Os clubes europeus e as provas organizadas pela UEFA, principalmente a Liga dos Campeões, precisam de se resguardar da “ameaça” inerente à mudança de futebolistas de elite para a Arábia Saudita, adverte o especialista Daniel Sá.

“O futebol europeu é a indústria mais madura, sólida e competitiva do mundo. Não é fácil nem, certamente, se conseguirá de um dia para o outro destruir essa hegemonia. Agora, como as outras indústrias, tem de se proteger, até porque tem um grande desequilíbrio”, observou à agência Lusa o diretor do Instituto Português de Administração de Marketing.

Karim Benzema, N’Golo Kanté e Jota (Al-Ittihad), Alex Telles, Marcelo Brozović e Seko Fofana (Al Nassr), Kalidou Koulibaly, Rúben Neves, Sergej Milinković-Savić e Malcom (Al-Hilal) e Roberto Firmino, Édouard Mendy e Riyad Mahrez (Al-Ahli) rumaram a quatro dos principais clubes do país, detidos desde junho pelo Fundo de Investimento Público (PIF).

“Temos assistido ao desequilíbrio de dinheiro que os clubes mais importantes e os outros arrecadam, o que origina, de certa forma, alguma falsidade do ponto de vista desportivo. Pode estar aqui o sinal de alerta. A UEFA terá de repensar o modelo de competição e a forma como o dinheiro é distribuído, porque as indústrias têm de se renovar”, sublinhou.

O apelo monetário da Arábia Saudita tem aliciado craques em pré-reforma ou em idades jovens a saírem da elite europeia, numa tendência alastrada a treinadores estrangeiros e que Daniel Sá sente que passará a incluir dirigentes e outros profissionais do setor, tentando que possam ser captados adeptos, patrocinadores e receitas “pelo nível de competição”.

“O dinheiro é uma fonte inesgotável e eles perceberam que, para serem bem-sucedidos, têm de fazer o mesmo trabalho fora do relvado. Já vimos isso em outras modalidades. O último exemplo foi a criação de um projeto de golfe profissional [LIV Golf], que conseguiu claramente abanar uma indústria dominada por americanos ou europeus e com mais de 100 anos, trazendo um profissionalismo que acho que se vai aplicar ao futebol”, elencou.

O ‘êxodo’ de ‘estrelas’ para o país mais extenso do Médio Oriente foi estimulado no início do ano com a chegada do avançado e capitão da seleção portuguesa Cristiano Ronaldo ao Al Nassr, que o especialista em marketing desportivo designa de “jogada de mestre”.

“Contratar alguém como ele é a jogada perfeita, porque se trata de um atleta em final de carreira, mas ainda com uma performance de elevadíssima qualidade e com uma atitude competitiva incrível e de referência para todo o mundo. Ao mesmo tempo, trouxe a maior marca, e claramente a mais visualizada, acompanhada e noticiada, da história do futebol para uma Liga que está muito longe da competitividade e qualidade da Europa”, definiu.

No caminho para esse objetivo, Daniel Sá acredita que “não chega ter um Ronaldo nem outros reforços de grande notoriedade” para evitar a repetição dos “erros cometidos pela China ou pelos Estados Unidos”, que “há várias décadas tenta imitar o futebol europeu”, numa nação acusada de práticas de ‘sportswashing’ e de violação dos direitos humanos.

“Os países ocidentais também utilizam esse tipo de manobra. Simultaneamente, o reino saudita procura num ciclo de duas décadas diminuir o peso da indústria do petróleo nas receitas e na sua forma de vida. O projeto ‘Visão 2030’ passa por diversificar atividades, investimentos e recursos e o desporto é um dos eixos definidos pela Arábia Saudita. Ou seja, tudo isto faz parte de uma estratégia bem mais ampla do que o futebol”, terminou.