A revelação do caso Luanda Leaks teve um “grande impacto” em Angola, ao dar um destaque mundial à corrupção no país, defendeu hoje o ativista e jornalista angolano Rafael Marques, durante o julgamento do processo Football Leaks.

Ouvido por videoconferência como testemunha arrolada pela defesa do arguido Rui Pinto, o jornalista, que se destacou nos últimos anos por denunciar casos de alegada corrupção em Angola, traçou um retrato muito negativo do país a este nível, ao considerar que “a corrupção era a principal instituição do Estado” e que o seu “epicentro era a Presidência da República”, na figura do antigo presidente José Eduardo dos Santos e da sua família.

“Houve um grande impacto [do Luanda Leaks], porque tornaram-se matérias de domínio internacional. Foi a primeira vez que houve um escândalo em Angola que teve cobertura mundial. Não se conseguiu abafar o impacto devastador que teve sobre a família dos Santos”, afirmou Rafael Marques, que continuou: “Não acredito que haja outro caso de uma família presidencial a saquear um país como a família dos Santos”.

Questionado pela defesa de Rui Pinto sobre o efeito do Luanda Leaks - que expôs em janeiro de 2020 alegados esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais -, a testemunha admitiu ter sido contactado por outros jornalistas antes da publicação em órgãos de comunicação social internacionais e que as revelações precederam a ação da justiça.

“Os processos já estavam em curso e estavam a ser investigados pela justiça angolana. Pode ser coincidência, mas foi depois do Luanda Leaks que a justiça angolana promoveu o arresto dos bens de Isabel dos Santos. Foi muito importante a luz que se lançou sobre o saque desenfreado em Angola. Os níveis de corrupção mantêm-se altos em Angola, mas deixou de estar institucionalizada. E esse é um efeito que merece todo o apoio”, vincou.

Também ouvido na 43.ª sessão do julgamento em curso no Tribunal Central Criminal de Lisboa foi o diretor da organização Repórteres Sem Fronteiras, Christophe Deloire, que declarou que o denunciante “é essencial à descoberta da verdade” e que também deve merecer proteção, tal como as fontes jornalísticas. A testemunha subscreveu a defesa do interesse público das informações reveladas por Rui Pinto através do Football Leaks e Luanda Leaks.

“As informações que foram reveladas mereceram a atenção de grandes órgãos de comunicação social, não daqueles que procuram o sensacionalismo, mas o interesse público. Os assuntos da evasão fiscal e da corrupção ganharam evidência”, notou, acrescentando: “Essas informações permitiram a revelação de assuntos com interesse público evidente”.

O julgamento do processo Football Leaks prossegue apenas no próximo dia 24 de junho. Paralelamente, o advogado de Rui Pinto, Francisco Teixeira da Mota, disse ao coletivo de juízes, presidido por Margarida Alves, que o arguido vai prestar declarações no julgamento, após a inquirição das testemunhas e antes da fase de alegações finais.

Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.