Chapecó emudeceu na madrugada desta quarta-feira quando soaram os sinos da sua Catedral, à mesma hora em que, há um ano, aconteceu o maior pesadelo da história da cidade: o acidente que lhe arrancou a equipa do coração.

Às 1H15 locais, a cidade do estado de Santa Catarina recordou a tragédia das montanhas de Medellín, onde há 12 meses caiu o avião que transportava a comitiva da Chapecoense para a final da Taça Sul-Americana.

"Foi doloroso quando tocaram os sinos, porque me levaram para aquela montanha, no momento do impacto na Colômbia, mas são coisas que temos que passar", disse à AFP o jornalista Rafael Henzel, o único dos seis sobreviventes que compareceu à cerimônia.

O jornalista disse que desejava celebrar o que considera ser o seu "primeiro ano de vida", honrando a memória das 71 pessoas que morreram na tragédia.

Ninguém na cidade esquece a equipa que em apenas sete anos saiu das divisões de acesso no Brasil e chegou a uma final continental.

Numa igreja repleta e adornada com o verde e o branco da Chapecoense, Maria Inês Muniz não conseguia segurar o choro: "Não tenho palavras, Chapecó recuperou um pouco, mas nunca voltará a estar 100 por cento porque foi uma tragédia muito triste para muita gente".

Como Maria, muitos começaram a chorar quando os sinos tocaram.

Antes, uma marcha silenciosa percorreu a cidade a partir do estádio, com a presença de familiares de várias das vítimas, muitos com camisolas estampadas com os rostos dos seus entes queridos mortos no acidente.

Um violão tocava "Vamos, vamos, Chape" e várias pessoas se abraçaram entre lágrimas antes da intervenção do bispo.

No seu discurso, o prefeito da cidade, Luciano Buligon, destacou que agora é hora de celebrar a vida.

"Este é o momento em que celebramos as suas vidas. Ao longo do ano, Chapecó mudou o seu sentimento de profunda tristeza pela nostalgia, e agora de reconhecimento, de que as suas vidas têm que ser exaltadas. Medellin entregou-nos a força de que precisávamos para seguir em frente. A partir desta força o mundo inteiro também nos entregou a sua. Deus escolheu Medellin e Chapecó para dar um recado ao mundo e este recado foi de amor, de solidariedade, de dor, para nos amarmos mais, e é por este sentimento tão nobre que estamos aqui hoje", destacou.

Lágrimas na Arena Condá

Na Arena Condá, um ramo de flores branco foi colocado no centro do relvado, de luto, e os adeptos cantaram para o céu, num dos momentos mais emotivos da noite.

Voltou a ouvir-se o "Vamos, vamos, Chape" num estádio que recebia os visitantes, lembrando a ferida que nunca se vai fechar neste pequeno clube catarinense, que teve a vida abalada na madrugada de 28 para 29 de novembro de 2016.

"Saudade. Para sempre na nossa história, eternamente em nossos corações!" - dizia um cartaz na entrada do estádio, onde há exatos 12 meses começaram a chegar os primeiros adeptos, desesperados pelas notícias que chegavam da Colômbia.

Uma forte chuva caía em Chapecó quando os veículos começavam a informar o que parecia um pesadelo: o avião que transportava a comitiva da Chapecoense tinha caído nas montanhas de Medellín, onde o Atlético Nacional aguardava o Furacão do Oeste para disputar a final da Taça Sul-Americana.

Setenta e uma pessoas morreram, entre elas 19 jogadores, 14 membros da equipa técnica e nove dirigentes da Chapecoense. Apenas seis pessoas sobreviveram ao acidente: uma assistente de bordo e um técnico de aviação boliviana, o jornalista Rafael Henzel e três jogadores da Chape.

Alisson da Cruz, um jovem que cresceu com o milagre deste clube, que em sete anos passou da quarta divisão a finalista continental, nunca se esquecerá daquela noite.

"Foi uma notícia triste. Lembro de acordar de madrugada com a notícia na TV já. Foi um momento muito triste, de choque para todos. Ninguém acreditava, parecia que era um sonho", contou à AFP este auxiliar administrativo de 23 anos, que chega ao estádio vestindo a camisa e o gorro verdes do clube.

"Foi o dia mais triste, acho, da cidade de Chapecó e não tem explicação, ficamos muito emocionados só lembrar", conta, com a voz embargada, Miriam Macari, gerente de 27 anos, que não tinha conseguido voltar ao estádio desde o acidente.

Após um ano, entre a dor, a saudade e a necessidade de seguir em frente, o clube decidiu não realizar nenhum ato em "respeito a quem ficou e respeito às boas lembranças", mas abriu as portas de sua casa.

Pétalas do céu numa homenagem dos amigos colombianos

As homenagens começaram horas antes na Colômbia, onde dois helicópteros da Força Aérea colombiana atiraram flores sobre a praça central do município de La Unión, perto das montanhas onde ocorreu o acidente.

"A glória estava próxima. A tragédia apagou esse sonho", afirmou Andrés Botero, presidente do Nacional de Medellín.

O atual campeão do futebol colombiano, que cedeu o título de campeão da Taça Sul-americana 2016 à Chapecoense, organizou uma homenagem que incluiu um minuto de silêncio.

Enquanto os helicópteros da Força Aérea da Colômbia deixavam cair as pétalas do céu, os nomes das vítimas eram lidos e imortalizados numa placa.

"Meus amigos chapecoenses nunca serão esquecidos", disse Botero, que anunciou que um mural será dedicado à tragédia no estádio Atanásio Girardot, local da frustrada decisão da Sul-Americana. Além dos dirigentes, três jogadores do Nacional de Medellín assistiram ao ato.

Ainda sem conclusões, as investigações revelaram que o avião viajava com pouco combustível e tinha peso a mais. O falecido piloto foi responsabilizado e dezenas de funcionários da companhia aérea e do Estado estão presos na Bolívia.

Cinzas na montanha maldita

Após a homenagem em La Unión, uma missa foi realizada no morro que agora leva o nome da Chapecoense. Um altar foi montado no local onde ficou a fuselagem. Duas cruzes de madeira se destacavam perante as dezenas de presentes, muitos com a camisa do Nacional.

Aos pés da cruz, uma família chorava. Os pais de Silsa Arias, a copiloto boliviana que morreu na tragédia, viajaram da Bolívia para se despedir da sua filha.

"Viemos para dar um abraço e dizer que vamos tentar continuar sem ela. Trouxemos um pouco das suas cinzas que atiramos para a montanha, uma imagem que certamente mostrarei aos seus dois filhos quando começarem a fazer perguntas", contou à AFP Jorge, seu pai.

Na montanha, Luis Albeiro Valencia, de 53 anos, levantou um monumento no seu pequeno sítio lembrando o acontecido em La Unión há um ano. No alto de uma estaca está a réplica em madeira do avião, ao lado de duas colunas de tijolos, uma delas coroada com as rodas do trem de aterragem e a outra com uma bola.

"Isto é para lembrar, para que não nos esqueçamos deles. Porque com o tempo todos se esquecerão deste morro", disse à AFP este agricultor.

Renascer, um ano depois da tragédia

Após o choque da morte há um ano, a Chapecoense teve de encarar uma dolorosa reconstrução, marcada por altos e baixos. A equipa conseguiu manter-se na elite do futebol brasileiro para o ano de 2018, objetivo principal da temporada, conquistou o campeonato catarinense e ainda pode chegar a uma posição que dê acesso à Taça Libertadores da próxima época.

Dos três jogadores que sobreviveram, apenas o lateral Alan Ruschel voltou a jogar com a equipa, depois de uma recuperação quase milagrosa.

Enquanto isso, o guarda-redes Jackson Follmann perdeu a perna direita, e o central Neto, último dos sobreviventes a ser resgatado, ainda está em recuperação. O regresso aos relvados está previsto para o próximo ano.

Outros dois que se salvaram da morte, a comissária Ximena Suárez e o mecânico Erwin Tumiri, vão retomando as suas vidas pouco a pouco na Bolívia. A primeira atua como modelo e dá palestras motivacionais. O segundo estuda para ser piloto comercial. Quase todos voltaram a voar.

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