuel Cardoso, tendo optado "muitas vezes" por fazer simulações de lançamentos de sprints no final de treinos de seis, sete horas. Chegado a Copenhaga, aquele que nas camadas jovens era um dos mais promissores corredores nacionais não notou a diferença de ritmo para os ciclistas do WorldTour.

"Fiz o trabalho que tinha a fazer, o que o selecionador me pediu. Estive toda a corrida com o Manuel Cardoso e no final lutei com Manuel na minha roda contra os 'comboios' organizados para a chegada ao sprint. Deixei-o bem colocado já dentro do último quilómetro. Se tivesse que ir sprintar, senti que podia estar com os da frente, no top 15".

Embora se tenha sentido bem fisicamente, Cardoso não tem problemas em reconhecer que o mês que passou até ao seu 58.º lugar em Copenhaga2011 foi muito duro "fisicamente, mas principalmente psicologicamente" – "treinar tantas horas durante tanto tempo apenas para um dia de corrida e já no final da época acreditem que não é tarefa fácil" -, algo que o leva, "em parte", a compreender as escolhas de José Poeira.

Sem mágoas, o ciclista da Efapel-Glassdrive, de 30 anos, assume que caso tivesse emigrado, algo que não aconteceu primeiramente por opção, depois por acasos infelizes, poderia ser um dos habituais de José Poeira, pelas suas características como ciclista, pela "facilidade" em adaptar-se aos percursos e pela confiança que merece ao selecionador.

"Em resumo, quero dizer que a seleção para este ano me parece bem escolhida, mas, ao mesmo tempo, acho que se deveria dar a oportunidade a, pelo menos, um dos que está em território nacional. Ganhava o atleta e o ciclismo português, porque era mais um com oportunidade de mostrar o valor nacional e acredito que o resultado seria ainda melhor. A ambição e o querer de um ciclista português a correr em Portugal na altura de um mundial quebra todas as barreiras e aumenta o potencial do atleta", defendeu, assumindo que é com muita pena que não vai estar no campeonato do Mundo, que arranca no domingo.