No bairro suburbano da Mafalala, a notícia da morte de Eusébio, que ali nasceu, causou surpresa e choque, deixando os moradores a recordarem a "pantera negra" e a sua importância enquanto referência para os moçambicanos mais jovens.
A bola corre desenfreada pelo campo inóspito e arenoso, o principal do bairro, deixando atrás de si um rasto de poeira, com a equipa da casa, a Gudeza, a jogar contra a visitante Maidina pelo título da Copa Mafalala(sub - 17), que hoje se decide.
Dezenas de moradores assistem impávidos ao desafio, trocando impressões sobre a "chocante" notícia da morte de Eusébio, que ali nasceu a 25 de janeiro de 1942.
"Foi um grande choque. Ele é um exemplo para o nosso bairro. A figura dele ainda está muito presente na Mafalala", diz à agência Lusa Arnaldo Joaquim.
Sentado no banco de suplentes da equipa do bairro, o jovem Chale Cac, 19 anos, aguarda com serenidade o chamamento do treinador.
"Só o conheço [Eusébio] da televisão, revistas e jornais, mas sei que ele foi uma figura muito importante no futebol mundial. Hoje, temos que ganhar pela Mafalala e pelo Eusébio", atira.
No lado adversário, também Yuran Omar, de 17 anos, procura em Eusébio motivação, não só para este jogo, mas para uma vida ligada ao desporto.
"Ele cresceu neste bairro, mas conseguiu sobressair no mundo internacional do futebol. Para mim, é uma grande influência. É um dia de luto para todos nós", lamenta.
Um "stencil" com a imagem da "pantera negra" sobressai junto à placa que indica a rua Eusébio da Silva, pela qual Samuel Chembene, da Associação Iverca, guia com frequência turistas que procuram o Mafala Walking Tours (caminhadas turísticas), que a organização lançou há cerca de quatro anos.
Ali perto, desabitada, a casa de Eusébio definha vagarosamente, sendo ponto de passagem obrigatório para os cerca de 40 turista que a visitam mensalmente neste bairro nos arredores de Maputo, capital de Moçambique.
"Ainda na semana passada, ele [Eusébio] falou com a minha irmã a dizer que vinha a Moçambique em janeiro. Tentei que ele assistisse à final da Copa da Mafalala, mas já não foi possível", lamenta Issufo Ali, presidente da Associação Desportiva e Recreativa da Mafala, que organiza as copas de futebol no bairro, nas quais Eusébio se destacava no tempo de infância que ali passou.
Numa era em que os "vícios da droga, álcool e prostituição" convivem lado a lado com a juventude da Mafalala, hoje com cerca de 22.000 habitantes, referências de sucesso como Eusébio "fazem a diferença na vida dos mais jovens", assegura Ali.
"Quando estão a praticar desporto, os miúdos desviam-se das drogas e da prostituição. No ano passado, o Eusébio deu uma palestra na nossa escolinha de futebol. Vamos usar as imagens que gravamos para mostrar aos nossos jovens o seu bom exemplo", promete o responsável da associação.
No labirinto que é o mítico bairro da Mafalala, onde viveram personalidades como Samora Machel, José Craveirinha ou Noémia de Sousa, Samuel Chembene vai lançando cumprimentos aos moradores, que já não estranham a presença de visitantes e com quem trocam saudações em língua inglesa.
"A morte de Eusébio vai afetar muitas pessoas, sobretudo as que tiveram oportunidade de conviver com ele. No fundo, a Mafalala anda na boca do mundo pelo facto de Eusébio e outras figuras proeminentes terem vivido aqui", diz à Lusa o historiador Rui Laranjeiro.
O historiador está atualmente a recolher informações documentais sobre as personalidades que viveram no bairro, com vista ao lançamento do Museu Comunitário da Mafalala, cujas obras de construção arrancam em Março, e onde a figura de Eusébio estará destacada "pela sua grande influência na comunidade", segundo assegura Ivan Laranjeiro, da Associação Iverca, que está à frente do projeto.
"O Eusébio era um indivíduo social que estava sempre envolvido em atividades desportivas. Infelizmente, esteve desligado de Moçambique durante o período monopartidário [1976-1992], mas, mais recentemente, sempre que visitava o país, passava pela Mafalala", conta o historiador.
A "criminalidade, problemas de inundações, fraco sistema sanitário e más condições de vida" são, nas palavras de Rui Laranjeiro, os grandes desafios que a Mafalala enfrenta, mas com ídolos como Eusébio, "que aumentam a auto-estima dos moradores", o futuro mostra-se esperançoso para este bairro suburbano da capital moçambicana.
Eusébio da Silva Ferreira morreu hoje às 04:30 vítima de paragem cardiorrespiratória.
O “Pantera Negra” ganhou a Bola de Ouro em 1965 e conquistou duas Botas de Ouro (1967/68 e 1972/73).