Portugal tem um quadro legal contra a violência no desporto “robusto”, mas faltam medidas de educação e um “esforço concertado” para parar o fenómeno, disse hoje à agência Lusa a docente universitária Maria José Carvalho.
Segundo a docente da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), na qual integra a Comissão de Ética, faltam medidas no seio da indústria futebolística para fazer frente ao problema, desde o racismo, como o que sofreu o avançado Marega, do FC Porto, no estádio do Vitória de Guimarães, a uma questão mais geral da violência no desporto.
O segundo ponto do artigo 79.º da Constituição da República Portuguesa consagra ao Estado promover a prática desportiva “bem como prevenir a violência no desporto”, algo incluído na revisão constitucional de 1989, e Maria José Carvalho considera que Portugal tem um quadro legislativo “robusto”, num aditamento que surgiu em resposta à tragédia de Heysel, em 1985, quando morreram 39 pessoas que forçaram a entrada na final da Taça dos Campeões Europeus desse ano.
Carvalho, que jogou andebol até aos 30 anos, vê na sociedade portuguesa “sinais preocupantes” que pertencem também ao enquadramento internacional, realçando que há em Portugal “um conjunto enormíssimo de modalidades” e que fenómenos racistas, por exemplo, “não acontecem todos os dias”, pelo que importa discernir “a dimensão do futebol profissional e do espetáculo”.
Ainda assim, é preciso agir e não só no “impulso de expressão repúdio, que é muito bom”. “Gostaria de ver as entidades, públicas e privadas, a anunciar um conjunto de ações, e não vejo outro que não seja o investimento na educação”, considerou.
Maria José Carvalho pede ainda uma intervenção do ministro da Educação que tem a tutela do desporto, Tiago Brandão Rodrigues, para que anunciasse medidas concretas em conjunto com os agentes da indústria desportiva.
“Gostava de ver ações concretas para minimizar estes problemas, porque isto é o reflexo da sociedade. O que sentimos é que as pessoas pensam sempre nos direitos e não nos deveres, e assim podem tudo, bater no professor ou no médico. É paradigmático”, acrescentou.
Na opinião da docente universitária, “há um papel mimético” para os adeptos que vejam dirigentes a proferirem “declarações de ódio e de hostilidade” que levam a que esses comportamentos sejam “multiplicados”.
“Quando os próprios dirigentes entram nestas guerrilhas com declarações cujo epicentro é sempre o mesmo, e pensam que assim conseguem tirar dividendos, só estão é a menorizar a indústria do futebol”, sentenciou.
Também José Neves, investigador na Universidade Nova de Lisboa, concorda que o problema do racismo e da violência no desporto não se circunscreve ao fenómeno desportivo, até porque “os adeptos só o são num tempo reduzido da sua semana, depois são muitas outras coisas”.
“É um problema que deve ser combatido no futebol, mas também nas outras esferas da sociedade onde existe”, explicou o docente universitário, que vê este como uma questão “transversal à sociedade portuguesa que se manifesta no desporto, na ordem pública, na segurança e até no Parlamento”.
José Neves vê no clima de hostilidade e violência em torno do futebol português um problema que começa mas não se esgota nas claques desportivas, mas em toda a linha, até pela relação entre estes grupos e “as direções dos clubes”, que as usam como “braços armados” para intimidar a oposição, os próprios jogadores e jornalistas.
Ainda segundo o mesmo investigador, há um conjunto de “figuras intermédias que são uma espécie de funcionários desta paixão futebolística”, entre assessores de imprensa e oficiais de ligação aos adeptos.
O avançado do FC Porto Moussa Marega recusou-se a permanecer em jogo e abandonou o campo, ao minuto 71, após ter sido alvo de insultos racistas por parte dos adeptos do clube vimaranense, numa altura em que os ‘dragões’ venciam por 2-1 - anotou o segundo golo -, resultado com que terminou o encontro da 21.ª jornada da liga, no domingo.
O Ministério Público instaurou um inquérito na sequência deste incidente, que já mereceu a condenação do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do primeiro-ministro, António Costa, entre outros.
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