Se é um cético em astrologia, não saia já. Fique mais um pouco. Porque desta astrologia vai gostar, sobretudo se for do Sporting.

As últimas décadas têm criado no universo verde e branco uma espécie de desconfiança a propósito dos bons momentos, não raras vezes interrompidos por desaires inesperados e volte-faces rocambolescos, de levar às lágrimas.

Quantos, por esta altura, já questionaram a brandura de um mar que, estranhamente, só se tem agitado noutras costas? A tempestade anda longe de Alvalade, abonado com um céu azul ausente de qualquer nuvem menos simpática. Uma espécie de cenário quase idílico que não deixa de surpreender a história recente dos leões. Mas assim é.

Com o futuro incerto, apesar do presente estranhamente convicto de si, nada como passar a vista no horóscopo. E sim, confirma-se. O horóscopo deste leão só augura um final feliz, tendo desde já num horizonte cada vez mais nítido a imagem de um ritual icónico - e tão desejado - de um cachecol verde e branco a pousar nos ombros de Sebastião José de Carvalho e Melo. (tem uma boa oportunidade para ir ver quem foi).

Com um triunfo sem espinhas e carregado de justiça, a formação orientada por Rúben Amorim não precisa de ir à bruxa, a um cartomante ou a um astrólogo. Muito pelo contrário.

Nesta sexta-feira 12, tão perto e tão longe do azar, os astros voltaram a alinhar-se quase na perfeição. Sem paciência, o leão engoliu o galo de uma assentada só e aos 11 minutos já vencia por 2-0. Bem sei que o leão está faminto e que o galo está longe de ser uma presa que obrigue a grandes trabalhos, mas não deixa de ser altamente meritória a entrada avassaladora e de garras afiadas, sem tempo a perder. Aliás, esteve aí a chave do jogo: Jogar depressa, mas não à pressa, com muita pressa para sorrir.

Prever o futuro deste leão está a tornar-se uma tarefa acessível ao mais puro amador astrólogo. Com este futebol seguro e confiante, chegam-nos imagens dispersas de uma multidão em torno de uma rotunda. Esta época, o leão está, claramente, com o ascendente em águia e dragão.

Astrologia à parte, na primeira parte foi um desperdício de espaço o meio-campo defensivo dos leões, bastava terem alugado a outra metade. Ficavam todos a ganhar, até a relva.

A bola não saiu dali e esteve quase sempre nos pés de Trincão, cada vez mais como o verdadeiro motor desde Sporting, que neste jogo não pôde levar para o Minho o seu moderno e sofisticado trator, leia-se Hjulmand, e Matheus Reis, o primeiro por acumulação de amarelos, o segundo por lesão. Entraram Daniel Bragança e Ricardo Esgaio, respetivamente. Coates e St. Juste, titulares na última partida, cederam posições a Daniel Bragança e Diomande. Nuno Santos, amarelado a quintuplicar, também ficou de fora.

Mudaram-se quatro peças face à vitória diante do Benfica, mas o ímpeto do Sporting manteve-se intacto. 4-0 ao intervalo e a certeza antecipada de que os três pontos jamais fugiriam.

Depois de um triste e solitário remate na primeira parte, ao fim dos primeiros minutos do segundo tempo o Gil tinha já rematado em três ocasiões distintas, apesar de nenhuma delas ter ajudado a criar qualquer situação de golo digna disso mesmo.

De qualquer forma, a segunda parte trouxe, reconheça-se, um Gil Vicente de cara lavada a querer deixar uma imagem bem mais agradável ao seu público. Ao público, mas não só. Também ao futuro treinador Tozé Marreco, que desde a tribuna - e à data desta análise ainda a aguardar a apresentação oficial- ia apercebendo-se da árdua tarefa que terá em mãos a partir de agora e nas próximas cinco finais.  O Gil melhorou francamente, será por aqui o espírito a manter nos próximos tempos, mas quase sempre sem capacidade para colocar em sentido Franco Israel. O guardião assumiu em exclusivo o papel de figurante e quando lhe foi pedido mais algum protagonismo nunca chegou a ser mais do que uma personagem secundária e com pouca ou nenhuma relevância na narrativa.

Aliás, nesta história com final feliz para o Sporting, valha-nos o justo protagonista, Trincão, que uma vez mais encheu o campo, a sua alma, e a de todos os sportinguistas que saíram de Barcelos a agradecer à astrologia, mas sobretudo a Rúben Amorim. Das bancadas, a data altura, pediu-se a continuidade do jovem técnico. Uma longa faixa com a inscrição 'Fica Amorim' - uma fase escrita repetidamente, não vá o técnico não perceber à primeira - ergueu-se por entre os adeptos leoninos, atentos às notícias que chegam de Inglaterra, nomeadamente de Liverpool. Por isso, pelo sim pelo não, mais vale pedir-lhe já. Nunca se sabe quando vai ser a última vez.

O Sporting foi controlando as incidências da partida até ao apito final de Manuel Oliveira e assegurou com tranquilidade a sexta vitória seguida na I Liga. Já o Gil Vicente chegou à quarta derrota seguida na prova e ao sétimo jogo consecutivo sem vencer - acabando por conceder mais um pesado desaire que deixa o galo sem cantar, pelo menos para já.

O melhor: Trincão e mais 10 (não foi assim, mas quase)

Não podia ser outro. Sobram poucas dúvidas de que o médio está a viver uma das melhores épocas da carreira. Em Barcelos, Trincão voltou a encher o campo, a pegar na batuta, e até fez aparecer dois coelhos da cartola. Foi o jogador mais rematador dos leões com 6 disparos, e podia muito também ter apontado mais dois golos, aos 19´e aos 28´.  25 jogos e 8 golos para ex-médio do Barcelona, que parece finalmente estar em paz com o seu inegável talento.

O pior: 1.ª parte do Gil Vicente; a invisibilidade em campo saiu cara, muito cara

O Gil Vicente sabia de antemão que a montanha que lhe era posta à frente esta sexta-feira seria íngreme e rochosa. Defrontar o Sporting nesta fase, motivadíssimo após duas vitórias diante do Benfica, e estando mergulhado numa crise profunda, adivinhava uma escalada auspiciosa. E foi. Mas apesar do inegável mérito do Sporting, sobretudo na entrada estonteante , o Gil devia e podia ter feito muito mais. Deixou-se amarrar nas teias lançadas pelo meio-campo dos leões, que nem sequer puderam contar com a sua melhor aranha, a dinamarquesa, e ficou apático, paralisado e sem hipótese de fuga. A primeira parte de absoluta submissão entregou demasiado cedo ao Sporting os três pontos, o que pesou na cabeça dos jogadores da casa, depois de uma semana muito difícil. Valeram as melhoria na segunda parte, que deixam alguma esperança para o que aí vem.

O momento: O primeiro golo; a ascensão e a queda prematuras

'Marcar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer'. O golo de Trincão aos 7 minutos elevou o Sporting ao paraíso e afundou o Gil Vicente num autêntico inferno. Olhando para o momento das equipas, um golo precoce na partida só podia ter o impacto que teve. 'Calhou' ao Sporting marcar primeiro, foi-lhe entregue o céu, e de lá não mais saiu. Eis o gatilho, que mais tarde ou mais cedo acabaria por aparecer (pelo que se viu no início do jogo), mas que chegou cedo demais para o frágil momento que atravessa a equipa barcelense. Soube aproveitar o leão, que a partir daí não mais largou a presa, sufocando-a até sentir que dali não mais sairia. E assim foi.

O que disseram os treinadores

Rúben Amorim: "Nada está feito, agora tenho um sentimento diferente do que tinha na altura, mas o futebol muda muito rápido. Nós acreditamos ainda que podemos ganhar o campeonato, não interessa o que os outros pensam, o bom nisso é que acreditamos muito mais que podemos ganhar, há muito a fazer mas estamos mais perto"

Carlos Cunha: "Esta é uma equipa que tem qualidade. O ciclo de agora é negativo, mas tenho noção que vale mais na construção de jogo do aquilo que mostrou hoje. Espero que o próximo treinador possa exponenciar aquilo que a equipa tem de bom e unir o plantel, porque este é um excelente grupo de trabalho", disse.

Veja o resumo da vitória do Sporting em Barcelos