O Nápoles chegou a ter o título na mão no último domingo: o triunfo do Inter Milão diante da Lazio, vice-líder, por 3-1, deixava antever uma grande festa no Estádio Diego Armando Maradona; no entanto, o primeiro 'match point' foi desperdiçado no empate (1-1) com a Salernitana, de Paulo Fonseca.

Esta quarta-feira, haverá uma nova oportunidade para o Nápoles festejar o terceiro Scudetto da sua história, caso a Lazio não vença o Sassuolo, no Olímpico de Roma.

Em caso de triunfo do segundo classificado, os napolitanos só precisam de somar um ponto na quinta-feira, na visita à Udinese. O jogo está marcado para as 19h45 (20h45 em Itália) e as autoridades estão a estudar a possibilidade de antecipar em algumas horas esse duelo por motivos de ordem pública.

De resto, o emblema napolitano já anunciou que irá abrir as portas do estádio Diego Armando Maradona para que os adeptos que não viajarem até Udine possam assistir ao jogo nos ecrãs gigantes do recinto. Os bilhetes já se encontram à venda, com as receitas a reverterem a favor de instituições de caridade.

Um percurso avassalador

A seis jornadas do fim, o Nápoles tem, neste momento, 18 pontos de vantagem sobre a Lazio, o que, na teoria, com a vantagem no confronto direto (vitória por 2-1 fora e derrota por 0-1 em casa) teria possibilitado a festa no último domingo, mesmo empatando com a Salernitana.

Há uma explicação para tal não ter sucedido: desde esta temporada que, em caso de igualdade entre primeiro e segundo classificados, a Serie A adotou uma finalíssima em campo neutro, com eventuais penáltis em caso de empate no final dos 90 minutos.

Assim sendo, tudo aponta para que a festa se realize esta semana.

Os festejos dos jogadores do Nápoles não param esta temporada
Os festejos dos jogadores do Nápoles não param esta temporada

O título, que escapava ao Nápoles desde 1990, então às costas de Diego Maradona, vem consagrar uma temporada avassaladora da equipa de Luciano Spaletti. No ano passado, os napolitanos já tinham dado um ar da sua graça, com um arranque de época fantástico, mas que acabou travado por uma quebra a meio da época. Mas esta temporada ninguém os parou.

São 25 vitórias em 32 jornadas, tendo ainda averbado quatro empates e três derrotas - duas em casa, 0-4 diante do AC Milan e 0-1 com a Lazio; e uma fora, 1-0 na visita ao Inter Milão. Com o título praticamente no bolso, o Nápoles até dispôs de margem suficiente para dedicar especial atenção à Liga dos Campeões, onde acabou eliminado nos quartos de final, precisamente por outra equipa italiana: o AC Milan venceu por 1-0 em San Siro, tendo depois empatado 1-1 em Nápoles.

Curiosamente, numa tendência que se verificou nos vários líderes por essa Europa fora, o Nápoles também sofreu uma quebra após a última paragem para os compromissos das seleções. Em abril, sofreu quase tantas derrotas (duas) como até àquele mês, no somatório de todas as competições, em que só tinha perdido três vezes. Em quatro jogos disputados ganhou um, empatou outro e perdeu dois (ambos com o Milan: um por copiosos 0-4 para a Liga italiana, outro por 0-1 para a Liga dos Campeões).

No entanto, o Nápoles estava tão à frente dos seus perseguidores - contava 19 pontos de vantagem até à paragem - que essa quebra acabou por ser praticamente insignificante. Chegou a reduzir para 14 pontos a distância para o segundo classificado, distância essa que viria a recuperar para os atuais 18.

Agora, o conjunto napolitano está muito próximo de acabar com o domínio da Juventus e dos dois gigantes de Milão - desde 2012-13, a Juve ganhou oito títulos, o Inter um e o AC Milan outro.

Agressividade, pressão... e Spalletti

Foi em maio de 2021 que Luciano Spalletti foi anunciado no comando técnico do Nápoles, um cargo que chegou a ser apontado, entre outros, a Sérgio Conceição. No seu palmarés, o técnico de 64 anos tem duas Ligas Russas, uma Taça da Rússia, uma Supertaça russa, duas Taças de Itália e uma Supertaça Italiana. Falta-lhe, portanto, conquistar a Serie A.

Num plantel sem estrelas, o Nápoles destaca-se pela agressividade e pressão intensa a todo o campo, que se traduz depois no grande volume ofensivo - é detentor do melhor ataque da prova (68 golos), com larga vantagem sobre os rivais. Victor Osimhen é o melhor marcador da Serie A, com 21 golos (26 golos em todas as competições).

A isto junta-se uma solidez defensiva (a menos batida do campeonato), com 22 golos sofridos, onde se inclui o português Mário Rui. Habitual titular na lateral esquerda, o internacional luso participou em 27 jogos esta temporada (21 no campeonato e seis na Champions), contabilizando ainda sete assistências.

Em março último, quando questionado sobre o segredo para a campanha que o Nápoles tem vindo a fazer, Spalletti não teve dúvidas na resposta: "Não há segredos". "

Para se ter uma grande equipa, são precisos grandes jogadores. De outra forma é impossível. O Nápoles conseguiu juntar este grupo de grandes talentos a outras qualidades, como a humildade, o trabalho, o profissionalismo e um desejo enorme de entreajuda. Depois foi escolher um desenho tático onde haja organização, para que todos se unam em redor da ideia e trabalhem dentro disso" explicou o técnico.

Luciano Spalletti
Luciano Spalletti créditos: AFP

Dois Scudettos à boleia de Maradona

Já foi dito acima, mas nunca é demais lembrar: será a terceira vez na história que o Nápoles festeja um 'Scudetto', depois dos troféus conquistados em 1986/87 e 1989/90 com Diego Maradona como grande estrela da equipa.

Em 1987, à terceira tentativa (tinha sido oitavo em 1985 e terceiro em 1986), o craque argentino conduziu os napolitanos ao seu primeiro título de sempre, numa equipa então comandada por Ottavio Bianchi. O empate a um golo contra a Fiorentina de Roberto Baggio, dentro de um pulsante San Paolo com mais de 85 mil pessoas, garantia a conquista de um título inédito, a uma jornada do fim.

"Ter conseguido o primeiro título com o Nápoles foi, para mim, uma vitória incomparável, diferente de qualquer outra, até do título mundial de 1986", contou na sua autobiografia Maradona. Este foi, também, o primeiro título conquistado por um clube do sul de Itália, a culminar uma época de cânticos insultuosos e discriminatórios com que eram presenteados os napolitanos nas idas ao norte.

O último ato da Era de Ouro do Nápoles foi a conquista do bicampeonato italiano, em 1990. Um San Paolo lotado entrou em êxtase quando Baroni desviou, de cabeça, para o fundo das redes o livre cobrado por Maradona na vitória por 1-0 sobre a Lazio.

A formação então orientada por Alberto Bigon, onde também jogavam Alemão, Careca, Andrea Carnevale, Ciro Ferrara ou De Napoli, terminou o campeonato na primeira posição, com mais dois pontos que o AC Milan de Van Basten, Ancelotti, Rijkaard, Baresi e Maldini.

Uma cidade pronta para a festa

Das ruas estreitas às varandas, a cidade de Nápoles encontra-se vestida de azul para festejar o tão esperado 'Scudetto'. No Bairro Espanhol (Quartieri Spagnoli), um labirinto de ruas estreias no centro da cidade onde bate o coração do povo napolitano, a devoção é maior pela equipa comandada no ataque pelo nigeriano Victor Osimhen.

Em Spaccanapoli, a rua que literalmente corta a cidade em dois, e na Via Toledo, artéria comercial, as cores do Nápoles nas camisolas e pequenas bandeiras ocupam todo o campo de visão.

No último andar de um prédio, um morador decorou as suas quatro varandas com fotos de jogadores do Nápoles.

Os comerciantes não ficam atrás e também já aderiram à onda 'azzurra'. É o caso de Antonio Coppola, padeiro no centro histórico, que fabrica e vende pães azuis decorados com um 'N' do Nápoles a cada jogo do clube.

"Eu vivo para o Nápoles, é minha paixão, então tive a ideia de criar um pão em sua homenagem (…) para os meus clientes", explica o homem de 37 anos, que conseguiu encontrar entre os seus fornecedores um corante alimentar que resiste perfeitamente a cozedura.

E a sua iniciativa causou sensação entre os seus clientes: "Tudo o que é feito sobre o clube funciona bem em Nápoles hoje em dia".

Nápoles prepara-se para festejar o terceiro título italiano
Nápoles prepara-se para festejar o terceiro título italiano

Maradona e San Gennaro

Salvatore Russo, que gere um estúdio de tatuagem na Via Toledo, também contribuiu com o seu grão de areia com um escudo comemorativo do terceiro 'Scudetto' do clube. "No dia 30 de janeiro, decidi deixar a superstição de lado e tatuá-lo", disse à AFP no seu salão, diante de um poster de Diego Maradona coroado por um crucifixo.

"Os jogadores têm-no costurado na camisola, eu costurei Maradona na minha pele", dispara este napolitano que nasceu a cerca de vinte metros do imenso mural que representa Maradona no coração dos bairros espanhóis. Salvatore Russo conta que já fez cerca de trinta dessas tatuagens.

Quem tampouco deixa espaço para pessimismo é Antonio Cardone, cliente de Salvatore. O terceiro título "já quase o conquistamos. O quarto, espero que venha logo porque já estou com 56 anos", brinca.

Além do escudo do Nápoles, Salvatore Russo grava na pele de Antonio as datas dos três títulos, que também fala da importância de Maradona: "Para nós é um ídolo: primeiro San Gennaro e logo depois Maradona", diz, referindo-se ao padroeiro de Nápoles, objeto de grande veneração.

Nesta cidade onde a miséria e o desemprego convivem com a máfia, a paixão pelo futebol transcende gerações e classes sociais: o advogado Eugenio Salzano, recém-saído dos tribunais, não hesita em abrir a camisa para mostrar as suas tatuagens inspiradas no Nápoles.

No dia do título, "vocês vão perceber o que é festejar em Nápoles (…) É uma loucura!", promete o homem de 40 anos, que acompanha todos os jogos como sócio.

O Vesúvio, cuja majestosa silhueta domina a baía de Nápoles, também é onipresente: "Se entrar em erupção, esperamos que cuspa lava tricolor" nas cores da bandeira italiana, acrescenta, entre risos.

Nem mesmo a eliminação nos quartos de final da Liga dos Campeões, contra o AC Milan, esfriou o ânimo dos adeptos napolitanos. "A eliminação não muda nada (…). Vamos olhar em frente para vencer o 'Sudetto'", afirma Vincenzo Celentano, de 47 anos, outro fiel assíduo do estádio Diego Maradona. "Nápoles é sempre Nápoles (…) está cada vez mais bonita, mesmo em momentos menos afortunados".

Essa análise é compartilhada por um taxista, termômetro infalível do sentimento popular: "Temos uma vantagem de 22 pontos sobre o Milan no campeonato, isso é o que conta. É o que mostra que somos os mais fortes", proclamou Giuseppe de Bernardo, de 47 anos.