Carlos Alberto mantém o sorriso de quando jogava no FC Porto e o jeito brincalhão. Pelo caminho perdeu a alcunha de 'feijão' que ganhou em Portugal, perdeu também a inocência e ganhou maturidade à custa da fama de herói e vilão pelos clubes por onde passou e da família que cresceu à sua volta. O talento está intacto e o toque de bola de quem o vê jogar não engana. Aos 29 anos procura a felicidade no Botafogo do Rio de Janeiro.
A pergunta respondida uma centena de vezes
Era dia de mais um treino do Botafogo, a “pelada” decorria em campo, mas não se via Carlos Alberto. Aparece largos minutos depois vindo do ginásio onde recupera de uma lesão. Olha para mim, sorri, imita o português do outro lado do Atlântico e pede mais uns minutos: “Um pouquinho mais e sou todo seu!” (risos).
Os anos passaram por ele, já não tem os tais 19 de quando vencia a Liga dos Campeões pelo FC Porto e marcava um golo na final contra o Mónaco (2003/04). Agora são mais dez em cima. Aproxima-se, sempre bem disposto e diz-se pronto. Inevitável começar por esse tal golo que ninguém esquece.
“Já respondi uma centena de vezes, mas as coisas como essa são sempre boas para ser recordadas. Não me incomoda nem um pouco responder sobre isso porque foi um momento espetacular”, e depois lança-se na descrição como se de um narrador se tratasse:
"A bola está do lado direito com o Paulo Ferreira e ele faz um cruzamento para dentro da área onde estou eu e o Derlei. No primeiro momento, eu não penso em fazer golo, eu penso em dar o passe para o Derlei. E ali na hora em que eu tento dar o passe, o defesa consegue bloquear o passe e a bola sobra para mim. Ali eu consegui finalizar sem chance para o guarda-redes”, termina num só fôlego.
E o tal festejo em que de camisola às costas anda de forma arrastada enquanto era abraçado por Derlei, Deco, entre outros?
“Na hora eu lembrei que tinha prometido ao meu pai que ia fazer um golo, porque ele tinha acabado de fazer uma cirurgia à anca, e então foi uma forma de o homenagear. Foi lindo aquele dia. Até para dormir foi complicado. A ficha só caiu no dia seguinte, em que consegui perceber o que tínhamos feito”, explica.
Com 19 anos estava em Portugal, no Porto, a viver sozinho o sonho europeu. Depressa foi adotado pelos mais velhos, entre eles Vítor Baía e Jorge Costa. Ligavam-lhe até para saber se o “feijão” tinha almoçado.
“Eles tinham muito carinho comigo. Eu tinha acabado de chegar na Europa, tinha completado 19 anos e estava morando sozinho. Às vezes até me ligavam para saber se eu tinha almoçado. Porque morar sozinho é complicado. Ficava numa correria o dia todo. E eles me abraçaram de uma forma especial. Quando você chega num lugar e vê que todos se preocupam contigo, que todos querem o melhor para ti, a tua resposta tem que ser boa e dentro de campo. O ambiente do balneário era o que tínhamos de mais precioso. Aquilo era o grande diferencial nosso”, relembra.
E no meio de tão bons jogadores, havia ainda um jovem treinador de muita ambição: José Mourinho. Ele era diferente de todos os outros, queria ouvir a opinião de todos. Até o jovem Carlos Alberto tinha voto na matéria.
“Ele ajudava bastante, mas também cobrava muito. Tive muitas histórias boas com ele. E ele sempre foi um cara que nos deu muita liberdade. Ele gostava de ouvir o que os mais jovens pensavam, ele achava que isso era importante. Quebrava a rotina. Ele é totalmente diferente daquilo que as pessoas pensam. Dentro de campo, ele é um cara muito humano, que está atento ao que o jogador está sentindo”, recorda o brasileiro, que ainda hoje mantém contacto com o português.
10 anos e nove clubes mais tarde
10 anos e nove clubes mais tarde, Carlos Alberto está a jogar pelo Brasil para onde regressou definitavamente em 2008 e onde ganhou a alcunha de “bad boy” por vários episódios que protagonizou.
“Não sei o que é ser polémico. Com que critério a pessoa classifica ou dá esse rótulo para alguém? Eu sempre falei a verdade, nunca tive dificuldade em lidar com a verdade. Talvez isso seja ser polémico. E se isso é ser polémico, eu vou continuar a ser assim. Deixar de lidar com a verdade jamais. Polémicas de jogos, campo, isso acontece, é normal. Também não fujo dos erros que cometi. Sei que não fui perfeito, mas quem é que é perfeito? Me diz aí!”, diz no seu jeito frontal.
Hoje diz-se mais maduro, luta por voltar ao auge, agora como jogador do “Fogão”. Cresceu, tem dois filhos, um de cinco e outro de dois. É por eles que joga, é por eles que quer voltar a conquistar títulos.
"Eu quero que os meus filhos vejam o que eu faço. Eles nem eram nascidos quando tudo isso aconteceu no Porto. Eu quero que eles vejam o pai deles ter conquistas no futebol. Então isso deu-me uma grande força para eu voltar a jogar futebol e procurar novas conquistas”, confessa.
A vontade de deixar de jogar
E quando fala em voltar a jogar futebol, é porque o ano passado teve de parar por sete meses. Deu positivo num controlo anti-doping enquanto jogador do Vasco da Gama. Ficou suspenso, foi condenado a dois anos em agosto. Recorreu e viu ser-lhe dada razão em dezembro.
“A situação do doping que você está falando foi muito difícil. Eu cheguei a pensar parar de jogar futebol. Não sei se eu suportaria ficar dois anos sem jogar. Mas graças a Deus tudo acontece na minha vida com a permissão do homem lá de cima. Não cometi nenhum erro e não fiz nada, e foi provada a minha inocência. Não foi mais do que uma acusação”, explica.
Carlos Alberto transformou as dúvidas do passado em certezas no presente. Diz-se “feliz”, promete “um grande ano no Botafogo” e acrescenta que ainda tem “muito a dar ao futebol”.
Despede-se entre risos. É a tal boa disposição que nunca lhe faltou, mesmo quando esse sorriso não era refletido pelo espelho. Cumprimento-o e digo-lhe para ter “juízo”. Olha para trás, ri-se, agradece, e segue o seu caminho. Lá vai o “feijão”, o tal que ganhou uma Liga dos Campeões e marcou um golo na final. Isso ninguém apaga.
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