A Amnistia Internacional (AI) alertou hoje para os riscos de desrespeito de direitos humanos do Mundial2030 masculino de futebol, disputado em Portugal, Espanha e Marrocos, sobretudo quanto a direitos laborais e discriminação.

Num relatório hoje publicado, intitulado “A jogar um jogo perigoso? Riscos em matéria de direitos humanos relacionados com os Mundiais de 2030 e 2034”, em tradução livre, a AI dá conta das responsabilidades da FIFA e dos organizadores para evitar a repetição dos “abusos” verificados no Qatar, aquando do Mundial2022.

A AI lembra que a candidatura dos três países, com jogos adicionais na Argentina, Paraguai e Uruguai, acarreta riscos “principalmente relacionados com os direitos laborais, discriminação, liberdade de expressão e de reunião, policiamento, privacidade e habitação”, lê-se num resumo que acompanha o relatório.

O problema da discriminação racial é comum aos três países, nota o relatório, lembrando os vários atos racistas contra futebolistas negros, como Moussa Marega, então no FC Porto, o atacante do Real Madrid Vinícius Júnior ou o ex-FC Porto Chancel Mbemba, em Marrocos.

“Em Portugal, 60% das pessoas acreditam que existe racismo no futebol, de acordo com um inquérito realizado em 2020 a pessoas ligadas ao desporto”, aponta.

Por outro lado, o policiamento e a vigilância coerciva de adeptos é outro dos aspetos mencionados.

“Em Portugal e Espanha, a atuação policial tem recebido numerosas queixas de adeptos nacionais e estrangeiros. O direito à privacidade também pode ser ameaçado através de ‘spyware’ invasivo e vigilância biométrica, especialmente em Marrocos e Espanha”, denuncia aquela organização internacional.

Em Marrocos, a legislação do país é alvo do relatório, sobretudo por “perpetuar o risco de discriminação com base no género contra as trabalhadoras e as participantes no torneio”, como com a criminalização de relações sexuais extraconjugais, bem como de atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo.

“Marrocos restringe a liberdade de expressão através da criminalização das críticas ao Islão, à monarquia, às instituições do Estado, às forças armadas e à integridade territorial do Estado. Os jornalistas e os defensores dos direitos humanos têm sido perseguidos, detidos de forma arbitrária, espancados e processados por criticarem o governo”, critica a AI.

Outra das preocupações da Amnistia, ainda que não especificamente no caso português, prende-se com os direitos laborais de trabalhadores de construção, já que em Marrocos serão construídas várias infraestruturas de raiz, o que não acontece em Portugal.

A legislação planeada para reforçar estes direitos naquele país africano, nota o relatório, “ainda não foi aprovada, e os desalojamentos forçados são uma preocupação”.

Em Marrocos, será necessária construção significativa, como um novo estádio com capacidade para 115.000 pessoas.

Em Espanha, recorda-se as denúncias de abusos e fraude salarial dos trabalhadores migrantes envolvidos na ampliação do Camp Nou, do FC Barcelona, durante o ano de 2023.

“Nos três países anfitriões da candidatura, os trabalhadores migrantes correm o risco de exploração e outras violações de direitos humanos, como o tráfico. Os ferimentos no local de trabalho em Espanha e Portugal são mais elevados do que a média da União Europeia”, pode ler-se no documento.

A distribuição geográfica do torneio, entre três continentes e alargado a 48 equipas, faz prever “que as emissões de gases com efeito de estufa geradas pelas viagens [...] sejam consideráveis”, batendo de frente “com o compromisso assumido pela FIFA em matéria de alterações climáticas”, que envolvem o corte para metade das emissões até 2030.

O diretor de direitos laborais e desporto da AI, Steve Cockburn, considera que o Mundial2030 apresenta questões de direitos humanos “significativas”, embora o Mundial2034, na Arábia Saudita, seja “de uma magnitude e gravidade completamente diferente”.

“O Campeonato do Mundo pode ser uma fonte de dignidade ou de exploração, de inclusão ou de discriminação, de liberdade ou de repressão, o que faz com que a atribuição pela FIFA dos direitos de acolhimento dos torneios de 2030 e 2034 seja uma das decisões mais importantes alguma vez tomadas por uma organização desportiva”, remata Steve Cockburn.