Kátharsis no original grego significa, entre outros sentidos, purificação, e foi um conceito adotado por Aristóteles para designar a purificação da alma humana através de uma descarga emocional provocada por algum trauma. O futebol, assim como a vida, apresenta-nos tanto esses momentos de euforia e êxtase quanto profundas deceções. E no futebol, talvez poucas pessoas nos últimos tempos possam ter-nos feito passar por essa montanha-russa de emoções quanto Luiz Felipe Scolari.

Comecemos por 2002. A seleção brasileira acumulava resultados medíocres, tendo Scolari assumido o ‘escrete’ um ano antes. Da final contra a França em 1998 até o início daquele Mundial na Coreia do Sul e no Japão em 2002, a Seleção vivia talvez o seu período mais sofrível, contabilizando uma eliminação nas mãos das Honduras na Copa América, uma fase de qualificação a duras penas e jogos amigáveis de péssimo nível técnico. Ronaldo, com lesões sem fim num castigado joelho parecia abreviar de forma tão melancólica a sua carreira como foi a de Van Basten. Rivaldo, aos 30 anos, também vinha com problemas médicos do Barcelona, e a sua participação no Campeonato do Mundo era incerta. Romário, aos 36, chorava em público a suplicar uma vaga nos 23 que iriam à Ásia, mas Scolari vetara o Baixinho. Eis que o Brasil foi ganhando e avançando de fase, contando com algumas benevolências da arbitragem (o penálti marcado contra a Turquia ou o golo anulado de Wilmots nos ‘oitavos’ frente a Bélgica) e, contando com uma redenção ‘ronaldoniana’, o Brasil faturou o seu quinto título mundial. Festa, êxtase, é penta!

Dois anos depois, Estádio da Luz, bandeiras postas, um país em transe pela sua seleção. A nova seleção de Scolari, a portuguesa, enfim conquistaria o seu primeiro troféu AA, e em casa. Depois do susto grego inicial, as vitórias sobre Rússia, Espanha, Inglaterra e Holanda encheram o país de esperança. Só faltava a Grécia, não seria possível perder duas vezes para os gregos em menos de um mês. Mas Charisteas repetiria o que já havia feito à França nos quartos de final, e Portugal teve de esperar por mais 12 anos para, enfim, poder comemorar o seu primeiro título europeu.

Os anos passaram e o Mundial de 2014, no Brasil, teria novamente Scolari como protagonista, outra vez ao comando da canarinha. O Brasil, inebriado pelo título da Taça das Confederações no ano anterior, e ao ritmo de Neymar, passou sem grandes sustos pela fase de grupos. Nos oitavos, o Chile quase que nos roubava o sonho do hexa. A Colômbia nos quartos ficava para trás. Só faltava a Alemanha para podermos, quem sabe, enfrentar a Argentina na final. Brasil e Argentina numa final no Maracanã! Era o desejo e sonho de todos os brasileiros. Mas perdemos Neymar, golpeado com uma joelhada nas costas pelo colombiano Zúñiga. O que se passou naquele 8 de julho de 2014 em Belo Horizonte, todos já sabem.

Porquê insistir num inexperiente Bernard contra Alemanha, Felipão? Obrigado por apostar em Ronaldo em 2002! Como foi possível perder a final para a Grécia?! Obrigado, mister Scolari por colocar Portugal entre os grandes novamente! Êxtase e deceção, conquistas e fracassos. O percurso de Scolari pelas seleções brasileira e portuguesa é icónico, e para o bem do meu coração futebolístico, prefiro não guardar nenhuma imagem daquele 4 de julho de 2004 e muito menos de Klose, Müller, Kroos, Khedira e Schürrle com aquele uniforme vermelho e preto.

*Yuri Bobeck é jornalista, com passagens por rádio UEL FM, jornal Lance!, TV Cultura e TV Globo. Escreve para o SAPO neste Mundial’2018.