Na análise ao título de campeão agora conquistado pelo Benfica, muito se olha para o coletivo dos encarnados que conseguiu uma reconquista que escapava desde 2018/19.
Sabemos que o futebol faz-se de equipa, mas neste Benfica campeão houve o dedo de muitas individualidades que contribuiram diretamente para o sucesso ao longo da temporada.
Especial Benfica campeão 2023: reportagens, análises, opiniões, fotos e vídeos do título encarnado
A maioria deles são jogadores, coordenados por um maestro que também merece o reconhecimento. De Schmidt a João Mário e a Gonçalo Ramos, quais foram as figuras do "38" do Benfica?
As escolhas do SAPO Desporto:
Grimaldo
O pontapé canhão que se despede em grande
Mesmo em final de contrato, os adeptos do Benfica não se podem queixar da falta de comprometimento de Grimaldo. Os cinco golos e as nove assistências em 33 jogos dizem muito da importância do espanhol para o título de campeão.
Ainda assim, há muito mais que estes números - já por si arrasadores - que se pode analisar. Naquela que foi a melhor época nos encarnados, apenas comparada a 2018/19, onde também se sagrou campeão, a concorrência ao lugar de lateral-esquerdo sempre foi com Ristic. O sérvio, também bastante fostigado pelas lesões, nunca foi um nome a colocar em causa a titularidade de Grimaldo, mas chegou no início da temporada enquanto alternativa perfeitamente válida para a posição (diz-se mesmo que é o possível sucessor, com a saída iminente do camisola 3).
Grimaldo fez, desde o início da temporada, parte do onze ideal de Schmidt. No campeonato, foi mesmo o segundo jogador mais utilizado com 2949 minutos, apenas atrás de Vlachodimos. O espanhol falhou apenas um jogo pelo Benfica, tendo sido suplente não utilizado na receção ao Rio Ave, na nona jornada, (que o Benfica venceu por 4-2). Dos 33 jogos realizados, apenas foi substituído por sete ocasiões, já sempre depois dos oitenta minutos. É ainda o sexto melhor marcador da equipa no campeonato, e está no pódio em relação ao número de assistências juntamente com Neres.
Com Grimaldo em campo, o Benfica venceu 27 jogos, sendo que o espanhol também marcou presença nos momentos mais críticos da temporada. Não só o empate frente ao Vitória SC e Sporting, como as derrotas em Braga, na Luz diante o FC Porto e em Chaves. O lateral foi, ao longo da época, o rosto da felicidade e da desilusão encarnada.
Apesar de muitas vezes ser apontado alguma deficiência em termos defensivos, o pontapé canhão de Grimaldo acabou por sossegar os adeptos que, no final de contas, apenas querem que a bola entre na baliza. Os três golos que marcou são reflexo do jogador que estamos a falar e, por isso, convidamos-lhe a recordá-los connosco:
SL Benfica, Golo, Grimaldo, 10m, 2-0 [Benfica 5-0 GD Chaves, J11]
SL Benfica, Golo, Grimaldo, 7m, 1-0 [Paços de Ferreira 0-2 Benfica, J20]
SL Benfica, Golo, Grimaldo, 86m, 2-0 [Gil Vicente 0-2 Benfica, J30]
Grimaldo termina contrato no final da temporada e esta foi a despedida em grande de um dos obreiros do "38" encarnado.
António Silva
A jovem aposta de Schmidt que ninguém esperava
António Silva é a prova de que Schmidt não se fez valer apenas dos graúdos e das contratações de mercado. O jovem central de 19 anos, entretanto já internacional português, foi uma das apostas desde o início da temporada para uma posição delicada do terreno. Com a saída do veterano Vertonghen e mesmo com Morato, Lucas Veríssimo e João Victor (lesionado), foi António Silva a juntar-se a Otamendi e a ser uma agradável surpresa.
De tal forma que acabou por ser chamado ao Mundial no Qatar e tornou-se num dos mais influentes na conquista do "38" pelo Benfica. Os números não enganam: 30 jogos e três golos marcados, sendo o quarto jogador mais utilizado na equipa com 2695 minutos. Apenas foi substituído por cinco ocasiões, sempre já perto dos 90 minutos.
Mas voltemos ao início. Na primeira jornada do campeonato diante o Arouca, António Silva era ainda um suplente não utilizado. Com minutos na equipa B, foi preciso esperar até à quarta jornada (deslocação ao Bessa, frente ao Boavista) para Schmidt surpreender com a aposta no jovem central em detrimento de Morato. A exibição na vitória por 3-0 convenceu e o jogador tornou-se basilar na manobra dos encarnados.
António Silva não era visto como uma das maiores promessas do Seixal a ser lançada por Schmidt. Nomes como Paulo Bernardo ou Henrique Araújo apareciam melhor posicionados, mas a velocidade e a capacidade técnica daquilo que vemos num 'central de equipa grande' acabaram por convencer o técnico alemão e os adeptos.
Na retina de todos, para além dos cortes decisivos, fica um bis na Amoreira diante o Estoril. Recorda-se? Ora veja:
SL Benfica, Golo, António Silva, 30m, 2-0 [Estoril 1-5 Benfica, J12]
SL Benfica, Golo, António Silva, 40m, 3-0 [Estoril 1-5 Benfica, J12]
Aursnes
Uma descoberta nórdica que se tornou 'pau para toda a obra'
Aursnes é um caso de estudo neste Benfica. Um jogador desconhecido para a generalidade dos adeptos e que chegou do Feyenoord para ser uma agradável surpresa na equipa de Schmidt.
O técnico alemão já conhecia o médio norueguês desde os tempos do futebol nos Países Baixos, mas a chegada à Luz mostrou-nos uma coisa sobre Aursnes: Foi um verdadeiro 'pau para toda a obra' no "38" do Benfica. Para termos uma noção, Aursnes jogou a médio, médio ala e lateral direito ao longo do campeonato. Melhor dizendo: Conseguiu enxer o miolo, fazer de Neres e ainda ser melhor do que Gilberto na ausência de Bah.
Não foi contratado para ser uma máquina de fazer golos, mas a influência em campo foi notável, depois de uma contratação que custou 13 milhões de euros.
Olhemos aos números: 28 jogos, dois golos e três assistências. Não são dados avassaladores, mas o impacto numa equipa não se faz apenas das estatísticas visíveis a olho nuo.
Foi apenas na quarta jornada, diante o Boavista, que o nórdico estreou-se no campeonato, mas foi preciso esperar até à sétima jornada (receção ao Marítimo) para vermos a primeira titularidade. Na altura, os encarnados golearam por 5-0.
Aursnes foi o oitavo jogador mais utilizado no plantel com um total de 2157 minutos e, mesmo apesar de a sua influência ser muito maior que as estatísticas, na retina fica o golo marcado em Alvalade ao Sporting, que ajudou ao empate final (2-2). De referir ainda que o norueguês é o único desta lista a dar-se ao luxo de ser campeão duas vezes na mesma época. O Feyenoord também conquistou o título nos Países Baixos, onde Aursnes ainda jogou esta temporada antes da transferência para a Luz.
SL Benfica, Golo, Aursnes, 71m, 1-2 [Sporting 2-2 Benfica, J33]
João Mário
O maestro e dono do castigo máximo
Se há mérito para Schmidt é na recuperação de João Mário. Desde a transferência do Sporting que o internacional português não era tão feliz na I Liga, depois de uma primeira temporada no Benfica em que acabou por não ter a importância desejada sob o comando de Jorge Jesus e Nélson Veríssimo.
João Mário usufruiu do futebol ofensivo do novo treinador e encaixou que nem uma luva no sistema tático de 4-2-3-1, sempre na ligação entre a zona intermediária e o ataque. A importância neste Benfica trouxe o jogador também de volta à Seleção, onde disputou o Mundial no Qatar.
Os números não enganam: Desde a pré-época, tornou-se num titular praticamente absoluto com um total de 17 golos e sete assistências em 33 jogos. Um registo goleador notável daquele que é o maestro e responsável pela marcação de grandes penalidades na equipa. Gonçalo Ramos e Taremi foram os concorrentes diretos para o título de melhor marcador desta edição do campeonato, e estamos a falar de dois avançados.
João Mário é ainda o quinto jogador mais utilizado com um total de 2657 minutos. Foi logo titular na primeira jornada e esteve nos momentos decisivos da temporada. Destaque especial para o período entre a 18ª e 20ª jornada, quando apontou cinco golos em três jogos (dois bis frente a Arouca e Casa Pia e mais um golo na visita a Paços de Ferreira).
O médio de 30 anos ficou ainda ligado a um mau momento em que parecia estar sem pontaria no castigo máximo, ainda assim insuficiente para deixar de ser o homem da confiança de Schmidt nesse registo.
Olhemos com especial atenção para a quinta jornada do campeonato. O Benfica encontrava-se empatado a um golo com o Vizela na Luz e precisava dos três pontos para manter o registo vitorioso no campeonato. O relógio apontava para os 90+11 e o árbitro apontou para a marca de grande penalidade. A frieza e a responsabilidade para o 2-1 estava todo nos pés do internacional português, num momento que vale a pena rever.
[SL Benfica, Golo, João Mário, 90+11m, 2-1 [Benfica 2-1 Vizela, J5]
Gonçalo Ramos
O artilheiro de serviço
Como recuperar um falso 10 num camisola 9 mortífero? Só Schmidt sabe responder a esta questão, que catapultou Gonçalo Ramos para a melhor temporada desde que está no Benfica.
Todos nos recordamos que, em 2021/22, o internacional português jogava nas costas de Darwin e colocava todo o seu rendimento em prol do atual avançado do Liverpool. Ramos estava longe dos golos e da baliza até que este ano se tornou na principal referência ofensiva que os encarnados precisavam.
Na posição, Schmidt apenas tem Musa que parece ser o grande concorrente direto. Nomes como Henrique Araújo ou Seferovic não duraram muito no plantel para fazer sombra no ataque à baliza adversária.
Os números do camisola 88 são avassaladores com um total de 19 golos, que lhe confere o estatuto de goleador da equipa. Gonçalo Ramos é o sexto jogador do plantel com mais minutos em competição: 2305, levando ainda duas assistências. Números, ainda assim, insuficientes para ser o melhor marcador do campeonato.
Desde cedo que o avançado português foi o preferido na linha ofensiva. No arranque do campeonato, foi logo titular na receção ao Arouca com uma assistência. O primeiro golo foi na vitória por 1-0 na deslocação ao Casa Pia.
A partir daí foi uma caminhada de golos e com vários dados interessantes: Gonçalo Ramos nunca chegou a fazer um hat-trick, mas foi dos jogadores que mais bisou e que mais vezes foi substituído, muito também pela ascensão de Petar Musa. Apesar da regularidade ao longo da época, o Mundial 2022 mostrou Gonçalo Ramos ao mundo do futebol. O hat-trick à Suíça nos oitavos de final foi a prova disso.
Da caminhada até ao título, recordemos a 23ª jornada quando, no Estádio da Luz, o camisola 88 construiu a vitória do Benfica diante o Famalicão com dois golos apontados. Recorde-os aqui:
[SL Benfica, Golo, Gonçalo Ramos, 36m, 1-0 [Benfica 2-0 Famalicão, J23]
[SL Benfica, Golo, Gonçalo Ramos, 90+3m, 2-0 [Benfica 2-0 Famalicão, J23]
Roger Schmidt
O rigor alemão que tranformou o futebol do Benfica
Foi preciso esperar 13 anos para o Benfica se voltar a virar para o mercado internacional de treinadores e agora pode-se mesmo falar numa aposta certeira. Roger Schmidt sucedeu a Quique Flores (2008/2009) e devolveu o Benfica que os adeptos queriam, com uma equipa goleadora e empolgante dentro de campo.
Para isso, muito contribui as raízes do principal obreiro do "38" dos encarnados. Schmidt trouxe o rigor tático, a agressividade e sobretudo a capacidade ofensiva que tão bem conhecemos do futebol alemão. A sua passagem pelo futebol dos países baixos também ajudou a trazer algo novo ao universo da Luz.
Com ideias definidas desde cedo, logo se percebeu na pré-época que Benfica iriamos ter em 2022/23. No primeiro treino aberto, ainda em junho, já se via indícios de um futebol totalmente diferente.
Se há algo que os adeptos apontam a Schmidt é o facto de o técnico alemão se rodear quase sempre do mesmo 'núcleo duro' em todos os jogos. Podemos ver isto por duas perspetivas: a falta de confiança nas garantias que qualquer jogador do plantel podia dar ou a necessidade de formar uma espinha dorsal baseada no mesmo coletivo e que fosse imbatível dentro e fora das quatro linhas. Se resultou? sim. O rigor e a exigência de Schmidt é que não foi tomada da melhor forma ao longo da temporada, ou talvez a teimosia do alemão em apostar sempre nos mesmos. Os minutos e as pernas pesaram, mas o objetivo principal foi alcançado.
Com um 4-2-3-1 bem definido, Schmidt fez-se valer de algumas contratações como Bah, Aursnes..., reaproveitou talentos perdidos (Gonçalo Ramos, João Mário...) destacou-se por fazer emergir jovens da formação como António Silva e mais recentemente João Neves.
A saída de Enzo Fernández no mercado de inverno foi talvez o maior desafio. Aquela que era uma das - se não a principal - figura da equipa saiu numa transferência milionária e polémica para o Chelsea e deixou uma vaga pesada no meio-campo. Quem é que Schmidt escolheu? Chiquinho! Sim, aquele jogador que em 2020/21 foi emprestado ao SC Braga e pouco jogou. A adaptação correu tão bem que o médio até teve direito a cânticos da bancada. Em rotação com João Neves, Aursnes e Florentino, o Campeão do Mundo pela Argentina em 2022 acabou por ser, de alguma forma, esquecido.
Para percebermos o real impacto de Schmidt neste Benfica, a estatística também entra em jogo. Olhemos para os números: Antes do Mundial, eram 12 triunfos e uma igualdade, em Guimarães, para a I Liga. Entre as vitórias, uma no Dragão diante o FC Porto. Depois do Qatar, chegaram os primeiros grandes dissabores, nomeadamente uma derrota ao 29.º jogo, em Braga (0-3), e uma igualdade a dois na receção ao Sporting na penúltima ronda da primeira volta. Mais recentemente viu a vantagem cair de 10 para quatro pontos, após as derrotas com FC Porto e GD Chaves. Ainda assim, a margem foi suficiente para o rigor alemão trazer de novo a glória à Águia.
[artigo atualizado com os últimos dados às 10h55 de domingo]
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