No dia em que Pinto da Costa dissipou todas as dúvidas sobre a sua já esperada recandidatura, foi um abraço que ficou na retina de todos os presentes. Sérgio Conceição apareceu de fininho já durante a cerimónia e esperou pelo final do longo discurso para abraçar o presidente portista e beijá-lo na testa de forma visivelmente emocionada. No dia em que revelou que esta será a última vez que se candidata, o líder dos azuis e brancos garantiu que irá "defender os interesses do FC Porto até à morte" e avisou que "ninguém entrará no FC Porto que não seja do FC Porto".

Quase 42 anos depois, o recomeçar

Rua de Passos Manuel, 15h30. É domingo, o sol primaveril convida a um passeio pelo centro da cidade. Há turistas, claro está, e muitos param em frente ao Coliseu do Porto.

Aliás, a quem passava era impossível ficar indiferente. A agitação no átrio daquele que é um dos edifícios mais emblemáticos da cidade transbordava para a rua. Fala-se alto, aqui, ali, e começa a ouvir-se ao longe alguém a gritar - "O Pinto da Costa é o maior, viva o FC Porto!"

As simpáticas hospedeiras vão distribuindo os convites a quem chega. Mas não só. Bilhete numa mão, cachecol na outra. Um adereço personalizado era oferecido a todos os presentes - com a assinatura do líder portista e o lema da candidatura agora anunciada: "Todos pelo Porto".

Enquanto se espera, e porque afinal de contas tudo se resume a futebol, ainda há quem fale do empate do dia anterior diante do Rio Ave. Azar, pouca sorte, falta de eficácia, eram poucos os que não tinham uma opinião formada sobre o tema, embora em todos eles houvesse um ponto em comum: a convicção de que a equipa tinha dado tudo. E quando assim é, sobretudo por estas paragens, já se sabe que o empate ou a derrota custam menos a aceitar.

Entretanto já são 16h e lá se abrem as portas. Um grupo de adeptos, percebo depois que são família, não perde tempo e é o primeiro da fila para entrar. "Estamos aqui desde a hora de almoço", confessou-me o pai. "Queríamos ser dos primeiros a entrar", disse-me, antes de desatar a correr com a mulher e os filhos, adolescentes, para a sala. Depois, seguiu-se quase uma hora com a chegada de milhares de pessoas. Chegou a ser difícil vislumbrar os rostos mais conhecidos de apoio a Pinto da Costa, mas lá apareceram.

Olhe, aponte: Rui Barros, António Folha, Capucho, António Oliveira, Silvestre Varela, João Pinto, Domingos, Jaime Magalhães, Paulinho Santos, Ricardo Costa, Silvestre Varela ou Bruno Moraes, são alguns exemplos de antigos jogadores e treinadores que fizeram questão de assumir publicamente o apoio a Pinto da Costa.

Da política, destaque natural para o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, o presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, o deputado Tiago Barbosa Ribeiro ou Pedro Marques Lopes.

Da estrutura portista, nota para os administradores Luís Gonçalves, Vítor Baía, Fernando Gomes, Cristina Azevedo, Rita Moreira, o líder da Mesa da Assembleia Geral Lourenço Pinto ou o médico Fernando Póvoas.

Lipinho, número 2 dos Super Dragões, que tem assumido o lugar de Fernando Madureira nos últimos dias, também não faltou. Entre tantas presenças, a notícia maior foi a de uma ausência:  Adelino Caldeira não compareceu, administrador que tem sido associado à 'Operação Pretoriano' e apontado como uma das prováveis saídas do núcleo duro de Pinto da Costa.

Por esta altura faltava apenas um peso pesado da estrutura azul e branca, Sérgio Conceição, mas já lá iremos.

Apresentação da candidatura de Pinto da Costa à presidência do FC Porto
Apresentação da candidatura de Pinto da Costa à presidência do FC Porto Adeptos do FC Porto durante a apresentação da candidatura de Jorge Nuno Pinto da Costa, à presidência do Futebol Clube do Porto, no Coliseu do Porto, 4 de fevereiro de 2024. Pinto da Costa, de 86 anos, concorrerá a um 16.º mandato seguido à frente do FC Porto, numa fase em que é o dirigente com mais títulos e longevidade do futebol mundial, tendo sido eleito pela primeira vez como 33.º presidente da história do clube em abril de 1982. JOSÉ COELHO/LUSA créditos: © 2024 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Quando entramos na sala, qual matiné, quase tudo cheio. Dizem-nos que o Coliseu tem capacidade para 2500 pessoas, começamos a fazer contas, apontamos para 2000. Há semanas, na apresentação do Villas-Boas, estiveram perto de 1000. Vale o que vale, mas são números. E os números querem sempre dizer alguma coisa, sobretudo em eleições.

Há um compasso de espera, ouve-se um burburinho, e apagam-se as luzes. De repente, de fundo, a 'Pronúncia do Norte' - música mítica dos GNR que serve de hino às gentes do norte. E podia bem ser um dia de clássico dentro do Coliseu. Apesar de descaracterizados, isto é, sem bandeiras e tarjas a identificarem-nos - como acontece em dias de jogos -, era perceptível a forte presença de membros da(s) claque(s) na plateia. E se dúvidas houvesse, aquando da entrada de Pinto da Costa, foram rapidamente dissipadas com um esmagador apoio e com as habituais trilhas sonoras.

Numa receção absolutamente apoteótica, o histórico dirigente percorreu o corredor central da sala perante constantes interpelações de apoiantes, que o abraçavam, beijavam, e dirigiam palavras de apoio. Num percurso de 5 minutos, que numa situação normal não demoraria mais do que 20 segundos a percorrer, Pinto da Costa não escondeu a emoção.

Já com algumas lágrimas no rosto, o mítico líder dos azuis e brancos acenou, agradeceu, e lá se sentou para ouvir terminar a música de entrada em uníssono com as bancadas: "É a pronúncia do Norte, somos o povo mais forte". "O Porto é nosso e há de ser", chegou também a ouvir-se.

Apresentação da candidatura de Pinto da Costa à presidência do FC Porto
Apresentação da candidatura de Pinto da Costa à presidência do FC Porto Jorge Nuno Pinto da Costa (C), durante a apresentação da sua candidatura à presidência do Futebol Clube do Porto, no Coliseu do Porto, 4 de fevereiro de 2024. Pinto da Costa, de 86 anos, concorrerá a um 16.º mandato seguido à frente do FC Porto, numa fase em que é o dirigente com mais títulos e longevidade do futebol mundial, tendo sido eleito pela primeira vez como 33.º presidente da história do clube em abril de 1982. JOSÉ COELHO/LUSA créditos: Lusa

Ao estilo de um típico congresso de um qualquer partido político - com uma cortina de adeptos ao fundo do palco atrás do púlpito - a apresentadora fala informalmente com alguns deles. Com alguns problemas técnicos à mistura - bem resolvidos, diga-se -, contam o porquê de ali estarem e atribuem a causa do seu portismo a Jorge Nuno Pinto da Costa.

Também o Cardeal Américo Aguiar, bispo de Setúbal, assumido adepto do FC Porto, deixou uma mensagem gravada apesar da sua ausência. Houve também tempo para um emotivo vídeo de apresentação com os maiores feitos do clube sob a presidência de Pinto da Costa. Pelo meio, imagens da Liga Europa conquistada por Villas-Boas, mas imagens do antigo técnico nem vê-las.

Depois de mais um aplauso - constantes ao longo de toda a tarde com várias interrupções para cânticos e palavras de apoio vindas da plateia - eis o momento que todos esperavam.

Sem um único papel na mão, como é seu apanágio, Pinto da Costa fintou - e de que maneira! - os 86 anos, com um discurso de 30 minutos, no qual não deixou nada por dizer.

Ainda mal tinha começado, cedo começaram os recados ao outro candidato - nunca, em momento algum, pronunciando o nome de André Villas-Boas.

Apresentação da candidatura de Pinto da Costa à presidência do FC Porto
Apresentação da candidatura de Pinto da Costa à presidência do FC Porto Jorge Nuno Pinto da Costa, intervém durante a apresentação da sua candidatura à presidência do Futebol Clube do Porto, no Coliseu do Porto, 4 de fevereiro de 2024. Pinto da Costa, de 86 anos, concorrerá a um 16.º mandato seguido à frente do FC Porto, numa fase em que é o dirigente com mais títulos e longevidade do futebol mundial, tendo sido eleito pela primeira vez como 33.º presidente da história do clube em abril de 1982. JOSÉ COELHO/LUSA créditos: © 2024 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

"Entrei e cheguei aqui sem ter nenhum segurança a acompanhar-me. Não venho ler nenhum discurso, nem tenho ao fundo qualquer teleponto”, começou por dizer, fazendo uma alusão ao antigo treinador portista, agora seu adversário.

Depois de puxar dos galões para relembrar a conquista dos 2558 títulos conquistados ao longo dos 15 mandatos, 68 no futebol e sete deles internacionais, Pinto da Costa defendeu que ninguém deve concorrer a qualquer lugar sem apresentar currículo. "Este é o meu", referiu, antes de dizer que "não basta dizer que sonhou com uma cadeira de sonho, mas hoje está aqui e amanhã está acolá".

Debaixo de uma gigantesca e ruidosa ovação, Pinto da Costa avançou para as promessas eleitorais, algumas já conhecidas: "Dentro de uma ou duas semanas vamos apresentar um saldo positivo de algumas dezenas de milhões de euros e capitais próprios positivos. De seguida, deixou no ar a ideia de que com Villas-Boas a SAD azul e branca corre o risco de perder a maioria das ações. "Quando se criaram as SAD, o FC Porto tinha apenas 40% do seu capital. Hoje, passados tantos anos, temos 74%. E não, não conseguirão vender o lote de ações com agentes da Arábia, do Iraque ou do Irão para entrarem no nosso capital (...) Não vou deixar que façam do FC Porto um entreposto para andarem a fazer negócios com os árabes."

O dirigente do clube azul e branco deixou ainda uma bicada a Angelino Ferreira, antigo administrador azul e branco apresentado por Villas-Boas como candidato ao Conselho Fiscal e Disciplinar do FC Porto.

"Li há dias que um ex-membro da minha direção, candidato noutra lista a um cargo que nem sei o que é, se mostrou preocupado com a situação financeira. Dos momentos de dificuldades, o mais custoso para mim foi quando Angelino Ferreira esteve responsável pelas finanças do FC Porto. Porquê? Porque estivemos meses sem salários pagos aos nossos trabalhadores. Isso é que me doía na alma, não era falta de dinheiro ou os saldos", acusou.

E ainda houve tempo para as já tradicionais machadadas à comunicação social.

"Temos uma comunicação social que nos hostiliza. Ouvi um comentador desportivo dizer que eu mantinha o discurso contra a imprensa lisboeta e que a candidatura do meu adversário era para combater isso. É verdade, basta ouvir diariamente o programa da televisão da CMTV para se sentir a vontade com que eles querem ver-me daqui para fora. Sou atacado e até insultado, mas isso só me dá força. Enquanto sentir quer as televisões e comunicação social de Lisboa me quer verem daqui para fora, eu piso bem os pés no chão e digo: vamos em frente, FC Porto".

(Mais à frente, no final do discurso, dois jornalistas foram atingidos com isqueiros vindos das bancadas do Coliseu. Fica entre parênteses por respeito à organização da candidatura, que prontamente lamentou o sucedido)

Pinto da Costa prosseguiu e com o mesmo destinatário.

"Era fácil dizer 42 anos depois, basta. Eu não fui no canto da sereia, estou aqui para levar o FC Porto em frente. Não sou o presidente dos presidentes porque muitos já não existem entre nós, sou o presidente do FC Porto, o presidente de todos vós porque pretendem que continue. Fico orgulhoso por ver tantos atletas que não passaram, estiveram no clube. Que fixem bem, não como slogan mas como estado de alma: todos pelo FC Porto. Se todos estivermos assim, o FC Porto, o Porto e o próprio país estará melhor. Viva o FC Porto!", rematou perante uma audiência calorosa que cantava a plenos pulmões os principais cânticos de apoio ao seu presidente.

A tarde ficaria marcada pelo abraço de Sérgio Conceição a Pinto da Costa, logo após o discurso. O técnico do FC Porto chegou já depois do início da cerimónia, esteve a assistir de forma discreta ao discurso e apenas se aproximou do palco para cumprimentar o dirigente portista, num momento de profunda emotividade. Depois, voltou a desaparecer e nunca mais foi visto no Coliseu. O gesto é de um simbolismo evidente e contraria o seu absoluto afastamento que o técnico portista tem defendido desde a candidatura anunciada de André Villas-Boas. Poderá ser apenas um abraço, é certo, mas a mensagem inevitável - independentemente da sua interpretação - é de que Sérgio Conceição está ao lado de Pinto da Costa.

Apresentação da candidatura de Pinto da Costa à presidência do FC Porto
Apresentação da candidatura de Pinto da Costa à presidência do FC Porto Jorge Nuno Pinto da Costa (D), é cumprimentado pelo treinador do FC Porto, Sérgio Conceição (E), durante a apresentação da sua candidatura à presidência do Futebol Clube do Porto, no Coliseu do Porto, 4 de fevereiro de 2024. Pinto da Costa, de 86 anos, concorrerá a um 16.º mandato seguido à frente do FC Porto, numa fase em que é o dirigente com mais títulos e longevidade do futebol mundial, tendo sido eleito pela primeira vez como 33.º presidente da história do clube em abril de 1982. JOSÉ COELHO/LUSA créditos: © 2024 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Mais tarde, aos jornalistas, o líder recusou a ideia de que o técnico seja um "triunfo eleitoral" seu e aproveitou para enviar um abraço ao seu "amigo" Fernando Madureira - porque "os amigos são para as ocasiões" - a braços com a justiça no âmbito da Operação Pretoriano. Em modo 'Marcelo', Pinto da Costa não abandonou o Coliseu sem as habituais selfies com os os pacientes adeptos presentes, acabando por 'desaparecer' sem atravessar a saída principal, onde alguns apoiantes ainda aguardavam a sua passagem, mas em vão.

O anúncio da candidatura tinha chegado ao fim e estava, finalmente, desfeito o tabu: Pinto da Costa vai mesmo avançar para a corrida a um 16.º mandato à frente da presidência dos dragões. Espera-se que nas próximas semanas haja novidades sobre os nomes apresentados para a nova lista do presidente portista, que deverá contar com sangue novo nas principais pastas.

Até lá, e para que não haja dúvidas do outro lado, deixou claro que a luta será renhida: "Este será o meu último mandato, mas vou cumpri-lo até ao fim (...) Até à morte, defenderei os interesses do FC Porto".

Posto isto, resta-nos uma certeza: independentemente do desfecho das eleições de abril, é incontornável o momento ímpar da história do FC Porto. E ainda agora começou.