Um ano depois do Campeonato do Mundo no Qatar, ainda é possível ver nas ruas de Doha cartazes com as cores desbotadas pelo sol, apesar de o torneio, vencido pela Argentina, se tenha tornado apenas uma lembrança.

Há exatamente um ano, a capital do pequeno emirado do Golfo Pérsico atraía os olhares de todo o mundo com o início da maior competição do planeta, que pela primeira vez foi realizada no Médio Oriente.

O evento atraiu milhares de turistas, mas também suscitou polémicas pelas acusações de corrupção no processo de escolha da sede e as críticas de várias organizações humanitárias pela falta de respeito pelos direitos humanos dos trabalhadores que construíram os estádios e as outras infraestruturas.

Doha já recuperou a sua habitual calma, mas o sucesso na organização do torneio permitiu ao Qatar, segundo os especialistas, melhorar a sua imagem no mundo árabe e manter a aposta no desporto numa região que voltará a receber o Campeonato do Mundo em 2034, na Arábia Saudita.

Jassim al Jassim, do comité organizador do Mundial, lembra da "tensão" do dia 20 de novembro de 2022, que marcou o início do torneio com o jogo entre Qatar e Equador, que terminou com a vitória dos sul-americanos por 2-0.

"Mas acho que, no geral, estávamos muito felizes e orgulhosos do que tínhamos conquistado como país", recorda.

O Qatar teve que enfrentar uma onda de críticas desde que foi designado como organizador do Mundial de Futebol pelas condições dos trabalhadores imigrantes nas obras dos estádios, as acusações de corrupção no processo de escolha da sede, as desigualdades que sofrem as mulheres, as leis contra a homossexualidade e as restrições impostas ao consumo de bebidas alcoólicas.

Mas segundo Danyel Reiche, investigador especializado em política e desporte radicado no Qatar, o interesse sobre o país foi mais longe, afirmando que o Golfo Pérsico "tornou-se no centro do desporto mundial".

A escolha da Arábia Saudita como sede do Mundial de 2034 "certamente não teria sido possível sem o sucesso do Mundial em 2022", defende Reiche.

Construção de infraestruturas

No Qatar, o legado do Mundial2022 é primeiro material, com novas infraestruturas: metropolitano, ampliação do aeroporto, estradas, hotéis, estádios... os 193 mil milhões de euros investidos pelo emirado fizeram do Mundial de 2022 a mais cara da história, embora os organizadores recusem esse rótulo, afirmando que boa parte desses projetos já estavam planeados.

O dinheiro gasto "valeu a pena, definitivamente, mesmo que não tenha sido apenas para o Mundial", defende Jassim, que garante as obras para construção de sete dos oito estádios usados no torneio (apenas um, o Estádio Internacional Khalifa, já estava construído) custaram "apenas" 7 mil milhões de dólares.

Segundo Jassim, o novo Estádio Lusail receberá as cerimónias de abertura e encerramento da Taça da Ásia de 2024, que será disputada no Qatar de 12 de janeiro a 20 de fevereiro, após a China desistir de organizar a competição devido a pandemia de COVID-19.

Outro dos estádios mais emblemáticos, o 974 Stadium, construído com contentores de transporte marítimo, não será usado no torneio continental e o seu futuro será anunciado "muito em breve", segundo Jassim, que não deu mais detalhes.

Críticas são "ataques contra o Qatar"

Na semana passada, a organização humanitária Amnistia Internacional acusou o Qatar de ter fracassado ao não evoluir na questão dos direitos dos trabalhadores migrantes, apesar de Doha se defender alegando que o Mundial "acelerou" as reformas sociais no país, deixando um "legado duradouro".

Jassim afirma que estas críticas são "só ataques contra o Qatar", que partiram de pessoas que "não nos consideravam dignos de receber um torneio assim".

Com a denúncia de uma campanha vista como racista pelas autoridades qataris, Doha ganhou o apoio de todos os árabes e muçulmanos no mundo, considera Hisham Hellyer, especialista em Médio Oriente da Universidade de Cambridge, para quem o Campeonato do Mundo "reforçou a posição e a imagem" do Qatar na região.

O evento também permitiu ao Qatar melhorar as relações com os seus vizinhos, principalmente a Arábia Saudita, com quem mantinha uma crise diplomática desde 2017, acrescentou Reiche, que lembrou da imagem do emir com um cachecol saudita durante a vitória da equipa sobre a Argentina.