Passaram apenas umas horas desde que Paulo Sérgio aterrou em Lisboa, depois de ajudar o Bali United, da Indonésia, a sagrar-se campeão pela primeira vez na sua história. "As saudades já eram muitas. Não há nada melhor do que o nosso país", começou por dizer o jogador português, de 35 anos, visivelmente satisfeito por mais uma conquista naquele país.

Depois do título ganho em 2017 ao serviço do Bhayangkara, num ano em que foi eleito o melhor jogador do campeonato, o extremo voltou a ser preponderante agora na campanha do Bali United, que, a quatro jornadas do fim, só dependia de si para festejar na última segunda-feira. O que acabou por acontecer, uma vez que o clube balinês venceu por 2-0 na visita ao Padang, com Paulo Sérgio a assistir para o segundo golo de Spasojevic.

O português fala numa temporada "intensa", por culpa dos quase 60 jogos realizados até ao momento nas várias competições, mas não esconde o sentimento de dever cumprido.

"Foi algo histórico. O clube nunca pensou na possibilidade de ser campeão. No ano passado acabou em 11.º lugar, pelo que o objetivo para este ano passava por ficar entre os cinco primeiros classificados. Mas acabámos por fazer uma época fantástica e o título superou as nossas expectativas. Também nunca tinha acontecido uma equipa ser campeã a quatro jornadas do fim. As pessoas estão loucas", admite.

Paulo Sérgio, que soma assim o segundo título no futebol indonésio, diz que o segredo para o sucesso da equipa passa pela união do grupo. "No fundo somos uma família. Independentemente de termos tido alguns jogos menos conseguidos, estivemos sempre no mesmo barco e sempre nos apoiámos uns aos outros. E depois a alegria com que todos trabalham e vão para os treinos. Acho que foi esse o segredo do nosso êxito", revela o camisola 80, que integra um plantel composto maioritariamente por atletas locais (a Liga só permite quatro estrangeiros por equipa, um deles obrigatoriamente asiático).

"Praticamente toda a população de Bali fala inglês, portanto é fácil comunicarmos uns com os outros. Em Jacarta [ao serviço do Bhayangkara] já foi mais complicado, tive de aprender um pouco a língua deles. Mas a linguagem futebolística é igual em todo o lado, de uma forma ou de outra a gente entende-se", conta.

O futebolista formado no Sporting, e com passagens por Olhanense, Arouca e Vitória de Guimarães, considera que o jogador indonésio "tem muita qualidade, a nível físico e técnico", mas mostra-se especialmente rendido à massa adepta. "Em Portugal não há essa ideia, mas eles vivem intensamente o futebol. É uma paixão. Claro que não podemos comparar a Indonésia, que tem 240 milhões de habitantes, com Portugal. Mas enquanto aqui só os três grandes conseguem encher estádios, lá não. Até mesmo equipas da segunda divisão metem 20 a 30 mil pessoas nos estádios. Isso é extremamente motivante para um jogador", revela o extremo, um dos nomes mais idolatrados no futebol indonésio - chegou mesmo a ganhar a alcunha de Messi.

"Sim, sinto um enorme carinho dos adeptos, mas o facto de as coisas correrem bem também ajuda. Tive uma boa experiência no meu antigo clube, fui o melhor jogador da liga, fui campeão, por isso havia uma grande expectativa das pessoas em relação a mim. Saí do Bhayangkara há dois anos porque queria ser campeão noutro clube, e felizmente isso aconteceu. Estou orgulhoso pelo trabalho que tenho realizado", confessou o médio, que volta a estar entre os nomeados para melhor jogador do campeonato.

Recorde-se que Paulo Sérgio deixou um legado brilhante no Bhayangkara, onde assinou 19 golos em 58 jogos, muitos deles que 'levantaram' estádios e se tornaram virais nas redes sociais.

O golo de Paulo Sérgio no Bhayangkara que correu mundo

Bali vs Jacarta, duas realidades no mesmo país

Foi há um ano que Paulo Sérgio trocou a agitação de Jacarta pelas paisagens verdejantes de Bali, um dos destinos turísticos mais procurados a nível mundial. Mas a realidade que o português encontrou não foi tão idílica como muitos imaginam.

"Eu vou publicando coisas nas redes sociais e as pessoas dizem logo 'Ah que maravilha é estar aí', mas nem tudo é um mar de rosas. Há muita pobreza, muitos sítios sujos. Mas, por outro lado, as pessoas são muito amáveis e carinhosas. E levo uma vida muito mais tranquila. Sinto-me feliz aqui", admitiu.

Já em Jacarta, capital da Indonésia, uma cidade "completamente diferente, cheia de prédios e um trânsito infernal", Paulo Sérgio deparou-se com um mundo marcadamente muçulmano:"Eles rezam várias vezes durante o dia. Tínhamos de parar o treino para eles poderem rezar, muitas vezes acordávamos de madrugada com o barulho deles a rezarem... Tivemos de nos habituar a essa realidade. Em Bali, como são hindus, isso já não acontece."

Paulo Sérgio com a família em Jacarta
Paulo Sérgio com a família em Jacarta Paulo Sérgio com a família em Jacarta créditos: DR

A experiência no sultanato do Brunei

De Olhão para o Brunei. A aventura asiática de Paulo Sérgio começou há cinco anos, com a necessidade de "experimentar novos desafios". "Tinha acabado a época no Olhanense e na altura um empresário disse-me que tinha algo para mim no Dubai. No fundo acabou por não aparecer nada, fiquei sem clube, mas depois apareceu a oportunidade de jogar em Singapura. Acabei por abraçar o desafio, mesmo não conhecendo nada do futebol asiático", começa por revelar.

O extremo acabou por reforçar o Duli Pengiran Muda Mahkota Football Club (DPMM FC), leia-se Clube de Futebol de Sua Alteza Real o Príncipe Herdeiro, emblema oriundo do Brunei mas que na altura competia no principal campeonato de Singapura. Também aí Paulo Sérgio foi considerado o melhor jogador da competição, com 15 golos e 18 assistências até à celebração do título inédito, em 2015. Acabou por ficar durante três temporadas.

"Curiosamente por onde passo acabo por ser campeão [risos]. Até pode ser uma forma de as pessoas não duvidarem do meu valor", diz.

Al-Muhtadee Billah, príncipe do Brunei, é o proprietário da equipa, mas está longe de ser um presidente comunicativo com os jogadores. "Ia todos os dias ver o treino, chegava dois minutos depois de começar, sempre com escolta policial, e saía dois minutos antes de terminar. Não faltava um dia. Já os jogos via em casa. Não é próximo da equipa, só falei com ele uma vez, quando fomos campeões", confidencia.

A influência do príncipe no clube viu-se logo no momento de decidir que atletas contratar. "Quando lá cheguei já tinha tudo acertado com o treinador, mas disseram-me que o príncipe tinha de ver primeiro os jogadores e só depois se decidia se era para ficar ou não. Fui apanhado de surpresa. Mas ele gostou do que viu no primeiro treino e assinei logo", conta o jogador português, que mais tarde voltaria a apanhar outro susto.

"Estava eu na estrada, tranquilo, e de repente aproxima-se uma moto com um polícia a a dizer-me para eu encostar. Pensei logo que tinha feito asneira. Parei, vi mais motos e vi um carro a passar pelo meio delas. Depois quando cheguei ao treino e contei o que tinha acontecido é que me explicaram que era o sultão a passar e que quando isso acontece todos têm de parar e abrir caminho", partilha.

Sustos à parte, Paulo Sérgio admite ter ficado impressionado com a riqueza e a segurança do país. "Lembro-me que estava tudo muito limpo e bem cuidado, as estradas eram excelentes... Tinha tudo para ser uma espécie de Dubai, mas o sultão não quer abrir aquilo aos turistas", começa por dizer. Houve, no entanto, alguns senãos. "Por um lado, as temperaturas muito altas. Fazia calor e era muito húmido. Mais do que na Indonésia, por incrível que pareça. E a alimentação deles é muito pouco saudável, é muito à base de fritos e de doces, fazem umas misturas estranhas. Felizmente tinha a minha família comigo, acabávamos por comer quase sempre em casa, porque fora era muito complicado", admite.

Crescer no Sporting ao lado de Ronaldo e do amigo Quaresma

Paulo Sérgio fez a formação no Sporting, onde partilhou balneário com nomes como Ricardo Quaresma, Hugo Viana, Miguel Garcia, e o próprio Cristiano Ronaldo, naquela que foi uma das melhores gerações de sempre da equipa de Alvalade. "Lembro-me perfeitamente desse tempo. Era aquele futebol de rua, que a gente gostava, ainda não era aquele futebol mais 'robótico' que existe hoje em dia na formação. Foram tempos bonitos", começa por recordar.

Paulo Sérgio (na esquerda) emparceirou com Ronaldo na formação do Sporting
Paulo Sérgio (na esquerda) emparceirou com Ronaldo na formação do Sporting Paulo Sérgio (na esquerda) emparceirou com Ronaldo na formação do Sporting créditos: DR

"O Ronaldo já se destacava naquela altura, tinha um comportamento muito profissional e era muito focado. O Quaresma é como um irmão para mim, estávamos sempre juntos. Ainda chegou a viver comigo", acrescenta o médio, de 35 anos, que explica o porquê de não ter seguido um rumo semelhante ao dos seus antigos companheiros - chegou a estrear-se pela equipa principal mas depois foi alvo de vários empréstimos até à sua saída, em 2008.

"Talvez tenha sido pelo meu temperamento, de ter pressa de querer jogar e não saber esperar pelo momento certo. Também quando apareci a equipa do Sporting era muito forte, tinha Pedro Barbosa, João Pinto, Sá Pinto, Jardel... Jogava muito pouco e na altura o que eu queria era desfrutar do futebol. Se eu tivesse tido paciência e esperasse mais um pouco, como fez o Miguel Garcia, que depois veio a ter a oportunidade dele, se calhar a carreira podia ter sido outra. Mas não estou arrependido das escolhas que fiz. Estou feliz com o meu trajeto", garante.

Paulo Sérgio passou depois por clubes como Académica, Belenenses, Estrela da Amadora, Aves, Portimonense, Olhanense, Vitória de Guimarães e Arouca, tendo ainda a oportunidade de jogar em Espanha, no Salamanca, antes de experimentar o futebol cipriota, ao serviço do AEL Limassol, em 2012/13. Pelo meio surgiu a oportunidade de regressar ao Sporting, no final de 2010, mas que nunca se veio a concretizar.

Se eu tivesse sabido esperar pelo momento certo, se calhar a minha carreira seria diferente

"Estava tudo praticamente acertado quando estava no Olhanense. O Costinha, que era o diretor desportivo, e o Paulo Sérgio, o treinador, já tinham falado comigo e já estava a trazer as minhas coisas de Olhão para Lisboa. Entretanto, o Costinha deu uma entrevista a falar que a direção não lhe dava espaço, algo do género, e acabou por sair. Veio o [José] Couceiro para o lugar dele e eu logo ali soube que o negócio não se ia concretizar", começa por contar o jogador, que se cruzou com o atual diretor técnico da FPF no Belenenses.

"A nossa relação no Belenenses não foi muito boa, tivemos algumas desavenças. Disse logo ao meu empresário que não ia ter qualquer hipótese de voltar ao Sporting. E foi o que aconteceu", acrescenta.

O médio não nega que ficou "magoado" com a situação. "Estava tudo acertado, o Paulo Sérgio chegou a dizer para estar preparado para o jogo da Taça da Liga e de repente tudo mudou. Na altura fiquei chateado, mas o futebol é assim mesmo. Acabei por ir para o Vitória de Guimarães, onde fui muito acarinhado. Senti que estava a jogar num grande", diz Paulo Sérgio a propósito do clube vimaranense, na altura orientado por Rui Vitória.

Regresso adiado

A menos de dois meses de cumprir 36 anos, Paulo Sérgio leva três golos e 13 assistências no Bali United, com o qual tem mais dois anos de contrato. Pendurar as botas é algo que não lhe passa pela cabeça.

"Sinceramente, não sinto que esteja a caminhar para o final da carreira. Tenho uma paixão enorme pelo futebol e sinto-me bem a jogar e a treinar, e enquanto as pernas obedecerem, hei-de continuar a desfrutar disto ao máximo. Tenho a noção de que, mais dia, menos dia, isto irá acabar, portanto quero aproveitar enquanto puder", vincou o jogador.

O objetivo, por agora, é continuar a dar cartas na Indonésia, "apesar de haver outros clubes interessados". O regresso a Portugal, esse, é que parece mais difícil de se concretizar. Paulo Sérgio explica porquê.

"Obviamente que gostava de regressar para jogar em Portugal. Mas acho difícil. No nosso país, a partir dos 30 anos, ninguém valoriza, acham que o jogador já está a caminhar para a velhice. E eu, com 35 anos, não vejo nenhum clube da Liga portuguesa que possa olhar para mim como um jogador no máximo das suas capacidades, até porque não acompanham o que se passa na Indonésia, não acompanham a minha evolução. E a nível financeiro também não me compensa voltar para Portugal. Só Benfica, FC Porto e Sporting poderiam pagar o que eu ganho neste momento", nota.

Neste momento, o extremo está mais preocupado com as horas que vai perder entre Lisboa e Bali, entre os festejos do campeonato e o tempo para estar com a família. A última jornada está marcada para o dia 22 de dezembro, o que vai obrigar Paulo Sérgio a viajar até à Indonésia para a despedida da época e, quiçá, receber pela segunda vez o prémio de melhor jogador da liga. "Volto novamente no dia 23 para celebrar o Natal e o Ano Novo. Vai ser uma correria."

Paulo Sérgio com a filha nas ilhas Gili
Paulo Sérgio com a filha nas ilhas Gili Paulo Sérgio com a filha nas ilhas Gili créditos: DR