Apesar dos mais recentes episódios de violência, como foi o caso da agressão a um repórter de imagem da TVI no exterior do estádio Joaquim de Almeida Freitas, a Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) defende que a ideia de que "a violência no desporto está a aumentar não corresponde à verdade".
Em entrevista exclusiva ao SAPO Desporto, Rodrigo Cavaleiro, presidente do organismo, admitiu que os dados mostram "um crescimento de incidentes registados entre as épocas 2014/2015 e 2018/2019", mas acrescentou que a presente temporada tem registado uma descida abrupta desse fenómeno.
O dirigente da APCVD considera que, para o crescimento registado entre 2014 e 2019, contribuíram "o aumento significativo de incidentes relativos à posse e uso de pirotecnia (a par de maior facilidade de acesso a estes materiais, com recurso a compras online) e, em certa medida, alterações efetuadas em 2013 à Lei nº39/2009, de 30 de julho (a chamada Lei da Violência no Desporto), que levou a um aumento do catálogo de comportamentos e infrações previstas na Lei e, em consequência, a um aumento do número de infrações registadas".
No entanto, Rodrigo Cavaleiro destaca que o Relatório de Análise da Violência associada ao Desporto (RAViD) "mostra que na época 2019/2020 os incidentes decresceram abruptamente (redução superior a 50%)" e que essa tendência se mantém na presente época.
Esta descida é provocada pelo "impacto da pandemia nas competições desportivas", "pela interrupção que causou nas competições" e "pelas medidas sanitárias adotadas, que impedem a presença de público nos recintos desportivos".
"Por tudo isto, dizer-se que a violência no desporto está a aumentar não corresponde à verdade. Quanto muito, sofremos ciclicamente de um aumento da perceção da violência associada ao desporto, especialmente nos momentos em que ocorrem incidentes mais mediatizados, ou nos finais de época desportiva, quando a disputa das competições está mais exacerbada. Este padrão repete-se, quase invariavelmente, ano após ano", alerta Rodrigo Cavaleiro.
Questionado sobre o facto de os episódios de violência continuarem a ser registados mesmo sem público das bancadas dos estádios, o presidente da APCVD lembra que se verificam "alguns episódios protagonizados por adeptos que se concentram nas imediações dos recintos desportivos" e que a ausência desses adeptos deixa "ainda mais expostos os comportamentos de alguns agentes desportivos, que se mantêm e merecem reflexão de todos os envolvidos."
"Dirigentes, treinadores, jogadores e outros agentes desportivos: Não nos cansamos de destacar a responsabilidade acrescida destes intervenientes, pelas funções que exercem, mas principalmente pelo exemplo que representam para as respetivas massas de adeptos, o que leva a Lei a prever, para estes casos, a aplicação de sanções agravadas", acrescenta Rodrigo Cavaleiro.
A luta contra a violência
O Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) confessa que este é um "problema complexo" e destaca que "existem diferentes atores da esfera pública e privada com papéis absolutamente cruciais para a sua resolução".
"Importa, sobretudo, que cada um faça a sua parte. Falamos de Tribunais, Forças de Segurança e autoridades administrativas (APCVD e IPDJ, entre outros), na esfera pública. Mas falamos também do papel fundamental dos organizadores de competições (A Liga e as Federações), dos Clubes e respetivos adeptos, não esquecendo os órgãos de comunicação social. Todos devem contribuir", acrescenta.
Uma das formas de contribuição passa pela adoção de "medidas para substituir o clima de hostilidade e confrontação, que se vive em determinados espetáculos desportivos, por um clima de hospitalidade, incentivando ao respeito e à cordialidade".
Além disso, Rodrigo Cavaleiro alerta que as sanções "devem ser céleres e dissuasoras, quer seja por parte dos Tribunais, quando estão em causa crimes; por parte da APCVD, quando estão em causa contraordenações; ou por parte da justiça desportiva, quando estão em causa infrações disciplinares."
Outra das maneiras de contribuir para esta luta, segundo o dirigente, é "empoderando e aumentando a inclusão dos adeptos e iniciativas que contribuem para um ambiente acolhedor e de desportivismo, tomando também medidas que visem a exclusão dos comportamentos (e adeptos) de risco, nomeadamente através de uma adequada gestão da atribuição de apoios."
Por fim, "perante a prática de atos de violência, racismo, xenofobia ou outras formas de intolerância em espetáculos desportivos, deverá ser promovida a aplicação sistemática de medidas de interdição de acesso a recintos desportivos por parte dos Tribunais, da APCVD ou dos Clubes, nas respetivas esferas de competência, consoante se tratem de crimes, contraordenações ou infrações disciplinares, o que também acontece por aplicação das medidas de interdição de acesso a recintos desportivos (Por parte dos Tribunais, da APCVD ou dos Clubes, nas respetivas esferas de competência)."
Pulso firme
Questionado sobre a possibilidade de tomar medidas mais rígidas para evitar este tipo de ocorrências, o presidente da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) esclarece que, "no que se reporta à sua jurisdição, ou seja, no sancionamento de ilícitos contraordenacionais cometidos em espetáculos desportivos", o organismo "tem focado a sua intervenção em dois importantes princípios."
"O primeiro refere-se à celeridade das decisões, visando uma rápida aplicação das decisões condenatórias, que passam geralmente pela determinação de coima e sanções acessórias", explica.
No entanto, Rodrigo Cavaleiro salienta que "a tomada de medidas rígidas por parte da APCVD não surge meramente em resposta a este último incidente. Em cerca de 2 anos de atividade, a APCVD proferiu aproximadamente 1300 decisões condenatórias, das quais cerca de 950 são já definitivas e não admitem recurso."
Já o segundo princípio "refere-se à aplicação sistemática, nos casos onde seja aplicável, de medidas de interdição de acesso a recinto desportivo, seja como medida cautelar, antes mesmo de o processo estar concluído e por razões de prevenção, ou seja como sanção acessória, após condenação efetiva do arguido."
De frisar que "até à data, a APCVD aplicou mais de 250 interdições de acesso a recinto desportivo, das quais 180 já entraram em vigor, o que representa um número cerca de seis vezes superior à soma das medidas de interdição administrativas entradas em vigor nos dez anos anteriores."
O caso do repórter de imagem da TVI
No que diz respeito ao mais recente episódio de violência no desporto, Rodrigo Cavaleiro destaca que "os factos relatados, que se prendem com a agressão ao repórter de imagem da TVI na passada segunda-feira, após o jogo Moreirense vs FC Porto, são suscetíveis de integrar o crime de ofensas à integridade física qualificada, pela condição da vítima, tratando-se de jornalista em exercício de funções."
Por essa razão, "a situação descrita enquadrar-se-á, desta forma, na esfera de atuação do Ministério Público, que tem a legitimidade da ação penal, independentemente de ser ou não apresentada queixa-crime por parte da vítima (estando em causa crime público)."
Rodrigo Cavaleiro lembra ainda que "foi já anunciado pela Procuradoria Geral da República a abertura de procedimento criminal a propósito desses incidente. Como tal, a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) não está legitimada a efetuar qualquer intervenção sancionatória nesta situação, sob pena de poder interferir na atuação do Ministério Público, que tem a legitimidade e a tutela da ação penal."
"A atuação da APCVD, no que à aplicação de sanções diz respeito, reporta-se a ilícitos contraordenacionais, o que neste caso, estando em causa um crime público, não acontece", explica ainda o presidente do organismo que luta contra a violência no desporto.
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