José Mourinho recebeu esta quinta-feira o prémio "Web Summit Inovation in Sport", um prémio atribuído a pessoas ou organizações que incorporaram com sucesso a tecnologia para alcançar a excelência no desporto. O técnico do Tottenham recebeu o prémio em Londres onde, via videochamada, conversou com Andrew Hill, editor do Financial Times.

Antes disso, António Costa, primeiro-ministro, foi o responsável por apresentar o galardão ao "rapaz de Setúbal apaixonado por futebol que se tornou num dos mais inovadores e bem sucedidos treinadores da história do 'jogo bonito'".

"Pode dizer-se que a maior prenda que José Mourinho deu ao jogo não foram os troféus e o sucesso a clubes pela Europa, mas o crer e a inspiração que deu a uma geração de crianças portuguesas - o acreditar que se pode alcançar tudo na vida através do trabalho, da dedicação e do crer nas suas próprias capacidade", acrescentou.

O técnico português agradeceu o prémio "humildemente", antes de passar em revista a sua carreira de treinador que se prolonga desde o início dos anos 2000. Mourinho afirma que não pretendei dar lições com a sua carreira, mas refere a importância na paixão em ser treinador.

"Tendo aproveitar a minha carreira e isso é ter o privilégio de um trabalho que é uma paixão, um hobby, um full-time hobby, não sei como descrever. É o mundo em que nasci, ao qual pertenço. Todos dizem que a minha carreira é longa, mas eu não vejo o final. Sinto a mesmo paixão e mesmo desejo de aprender todos os dias. É um prazer, a minha vida não é um stress, não tenho um trabalho stressante", afirmou.

Atualmente no comando do Tottenham, o sexto clube na sua carreira, José Mourinho recordou o inicio de tudo, frisando que a maior dificuldade inicialmente eram os preconceitos por parte dos clubes.

"Agora as pessoas têm maneiras diferentes de ser treinador, há 20, 30 anos atrás era mais difícil porque as pessoas estavam mais focadas em antigos jogadores, deixavam de lado os que estudavam e queriam lá chegar. Isso era a maior barreira, partir essa muralha para as pessoas acreditarem num perfil diferente. Honestamente acho que um legado que deixo é que qualquer miúdo que gosta de futebol e não é talentoso o suficiente para ser um jogador, um aluno que estude ciência desportiva, por exemplo, possa ser treinador", disse.

"(...) Eu nunca quis ser a cara de uma luta entre treinadores ex-jogadores e os treinador vindos de do meio académico. O ponto era provar que podem existir formas diferentes de lá chegar. E acho que hoje em dia, o pessoal técnico é muito importante. Um bom corpo técnico é muito importante. No futebol há espaço para todos os que amam o futebol e que têm paixão pelo treino. (...) Estou orgulhoso porque consegui e sei que fiz muitos jovens sonhar. Penso que a minha geração sonhava toda em ser um jogador e ninguém sonhava em ser treinador. Atualmente sei que muitos miúdos sonham em ser treinadores. Se ajudo a que eles sonhem nisso, é algo tão importante como uma taça", acrescentou.

Questionado sobre o orgulho em ter sucesso como português, José Mourinho referiu que primeiramente o seu objetivo passava, quando estava ao serviço do FC Porto, em levar o nome de Portugal mais alto no futebol mundial. Só depois dessas conquistas da Taça UEFA e da Liga dos Campeões com os dragões passou a colocar em prática aquilo que considera serem as qualidades de ser português.

"Quando comecei a minha carreira no meu país, o meu objetivo era ajudar o país, fazer o que fizemos em 2003 e 2004, chegar ao topo do futebol mundial com uma equipa portuguesa cheia de jogadores portugueses, algo que desde 2004 nenhuma equipa portuguesa conseguiu. Isso foi um momento de orgulho, foi um clique na minha carreira. Depois disso foi altura de ser português, ser aventureiro, arriscar, não ter medo de ir, de ir contra as probabilidades e ir para todos os países de topo no futebol - Inglaterra, Espanha, Itália - e alcançar o sucesso lá", explicou.

"Mas mais do que acreditar [no sucesso], foi a mentalidade portuguesa de querer tentar. Não gosto de estar na zona de conforto. Deixei Portugal para vir para a liga mais difícil do mundo [ndr. Inglaterra], depois disso o mundo estava a falar de como difícil era a mentalidade italiana, então fui para lá. Depois o Barcelona era dominante em Espanha e no futebol mundial, então fui para Espanha e competir com os melhores. A minha vida é desafiar-me a mim mesmo. Mas tenho de ser humilde, estudar o futebol no país, o país, a mentalidade, a cultura, nunca perder a minha mentalidade, mas estar aberto a aprender. Às vezes para ganhar tive de deixar de lado a minha paixão, as minhas táticas, tive de crescer e ficar mais rico por estar em tantos países diferentes", acrescentou.

Dono de uma carreira invejável, José Mourinho destacou a importância que considera existir entre ter sucesso e uma carreira de sucesso. Voltando a referir a paixão pelo seu trabalho, o técnico considera que a sua carreira poderá prolongar-se por mais uma década.

"O sucesso é um momento, pode ter a ver com talento, mas também pode ser por estar no sitio certo à hora certa. Outra coisa é uma carreira, baseada em vários anos. Sempre acreditei nessa carreira. Isso é parte do meu ADN, eu sei que as pessoas não pensam isso de mim, mas considero-me humilde, tento sempre melhorar, aprender. Este é o tipo de trabalho em que a experiência só nos torna melhores, acredito que sou melhor agora que há 10, 20 anos. Eu adoro o que faço, sinto-me fresco, penso mais sobre os outros do que em mim. Sempre adorei levar os jogadores a outra dimensão nas suas carreiras. Tenho 20 anos de carreira, 57 anos, muito novo para a profissão, por isso não ficaria surpreendido se tivesse mais 10 ou 15 anos à minha frente", considerou.

Lamentando o facto de ter tido pouco tempo no ano que tem já à frente dos Spurs para criar uma ligação com os adeptos do clube londrino, o técnico abordou também a sua relação com os jogadores, realçando que é sobre os ombros dos próprios que cai a principal responsabilidade nas suas carreira.

"Sempre achei que os jogadores são os maiores responsáveis pela carreira. Podemos ajudar, direciona-los, mas no fim é sobre ele. Nunca senti que fiz um milagre a um jogador, sinto que às vezes tive sucesso a ajudar jogadores a alcançar níveis inesperados. Mas nunca poderia mudar o ADN de um jogador", disse.

Ainda sobre os jogadores, José Mourinho referiu a dificuldade de treinar os jogadores estrela, não aqueles que se inserem na sua definição dos mesmos, mas os que vão contra ela.

"No fim de contas o que é um jogador estrela? Para mim é o jogador que acredita que a equipa é mais importante que tudo o resto. Para mim é muito fácil, porque o que eu quero é ter jogadores estrela, que acreditam que a equipa é o mais importante. Se tenho uma estrela que não acredita nisso, então é difícil... anteriormente o treinador era mais poderoso do que é agora. É difícil, mas os bons são os que acreditam que a equipa é mais importante", notou.

Questionado sobre a sua diferença de personalidade entre os treinos e o que se vê nos jogos, Mourinho refere que em jogo a pressão está no máximo e que não é o seu verdadeiro eu.

"[Treinar] É divertido mas é difícil. Não vou dizer que é fácil, porque não é. Mas se não te divertires, se não tiveres prazer, não chegas à dimensão em que podes fazer a diferença. Os jogadores conhecem-me bem. Quem me conhece bem? A minha família, os meus melhores amigos e os meus jogadores. As pessoas em casa conhecem-me nos 90 minutos, onde acredito que tenho uma cara difícil, e nas entrevistas pós-jogo onde a pressão ainda lá esta, mas eu sou diferente. Com os jogadores sou capaz de ser um tipo porreiro, mas tambem de ser difícil e puxar por eles", afirmou.

Sobre o maior sucesso da carreira, José Mourinho destacou um feito recente... muito recente, nomeadamente a última vitória do Tottenham, o que está relacionado com a fome de sucesso do técnico português.

"Se perceberem a minha resposta, vão concordar. A minha mais importante foi a vitoria há dois ou três dias, porque esta é minha mentalidade. O que está feito, está feito e o futebol é o agora. Uma das razões pelas quais quero mais, mais e mais é porque tenho os meus troféus e memórias muito bem escondidos e quero sempre acrescentar mais. A última vitoria foi a mais importante porque foi a última. Um dia quando tudo estiver acabado, vou olhar para isso [títulos conquistados], não com os meus filhos, mas com os meus netos ao lado. Até lá, quero continuar", concluiu.

*Artigo atualizado às 13h36