A agressão de um jogador do Canelas ao árbitro José Rodrigues, no encontro com o Rio Tinto, ocorrido este domingo, é apenas a ponta do icebergue numa época marcada por um ambiente de grande crispação em torno da arbitragem portuguesa, que parece não ter fim. De acordo com a edição desta sexta-feira do jornal A Bola, são já 43 os episódios de agressões a árbitros verificados esta época. A informação é avançada por Luciano Gonçalves, presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF).

"Isto não pode voltar a acontecer. As instituições, de alguma forma, têm de pôr mão nisto. Estas situações estão a passar o âmbito meramente desportivo e têm de acabar. Porque corremos o risco que um dia morra um árbitro num qualquer relvado", começou por alertar o dirigente, em declarações à mesma publicação, pedindo mão pesada na aplicação dos castigos e a presença de polícias em todos os jogos. “O mínimo que se pode exigir é policiamento obrigatório em todos os jogos. Depois têm de existir castigos a condizer com estas atitudes graves", defendeu Luciano Gonçalves.

No último domingo, decorriam apenas dois minutos do encontro entre Rio Tinto e Canelas, a contar para a fase final da Divisão de Elite da AF Porto, que promove a subida aos campeonatos nacionais, quando Marco Gonçalves, depois de ter recebido ordem de expulsão, “rodeou o árbitro e agrediu-o com violência, com uma joelhada, atirando-o ao chão”, segundo contou fonte do Rio Tinto à Lusa.

O árbitro, o primeiro com insígnias nacionais a ser vítima de agressão na presente temporada, fraturou o nariz partido em três sítios e terá de ser submetido a uma cirurgia reconstrutiva. Marco Gonçalves foi ouvido esta segunda-feira no Tribunal de Instrução Criminal de Gondomar, tendo ficado com termo de identidade e residência, mas já recebeu guia de marcha do Canelas, que condenou publicamente a atitude do jogador.

A verdade é que este não foi um episódio isolado na formação do concelho de Vila Nova de Gaia, apontada pelo jornal espanhol AS como “a mais violenta do mundo”. De tal modo que, em outubro de 2016, 12 equipas da AF Porto decidiram não comparecer aos jogos com o Canelas, queixando-se de sucessivas agressões em campo, violência nas bancadas e ameaças aos treinadores. Em fevereiro deste ano chegou-se mesmo a enviar uma denúncia formal à UEFA e FIFA contra o clube.

Fernando Madureira, líder da claque portista Super Dragões e capitão do Canelas, saiu em defesa da equipa, garantindo que nada de anormal se passava nos jogos do conjunto gaiense que justificasse o boicote dos adversários. “Jogamos de forma viril. O futebol não é ballet ou natação, modalidade onde não há contactos”, disse ao Expresso. Antes disso, dirigentes dos clubes adversários queixaram-se do clima de "clima de terror e intimidação" que se sentia antes, durante, e depois das partidas em que alinhava a equipa de Vila Nova Gaia. O episódio deste domingo terá sido a 'gota de água'.

Entretanto, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), através do vice-presidente Hermínio Loureiro, já deu conta que todos os clubes com historial de violência vão ser obrigados a ter policiamento em todos os jogos até ao final da presente temporada. O anúncio foi feito à margem de uma reunião entre a FPF e a Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol.

Outros casos de agressões em 2016/2017

Ainda a época 2016/2017 não havia oficialmente começado e já havia registo de uma agressão de um jogador da Primeira Liga. Dyego Sousa, avançado do Marítimo, agrediu um árbitro assistente durante um jogo de preparação com o Tondela e foi punido pelo Conselho de Disciplina com nove meses de suspensão. Posteriormente, após recurso para o Tribuna Arbitral do Desporto (TAD), o castigo acabou por ser reduzido para seis meses de suspensão.

Na altura, o jogador brasileiro veio a público desculpabilizar-se pelo sucedido. “Errei, e peço desculpa à equipa de arbitragem e ao Marítimo. Não atingi o árbitro com um soco, nem com uma garrafa de água”, salienta o avançado, reconhecendo porém que atirou a garrafa ao juiz assistente.

Antes do caso em Rio Tinto, o passado mês de março ficou também marcado pela agressão de um adepto a um árbitro da Associação de Futebol de Viseu, no final do jogo entre o Vila Chã de Sá e o Molelos (1-1), da zona Sul do campeonato distrital de Viseu. Luís Fonseca foi agredido com uma cabeçada e um pau na rua de acesso ao campo, depois de o carro que transportava a equipa de arbitragem ter sido barrado por um outro veículo com adeptos.

O árbitro apresentou queixa na polícia com base na matrícula do carro do agressor, mas este só desistiu do ato quando percebeu que estava tudo a ser filmado com um telemóvel. De referir que o jogo não teve policiamento, algo que não é obrigatório no campeonato em questão.

Também em março, foi o próprio presidente da APAF a presenciar a agressão ao árbitro do encontro entre o Marinhense e a Maceirinha, do campeonato distrital de infantis de Leiria. No final da partida, o pai de um dos jogadores saltou a vedação do campo, agarrou o juiz pelos colarinhos e apertou-lhe o pescoço.

“Foram separados por várias pessoas, pais de outras crianças e eu próprio”, explicou então Luciano Gonçalves à agência Lusa. De acordo com a APAF, são vários os casos de pais que ameaçaram e agrediram árbitros com menos de 18 anos com os filhos a assistir.

Já em fevereiro, um jogador do Roriz, da Divisão de Honra da Associação de Futebol Viseu, agrediu um árbitro com um murro e um pontapé. Num jogo da Taça de Futsal entre os Reguilas de Tires e o AMSAC, o atleta da equipa visitante atingiu na cara o árbitro Filipe Duarte (da AF Coimbra) com uma bolada, depois de este lhe ter mostrado o cartão vermelho. O encontro terminou de imediato.

Estes são apenas alguns casos de tantos outros que têm agravado o clima de violência em torno da arbitragem em Portugal, numa época marcada ainda pelas ameaças a Artur Soares Dias, na altura nomeado para dirigir o jogo do Paços de Ferreira com o FC Porto, alegadamente por membros dos Super Dragões, que insultaram e avisaram o juiz e a sua família de que corriam “risco de vida” caso o próximo jogo dos azuis e brancos “não corresse bem”.

Na Primeira Liga, o caso mais gritante ocorreu em 2011 e teve como protagonista Pedro Proença, agora presidente da Liga. Então, o ex-árbitro internacional foi agredido com uma cabeçada no Centro Comercial Colombo, quando se preparava para jantar, depois de terminar o treino de ginásio, tendo sofrido ferimentos na boca e partido dois dentes. Ainda estava no ativo.

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