Foi mais uma 'bomba' que rebentou no universo Benfica. O Ministério Público acusou a SAD do clube encarnado de vários crimes, onde se incluem a corrupção ativa e fraude fiscal, juntamente com o antigo presidente Luís Filipe Vieira e o antigo assessor Paulo Gonçalves.
Os envolvidos terão simulado a compra e venda de jogadores contando com a ajuda da SAD do Vitória de Setúbal, numa acusação que remonta ao período de 2016 e 2019.
Perceba melhor o caso
O MP pede a suspensão do Benfica e dos sadinos das competições desportivas, assim como a obrigação do pagamento de indemnizações de 900 mil euros e 1 milhão e 600 mil euros, respetivamente.
Sabendo-se que se irá tratar de uma investigação paralela, a nível penal, por parte do Ministério Público, e a nível desportivo pela Comissão de Instrutores da Liga, resta saber quais as consequências que poderão daí advir para o Benfica. Para isso, fomos ouvir a advogada e agente de jogadores Marta do Vale Faria.
O MP Público pede a suspensão das competições, mas a causídica lembra que caso esta ocorra terá que "ser decretada no âmbito disciplinar desportivo", uma vez que os atuais regulamentos não contemplam a sanção de suspensão de clubes nas competições.
Segundo o regulamento disciplinar da Liga, casos de corrupção visam apenas a perda de pontos ou sanção pecuniária?
"No âmbito da sanção disciplinar para os factos que estão invocados, estamos a falar de sanção de perda de pontos, porque as competições em si já terminaram [entre 2016 e 2019] e foram homologados os resultados. À luz dos dados que temos não conseguimos perceber se poderia haver uma perda de pontos retrospetiva à data dos factos. O que poderá ocorrer é uma sanção pecuniária", começa por nos dizer.
Acredita que o Benfica poderá ser suspenso das competições, se forem provados os crimes de que a SAD está acusada? Já vimos em Itália a Juventus ser condenada num processo de corrupção e acabar por descer de divisão.
"Juridicamente é possível. O Ministério Público peticiona o tribunal para que haja uma condenação. Se o tribunal der procedência a esse pedido, sendo extraída a certidão e se a nível disciplinar for aplicada a sanção, será possível. Mas essa hipótese está a ser colocada no processo crime, para que se chegue a essa decisão no meio disciplinar desportivo terá que haver uma condenação. Depois poderá ser utilizada essa condenação a nível desportivo para efetivar desportivamente essa sanção", refere, deixando uma ressalva: “muito difícil perceber se isso vai acontecer".
Marta do Vale Faria elenca ainda quais serão os próximos passos do Benfica com vista à sua defesa, salientando que o dano reputacional será difícil de evitar. Relembra, no entanto, o princípio da presunção de inocência.
"Acredito que nesta fase o Benfica peça a abertura de instrução, os outros arguidos também, há 20 dias para o fazer, desde a notificação do despacho. Há a presunção de inocência, nenhuma destas entidades, singulares ou coletivas poderão ser condenadas, até haver julgamento. O Ministério Público pode conseguir uma condenação, mas não relativo à suspensão das competições. Mas para que isso possa ocorrer teria que ser no âmbito do processo disciplinar/desportivo", refere, considerando que o clube não se deve livrar do "dano reputacional" que todas estas situações geram.
"O dano reputacional é grande, caso haja uma condenação, mas haverá em maior ou menor escala, seguramente. Não conheço o despacho de acusação por isso não me posso pronunciar com detalhes."
Quanto tempo poderá demorar este processo? "Depende das testemunhas arroladas que o tribunal vai ter que ouvir, depende da prova apresentada, mas são processos que demoram algum tempo e que poderão ser passíveis de recurso. Já sabemos como é a Justiça em Portugal e não antecipo que seja mais rápida que em outros processos."
Como se processa a condenação num crime de corrupção? "A condenação num crime de corrupção não está dependente de ter causado o efeito pretendido. O ato em si é punível e está qualificado no nosso código penal. O Ministério Público apresentará os meios de prova que fundamentem os factos da acusação e haverá inquirição de testemunhas, e compete ao tribunal decidir com base nessa prova. Os 'dados são lançados' e só no âmbito judicial que se vai perceber o que fica provado."
A jurista relembra que se trata de um caso 'inédito' em Portugal, e que deverá levar a uma reflexão profunda da Federação e da Liga. O processo disciplinar será inevitável no seu entender.
Não sendo a justiça desportiva tão gravosa como a penal, e não sendo possível repetir os jogos mencionados, e a dedução de pontos, não considera que em caso de condenação pelo tribunal a justiça desportiva não teria que acatar essa decisão?
“É verdade que o regulamento disciplinar não tem uma sanção tão gravosa. O que está a pedir o Ministério Público também é inédito, pelo menos em Portugal. Neste preciso momento na Federação e na Liga devem estar reunidos advogados, juristas e especialistas a avaliar muito bem o que deve ser feito. Não acredito que a resposta seja assim tão alinear. Há aqui questões muito complexas para que haja decisões concretas. Com a certidão extraída, a existência de um processo disciplinar será inevitável. Quando ao acatar de uma decisão de suspensão, a nível penal, a análise terá que ser muito mais profunda, se houver uma consequência menos gravosa a nível desportivo do que nos tribunais", ressalva.
Agente de jogadores e também adepta do futebol, Marta do Vale Faria acredita que uma eventual condenação do Benfica ou de qualquer outro clube não beneficiaria em nada o futebol português. "Não seria do interesse do futebol português que um dos três grandes fosse suspenso das competições. O Benfica serve interesse público e enquanto clube desportivo tem um fator de utilidade pública na nossa sociedade, aí sim sou suspeita, porque sou adepta de futebol e sou agente", sublinha.
"Muita gente fala da suspensão do Benfica como um dado adquirido, mas nada é adquirido. Só quando forem apresentados os factos é que o tribunal pode decidir por uma condenação", termina.
Comentários