Resultado "elevado e intemporal" é assim que António Simões classifica o 'vendaval' encarnado na noite de domingo frente ao Nacional (10-0). Em declarações ao SAPO Desporto, a antiga glória do Benfica, recusa-se a falar de 'goleada à antiga', já que só por uma vez venceu, como jogador, por resultado semelhante. Foi há 55 anos anos, no 10-0 aplicado ao Seixal, na temporada de 1963-64.

"Goleada? O número é elevado e intemporal. Não vale a pena dizermos que são 'goleadas à antiga'. Eu lembro-me de um jogo que nós ganhámos 10-0 ao Seixal. Só aconteceu uma vez na minha carreira", recorda António Simões, que apesar de satisfeito com o triunfo, expressa preocupação com o atual 'estado de coisas' no futebol português.

"Isto revela uma coisa que é preocupante: Tendo em conta o que é conhecimento do treino, ainda acontecerem goleadas desse género. Afinal o futebol português não é assim tão equilibrado como as pessoas dizem. Não é verdadeiramente normal uma goleada destas neste tempo, ou há 50 anos atrás. Há grande mérito do Benfica em conseguir esta proeza, mas também é preciso ver quem estava do outro lado. (...) Não é muito simpático - apesar ser o meu clube a marcar 10, - assistir à fragilidade e à impotência de uma equipa profissional, que treina todos os dias e não teve forma de travar uma superioridade permanente do Benfica".

O antigo jogador apela à reflexão e questiona mesmo os responsáveis pela organização das competição, apontando como causa a aposta em jogadores estrangeiros, - muitas vezes de qualidade duvidosa, - em detrimento da pura nata dos jogadores portugueses.

António Simões adverte que Portugal tem "10% dos habitantes da Alemanha, mas tem mais jogadores federados".

"Temos que ser mais rigorosos na escolha, mais seletivos e não darmos a carta profissional a qualquer pessoa que aparece, representada por alguém que nem se sabe quem é. Temos que pensar no que queremos. Se queremos cá jogadores com nível inferior ao jovem jogador português. Temos que refletir e procurar uma solução para este problema, não podemos ficar iludidos porque somos campeões da Europa. Não interessa apontar o dedo a quem tem mais ou menos estrangeiros. Vivemos num mundo global e não podemos cortar a liberdade de contratação. É preciso regulamentar o mínimo de exigência para trazer jogadores para Portugal".

A recente aposta do Benfica na formação também merece o elogio do antigo extremo, que no entanto, sublinha que este terá "que ser o caminho", já que Portugal é um país "formador e vendedor e não comprador".

"É o reflexo do investimento que [o Benfica] implementou de há largos anos para cá e agora começa a dar resultados. Custou dinheiro, custou tempo, Mas este é o caminho. Não há outro. O país futebolístico é um país formador e país vendedor. O futebol português não tem dinheiro para competir com os grandes clubes europeus. É visível a potencialidade do jogador português e o Benfica está no bom caminho. O Sporting já trilhou esse caminho, o FC Porto nem tanto. Tudo começa no 'scouting', perceber deste logo que há potencial de jovens para a prática de futebol. Mas depois há todo um percurso para crescerem, se formarem e valorizarem. Mas estes jovens precisam de espaço para se afirmarem. São muitas vezes esses estrangeiros sem qualidade que tiram espaço a esses jovens".

São muitos os elogios e os adjetivos em redor da nova pérola encarnada João Félix. O menino bonito da Luz, que na partida com o Nacional fez mais um golo com a camisola das águias - merece o cognome de "pequeno príncipe" por parte da antiga glória do Benfica. Ainda assim, António Simões recorda que a carreira do jovem de 19 anos está apenas no início e que terá que consolidar o que já demonstrou.

"Já toda a gente percebeu que João Félix será um jogador fantástico. É um 'pequeno príncipe' que aí está e tem um caminho fantástico à sua frente. Mas os compromissos e as exigências de uma carreira futebolística profissional são enormes e não pode haver oscilações. O importante é que João Félix perceba que apenas iniciou a sua carreira, mas terá verdadeiros desafios que serão testes permanentes para poder evoluir. Estamos perante um miúdo culto, que sabe jogar e tem uma concepção coletiva fantástica e que percebe a essência do jogo com a bola e sem bola. Estamos felizes por encontrar um miúdo com esta qualidade. Mas há muita coisa que ele vai ter que se confrontar, seguramente coisas desagradáveis: Nem sempre se pode jogar bem. Parece ser um miúdo maduro, até pela forma como se relaciona com os companheiros e com o jogo e revela maturidade muito acima da média, mas isso não chega. Há que consolidar o que nos mostra a todos nós", observou.

Em relação ao que trouxe Bruno Lage de diferente ao Benfica, o antigo jogador fala "de um ar fresco que entrou" no Luz e salienta o papel da liderança do treinador na motivação diária dos jogadores.

"Quem lidera tem que perceber que tem que trazer inovação. É preciso encontrar uma palavra que motive o jogador de futebol. A entrada do Lage foi como um ar fresco que entrou. Parece que mesmos os próprios jovens ajudaram os outros a trazer essa motivação da palavra do treinador. [Não é fácil] deixá-los sempre motivados e bem dispostos quando saem de casa para treinar. Os jogadores têm que se levantar todos os dias e serem alegres, como se fosse um processo de aprendizagem diária e a liderança do treinador é fundamental", atirou.