*Biografia ficcional inspirada na vida de Pelé
Já foi quase tudo escrito sobre mim. O Pelé que bateu o recorde de gols, o Pelé tricampeão da Copa do Mundo, o Pelé que foi considerado o melhor jogador da história do Santos… Mas eu só quero falar sobre a importância do número três na minha vida. Foi com o três que eu nasci e quem sabe não é com o três que vou morrer.
Tudo começa em Três Corações, uma cidadezinha do estado de Minas Gerais. Era o dia 21 ou 23 de outubro de 1940, nem sei bem e meus pais já não podem confirmar. A dona Celeste e o ‘seu’ Dondinho me deram três nomes: Edson Arantes do Nascimento. Porém, eu acabei usando apenas um: Pelé. E eu nem gostava dele, foram os ‘moleques’ que brincavam comigo por falar mal o nome do ‘goleiro’ Bilé, quando via os jogos do meu pai, com apenas três anos de idade.
Depois de chutar laranja, meia com jornais e tudo o que parecesse uma bola nas ruas e em clubes de bairro, eu entrei para o Bauru, o meu primeiro clube profissional, com 11 anos. O convite para o “Baquinho” partiu do Antoninho "Bigode", que dirigiu o meu primeiro treino no time e oferecia até emprego para os jogadores.
Comecei brilhando no “Baquinho” e o Waldemar de Brito, que vestira a camisa do Brasil na Copa de 1934, achou que eu levava jeito. Foi assim que ele me levou para um teste no Santos, com 15 anos. Fiquei e marquei na primeira partida, a 7 de setembro de 1956, contra o Corinthians de Santo André. Substituí o centroavante Delvecchio e chutei a gol dentro da área, quando estava rodeado por zagueiros. A bola passou por baixo do goleiro e entrou. Seu nome era Zaluar Torres Rodrigues e ainda hoje só é lembrado por ter sido o primeiro goleiro a quem fiz gol.
Quando chegou a hora do primeiro jogo não-amistoso eu juntei mais três gols e fiz o que chamam hoje de ‘poker’. E dessa forma começou a minha história no Santos, o terceiro dos meus “três corações”, depois de minha cidade natal e do Bauru.
Três vidas – Santos, as Copas na Seleção e o Cosmos
O Santos me deu quase tudo na vida. O resto – um grande resto - veio com a camisa do Brasil. O fim chegou com o Cosmos de New York.
Com o ‘Peixe’ ganhei mais de 40 taças, me tornei uma estrela e fui o artilheiro do Campeonato Paulista, da Taça Brasil, da Libertadores… Só não fui mesmo da Copa do Mundo. Estive presente em quatro Copas, venci três e por nenhuma vez consegui ser o artilheiro. É como dizem: “Não se pode ter tudo!”
Depois de estrear com a canarinha aos 16 anos, numa partida com a Argentina, fui escalado pelo Vicente Feola para minha primeira Copa em 1958, na Suécia. Era um moleque de 17 anos e ao meu lado tinha Garrincha, Vavá, Didi, Zagallo… Parecia um sonho, mas eu estava mesmo lá ao lado deles, meus ídolos de infância.
Só entrei no terceiro jogo, contra a URSS, mas bem a tempo de deixar minha marca na Copa. Fiz meu primeiro gol na partida das quartas-de-final, na vitória sobre o País de Gales, e depois mais três com a França e outros dois na final com a Suécia. O Brasil era campeão do Mundo pela primeira vez e nós vingámos a maldita Copa de ‘50.
Meu segundo título pela seleção chegou em ’62, mas aí o herói da Copa foi o Mané Garrincha. Saí logo no segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, por causa de uma distensão muscular e o Amarildo preencheu bem minha vaga no time. Mesmo assim ainda fiz um gol na primeira partida com o México!
De ’66 prefiro nem lembrar, por isso falo já da Copa de 1970. Foi a melhor Copa da minha carreira e o Brasil chegou ao ‘tri’ no México. Tostão, Jairzinho, Gérson, Rivelino, Carlos Alberto… era um time demasiado bom para ser verdade. Entrámos bem com a forte Tchecoslováquia e depois veio a Inglaterra, que era campeã da Copa, e a Romênia. O Brasil venceu tudo e todos até à final com a Itália e o placar de 4x1 no final mostra bem a força que esse time tinha. Eu era tricampeão mundial. Me chamaram de rei e foi assim que saí da Copa.
A minha última vida no futebol foi nos Estados Unidos pelo Cosmos de Nova York. Cheguei em 1974 e fiquei… três anos. Era uma proposta irrecusável e foi muito bom enquanto durou. Em 1977, num jogo amistoso entre o Cosmos e o Santos disse finalmente adeus ao futebol. Não foi fácil e até me ofereci para voltar à seleção anos depois, mas tomei a decisão certa.
Três carreiras – Jogador, ministro e “artista”
Se me perguntarem o que sou hoje, nem sei! Só sei que fui um jogador de futebol que por acaso também chegou a ministro do Brasil e que ainda tentou ser artista. Porém, minha arte era o futebol. Sempre foi. Os filmes que fiz e a gravação com a inesquecível Elis Regina só existem porque o futebol assim permitiu.
Em ’95, quando Fernando Henrique Cardoso me chama para o Ministério Extraordinário do Esporte, pensei se teria talento para a política. Acabei ficando somente três anos, deixei a lei Pelé sobre transferências, mas também percebi que não fui feito para ser ministro. Fui feito para jogar futebol.
“Marcar mil gols, como Pelé, não é difícil. Marcar um gol como Pelé é.” - Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro
*Biografia ficcional inspirada na vida de Pelé, escrita por João Paulo Godinho
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