Carlos Rodrigo tem 36 anos e quer ser treinador de futebol. Até aqui esta poderia ser uma história normal daquela criança que sempre admirou o desporto-rei, mas que optou pelo banco em vez de vestir a camisola para entrar no relvado. No entanto, esta não é uma história normal e o protagonista explicou porquê em entrevista ao jornal 'Marca': "Eles não me deixam treinar porque estou numa cadeira de rodas."

O amor pelo banco

"O meu avô ensinou-me a assistir ao espetáculo do futebol. Vivê-lo, compreendê-lo e apreciá-lo. Quando eu era pequeno, ele costumava chamar-me 'mister'. O meu avô adorava futebol e eu sabia o que ele sofria quando as outras crianças me mandavam para o banco porque eu estava numa cadeira de rodas. Aprendi a viver o futebol do outro lado, porque há coisas que só são aprendidas no banco. No final contribuí com menos objetivos, mas com muito mais técnica e conhecimento do que os outros."

Foi assim que Carlos Rodrigo descobriu que mesmo com limitações, poderia perfeitamente viver a sua paixão. Até que a Federação de Madrid lhe colocou obstáculos no caminho. Quando se preparava para fazer o curso de treinador, descobriu que as regras da federação estipulam que um técnico tenha "aptidão física". E foi aí que tudo se complicou.

"Não posso aceitar isso, eu não consigo rematar uma bola, mas posso perfeitamente executar o trabalho de um treinador. Não posso correr, mas tenho as habilidades necessárias para gerir uma equipa e tenho ainda os conhecimentos, experiência e vocação necessária para fazê-lo. Nos tempos livres fui diretor de atividades juvenis, geri atividades desportivas e cresci colado a uma bola e a assistir a centenas de jogos", explicou Carlos Rodrigo, portador de uma doença neurodegenerativa.

O obstáculo da lei

Mais calmo e com uma visão mais objetiva, Carlos percebeu do que realmente se tratava este caso: discriminação. E decidiu lutar contra ela. O preâmbulo da lei sobre os direitos das pessoas com deficiência que visa a inclusão social refere que "o desejo de uma vida plena e a necessidade de realização pessoal movem todas as pessoas, mas essas aspirações não podem ser satisfeitas se os direitos à liberdade, à igualdade e à dignidade forem restringidos ou ignorados. Este é o caso onde ainda existem mulheres e homens com deficiência, que, apesar do inegável progresso social alcançado, vêm esses direitos limitados no acesso ou uso de ambientes, processos ou serviços que não foram concebidos levando em consideração responder às suas necessidades específicas ou restringir expressamente a sua participação nelas."

Carlos Rodrigo fez uma petição e em pouco mais de uma semana contava já com mais de 75 mil assinaturas. Depois disso, recebeu um telefone em que lhe foi dada a boa notícia: "A Real Federação Espanhola de Futebol modificou os requisitos da chamada para cursos de treinador que oferece, para que todas as pessoas possam ter acesso em condições de igualdade, assim, a mudança significará uma adaptação dos testes específicos para pessoas com deficiências físicas".

A concretização do sonho

"Numa reunião que tivemos pouco depois, os responsáveis disseram-me que já tinham a mudança planeada e que o meu pedido tinha sido a gota de água. Devo começar o curso em novembro e para já estou a fazer um curso de monitor de futebol", explicou Carlos Rodrigo.

Vencida a batalha, o futuro treinador não deixou de lembrar a principal motivação que teve para levar o caso até ao fim. "Ainda não acredito que isto aconteceu mesmo. Isso só mostra que há barreiras que podem ser quebradas se, juntos, pedirmos àqueles que têm o poder de derrubá-las. Se o meu avô estivesse aqui, ele ficaria orgulhoso do que o 'mister' alcançou", afirmou.