Os guineenses Alsan Mendes e Iaquinta, do Sacavenense, recorreram à causa solidária criada por futebolistas do Campeonato de Portugal (CdP), mas só um deles necessita “com urgência” desses donativos alimentares durante a pandemia de COVID-19.
“Ao todo, somos oito pessoas em casa: os meus cinco irmãos estudam, o pai é pedreiro e a mãe deixou de trabalhar nas limpezas do aeroporto Humberto Delgado por causa do novo coronavírus. Recebemos muita coisa, que dará para nos sustentar duas a três semanas. Quanto ao futuro, depende do treinador, mas mudará muito se não ficar por cá”, partilhou à agência Lusa o médio juvenil Alsan Mendes, de 16 anos.
A par do coordenador da formação e dos treinadores das camadas jovens, o presidente Manuel do Carmo vai tentando perceber quem do clube “passa menos bem” durante a evolução da COVID-19, tendo oferecido algum apoio ao jogador guineense, antes de solicitar donativos alimentares à iniciativa “Do Futebol para a Vida”, oferecidos na terça-feira através dos promotores Paulinho e Sandro Silva, defesas do Real Massamá.
Há ano e meio a residir em Sacavém, Alsan Mendes foi o único elemento das equipas jovens ‘rubinegras’ a socorrer-se da solidariedade de um grupo de futebolistas do CdP, enquanto mantém uma vida “totalmente autónoma” do futebol e apresenta um vínculo amador “sem ajudas de custo” com o clube do concelho de Loures até 30 de junho.
“Não conseguimos chegar a todos os escalões, mas temos feito um trabalho muito apertado nestes dias, em conjunto com uma ação de pessoas incasáveis. Recomendei ao Paulinho que seria necessário olhar mais para a formação e acredito que mais algum jovem possa estar a passar por dificuldades”, notou à agência Lusa Manuel do Carmo.
Desde 2011 na liderança do 14.º classificado da Série D do terceiro escalão nacional, o dirigente mostrou-se “muito ofendido” com o avançado guineense Iaquinta, um dos jogadores que “menos precisava” dos alimentos que recebeu em 15 de abril das mãos de Paulinho e Hugo Machado, médio do Loures e outro dos organizadores da ação solidária.
“Disse-lhes que era muito meu amigo e precisava daqueles bens. Isso entristeceu muito a nossa direção, mas não me mete contra as pessoas que tiveram esta iniciativa. Iremos falar com o jogador com todo o respeito, mas sei que esta malta às vezes não entende ou não quer entender e certamente há pessoas mais necessitadas”, lamentou.
O dianteiro que jogou a primeira metade da temporada no Benfica de Castelo Branco confirma que “não passa fome” e possui “tudo o que precisa”, mas aceitou o contributo alheio porque pensava que a iniciativa “Do Futebol para a Vida” extravasava os “casos urgentes” e era “generalizada” à totalidade dos atletas dos Campeonato de Portugal.
“Não temos salários em atraso, mas conversei com o capitão sobre os próximos meses e soube por ele que existia um fundo. Aceitei, mas, alguns dias depois, li notícias de que alguns colegas ajudados passavam fome. Não é o meu caso e fiquei arrependido. Foi a primeira e última vez que aceitei este tipo de coisas”, aclarou à agência Lusa Iaquinta.
O internacional guineense, de 24 anos, representou o emblema do concelho de Loures nas últimas duas épocas, vive com a esposa e a filha e afirma ter “outra vida além do futebol”, posição contrariada pelas palavras de Manuel do Carmo, que fala de “um dos jogadores mais privilegiados e estimados” pela estrutura do Sacavenense.
“Apesar de o plantel estar cheio quando voltou, foi recebido com todas as condições e está numa casa paga pelo clube. Por duas vezes, arranjámos emprego, mas ele não quer trabalhar fora do futebol e agora até tem a mulher, que trabalhava num restaurante, em ‘lay-off’. Mas quando lhe falta algo, pede-nos e nunca vê nada recusado”, apontou.
Os ‘rubinegros’ subiram pela última vez aos relvados em 08 de março, quando empataram no terreno do Loures (1-1) e colaram-se ao Olímpico do Montijo, o primeiro emblema acima da zona de descida, com 21 pontos e mais sete golos marcados, numa prova não profissional que foi cancelada em 08 de abril pela Federação Portuguesa de Futebol.
A inexistência de descidas ditou a manutenção do Sacavenense, mas a falta de jogos provocou “quebras acentuadas” de receitas numa instituição fundada em 1910, que reparte 600 jogadores por 26 equipas, dispõe de um orçamento mensal de 6.000 euros e atribui subsídios de “100 a 200 euros” aos 23 atletas do plantel sénior.
“Tínhamos algumas tranches a receber na formação, mas ninguém está a treinar e a pagar a sua mensalidade. Um dos patrocinadores já comunicou que não continuará connosco na próxima época e a quotização é uma migalha que até dava muito jeito neste momento”, enquadrou o líder de um clube que não joga na II Liga desde 1988/89.
Descartando o “aliciamento de investidores e parceiros”, Manuel do Carmo conseguiu liquidar todos os pagamentos até 15 de março e já acordou cortes de “40 a 50%” nos dois meses subsequentes, equacionando o auxílio do fundo de apoio federativo, que prevê um empréstimo máximo de 35.250 euros por cada clube do CdP.
“É bom para clubes do nosso calibre, mas as entidades deviam apoiar-nos algo mais gratuitamente. É difícil haver mais algum corte com este orçamento ou teremos muita dificuldade para criar uma equipa competitiva. Acabámos de renovar com o treinador Rui Gomes e, em breve, convidaremos 80 a 90% do plantel a ficar mais um ano”, concluiu.
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