Era uma vez uma seleção de futebol que tinha fama de ser invencível. Que nunca virava a cara à luta e que não conhecia a palavra desistir. Dela se dizia que jogava com onze contra onze e que no fim ganhava sempre. Essa seleção era a Alemanha, numa descrição eficaz de Gary Lineker que ficou célebre. No entanto, os alemães ocupam apenas o terceiro lugar na hierarquia dos Campeonatos do Mundo, com três títulos mundiais, atrás do ‘penta’ Brasil e da ‘tetra’ Itália.
A história da Mannschaft é escrita por muitos autores, com realce para nomes como Fritz Walter, Uwe Seeler, Franz Beckenbauer, Gerd Muller, Paul Breitner, Karl-Heinz Rummenigge, Lothar Matthaus, Jurgen Klinsmann, Michael Ballack ou os ‘contemporâneos’ Phillip Lahm e Bastian Schweinsteiger.
Todos jogadores distintos entre si, mas com a inquebrável mentalidade teutónica em comum. Foi assim que a Alemanha aprendeu a ser feliz, conquistando três Campeonatos do Mundo: 1954, 1974 e 1990.
O primeiro ficaria conhecido como o ‘Milagre de Berna’. Realizado na Suíça, o Mundial consagrou a Alemanha numa ocasião em que esta nem partia como favorita. A seleção germânica tinha sido readmitida como membro da FIFA apenas em 1950, após os anos negros da II Guerra Mundial, e o futebol parecia viver sob o efeito da magia húngara de Czibor, Kocsis e Puskas.
Porém, Berna testemunharia mesmo um milagre, com os alemães a anularem uma desvantagem de 2-0 consentida logo aos 10 minutos e a terminarem com um suado e polémico triunfo por 3-2, alcançado com protestos húngaros contra a arbitragem e alegado doping da ‘Mannschaft’.
Seguiu-se 1974, na então designada República Federal Alemã (RFA). Já com o estatuto de campeões da Europa conseguido em 1972, desta feita não houve surpresas e nem foram precisos milagres. Só a emocionante final com a Holanda de Cruyff, Neeskens e Rep levantou alguma incerteza, quando ao fim de um minuto de jogo os holandeses já ganhavam e sem que a Alemanha tivesse sequer tocado na bola.
A reação surgiu ainda na primeira parte, com a reviravolta de Breitner e Muller a consumar o segundo título mundial e a festa germânica no estádio olímpico de Munique. O ‘futebol total’ e imprevisível dos holandeses era possível de travar e logo pela mais previsível das máquinas futebolísticas.
Por fim, 1990. O Mundial de Itália parecia ser o palco desenhado para nova consagração de Diego Maradona e a sua Argentina campeã em título. Tudo seguia de acordo com as expectativas dos adeptos e nem a eliminação da anfitriã Itália nas meias-finais, aos pés da seleção das ‘pampas’, afetou esse cenário.
Todavia, do outro lado voltava a estar a Alemanha, sob a orientação de alguém que já sabia o que era ganhar um Mundial: Franz Beckenbauer. Numa final que ficou gravada na memória pelo cinismo e excessivo calculismo das duas equipas, a Argentina caiu com as duas expulsões sofridas e o penálti de Andreas Brehme. Estava alcançado o ‘tri’ para a Mannschaft, que naquela data se tornava a seleção mais bem-sucedida de sempre.
Os três Mundiais da Alemanha só perderam algum brilho com as posteriores conquistas de Brasil e Itália, mas refletem ainda assim o poder de uma nação fortíssima.
Um triste ‘tri’ para a Holanda
Poucas seleções apaixonaram tanto os adeptos nas últimas décadas como a Holanda. Se alguma vez existiu um futebol romântico, a ‘Laranja Mecânica’ foi o seu expoente máximo, procurando o espetáculo e o ataque como a solução para todos os males.
O nascimento desta Holanda aconteceu no início dos anos 70. Época de excessos e mudanças, também a Holanda levou a cabo a sua própria revolução, escolhendo o relvado como campo de batalha. Sob a batuta de um ‘general’ chamado Rinus Michels, o Mundo ficou a conhecer o ‘futebol total’: todos defendem, todos atacam, num gigantesco carrossel pleno de dinâmica e atrevimento. Estavam desafiadas todas as ‘leis’ e regras táticas.
O Mundial de 1974, na Alemanha, mostrou pela primeira vez uma geração recheada de talento e formada nas camadas jovens do poderoso Ajax. A uma primeira fase de grupos quase imaculada, com apenas um empate diante da Suécia, seguiu-se uma segunda ‘poule’ brilhante, deixando o campeão Brasil, a poderosa Argentina e a RDA pelo caminho.
A final é uma história já conhecida e aqui contada. O romantismo holandês sofreu o primeiro desgosto com o amargo pragmatismo alemão, perdendo o título mundial numa prova em que deslumbrou acima de qualquer outra equipa.
Quatro anos depois, a história repetiu-se com um cenário e um opositor diferentes, mas sem o mágico Cruyff. Em 1978, a ‘Laranja Mecânica’ não funcionou de forma tão precisa como na prova anterior, ao sofrer uma surpreendente derrota com a Escócia. Porém, acabou por passar a fase de grupos no segundo lugar, atrás do não menos surpreendente Peru.
A ‘poule’ seguinte relançou a Holanda para o seu melhor nível, colocando o ‘futebol total’ perante uma nova hipótese de consagração. Do outro lado estaria a anfitriã Argentina, cujas polémicas em torno da equipa – por alegadas ajudas da ditadura militar e o ‘esquecimento’ de um jovem talento chamado Diego Maradona – não apagaram o mérito de uma equipa liderada pelo goleador Mario Kempes. A final só foi decidida após prolongamento, com o mesmo desfecho do anterior Mundial: a derrota holandesa.
O ‘tri’ de finais perdidas pela Holanda só chegou no século XXI, com o primeiro Campeonato do Mundo disputado em África. Em 2010, na África do Sul, onde o país tinha fortes raízes históricas, a Holanda sacrificou a sua identidade construída ao longo de décadas por um futebol exclusivamente focado nos resultados.
Bert Van Marwijk foi o selecionador responsável por esta alteração e quase levou a Holanda ao trono do futebol mundial, apesar dos jogos sem o brilho de outrora. Apesar do talento de Sneijder, Van der Vaart ou Robben, a Holanda parecia agora a ‘velha Alemanha’: calculista, pragmática… e eficaz.
Porém, como não existem limites para a repetição da história, a seleção laranja caiu diante de uma Espanha que assaltara em definitivo a supremacia do futebol. Os campeões europeus de 2008 venceram no prolongamento com um golo solitário de Andrés Iniesta, roubando mais uma vez aos holandeses o sonho do Mundial. Não há (mesmo) duas sem três.
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