A possibilidade de defesa nos processos sumários decididos pela secção profissional do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) vem travar recursos assentes numa “inconstitucionalidade”.
“O que está em causa é fazer valer já uma norma que produz efeitos imediatos, entendendo que há aqui uma imposição judicial pelo facto de existir um Tribunal Constitucional (TC) que considera inconstitucional a ausência de contraditório no processo sumário”, explicou à agência Lusa o jurista e advogado Carlos Dias Ferreira.
Fonte oficial da FPF disse à Lusa que a direção do organismo aceitou em 19 de janeiro a sugestão do CD, que, em 29 de dezembro de 2020, decidiu incluir a audiência prévia dos clubes e agentes desportivos no âmbito do sancionamento através de processo sumário.
Nenhuma norma dos atuais Regulamentos Disciplinares da FPF e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) patenteia qualquer declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, sobretudo nas que preveem a tramitação do processo sumário.
Até agora, o artigo 214.º do Regulamento Disciplinar da Liga de clubes definia como obrigatória a audição dos arguidos, exceto em processo sumário, ficando a decisão da secção profissional do CD restringida aos relatórios enviados no final de cada jogo.
“Deve resultar por força dos acórdãos que já existem em TC e que declararam inconstitucional a forma como decorre o processo sumário, na medida em que não há audiência dos arguidos, que é o princípio basilar do processo penal e, por consequência, do processo disciplinar”, agregou o advogado do escritório Dias Ferreira & Associados.
Carlos Dias Ferreira recorda que a ausência de defesa dos visados por esta forma especial de processo penal já foi, pelo menos duas vezes, julgada inconstitucional pelo TC, sendo necessária mais uma decisão para esta tomar força obrigatória geral.
“LFPF e FPF sentem que têm de ceder à força das decisões dos tribunais, que, designadamente, dão razão aos clubes ou agentes desportivos que, com alguma paciência, persistência e tenacidade, levaram os processos até onde tinham de levar. Ou seja, estão a antecipar-se para evitar que exista maior densidade processual”, frisou.
Os processos sumários punem infrações disciplinares com suspensão até um mês ou quatro jogos e ativarão esta norma a partir de segunda-feira, com clubes e agentes a terem um dia para a pronúncia por escrito, à qual só podem juntar imagens vídeo.
O termo desse prazo é às 12:00 do dia seguinte à notificação, mas pode ser encurtado, em caso de jogo iminente ou da necessidade de se elaborar um mapa de processos sumários intercalares para viabilizar a decisão e notificação do castigo a aplicar pelo CD.
“Os jogadores eram punidos por força dos cartões vistos nos jogos e automaticamente sancionados. LPFP e FPF ultrapassam esse modo automático ao darem um prazo muito curto para salvaguardar esse contraditório, mas que também não podia ser de outra maneira, senão nem se compadecia com a celeridade da competição”, vincou.
A ativação da norma dispensa a realização de uma assembleia-geral da Liga e poderá abranger a secção não profissional na próxima época, acreditando Carlos Dias Ferreira que inviabilizará “a repetição” de casos como a providência cautelar de João Palhinha.
O médio do Sporting recebeu o quinto cartão amarelo na vitória frente ao Boavista (2-0), em encontro da 15.ª jornada da I Liga, em 26 de janeiro, e foi sancionado com processo sumário no dia seguinte, tendo o CD da FPF considerado improcedente o recurso.
Já o presidente do Tribunal Central Administrativo Sul deu provimento à providência cautelar requerida pelo jogador, permitindo que João Palhinha fosse utilizado na vitória frente ao rival Benfica (1-0), no dérbi lisboeta da 16.ª jornada, em 01 de fevereiro.
“O recurso deve ter-se baseado nesta inconstitucionalidade, algo que deixará de ter fundamento. É engraçado como o CD toma no mesmo dia duas decisões diferentes em situações bastante semelhantes, apenas baseadas na resposta positiva ou negativa do árbitro sobre se viu o lance na sua total extensão”, apontou Carlos Dias Ferreira.
O advogado comparava a contestação da defesa do Sporting com a anulação do castigo de um jogo ao médio Nuno Coelho, do Desportivo de Chaves, que completou uma série de cinco cartões amarelos no triunfo sobre o Arouca (2-1), da 17.ª ronda da II Liga.
“O facto de o árbitro e o assistente terem dito que viram o lance na sua extensão, mesmo ressalvando que não sancionaram bem ao analisarem as imagens, foi o suficiente para o CD se agarrar a isso com unhas e dentes. Preferiram basear-se no princípio da autoridade do árbitro, mas se calhar deviam usar a verdade desportiva”, concluiu.
A FPF confirmou à Lusa que ia recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo sobre a providência cautelar de João Palhinha, na sequência de o CD ter apresentado uma exposição ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
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