Benfica e Sporting reencontram-se na final da Taça de Portugal de futebol em 25 de maio, 29 anos depois do triunfo ‘encarnado’ em 1995/96, quando um adepto ‘leonino’ morreu, atingido com um very light disparado por um apoiante rival.

Se o recordista de troféus superou nas ‘meias’ o Tirsense, do Campeonato de Portugal, quarto escalão luso, o campeão nacional eliminou o também primodivisionário Rio Ave.

Os rivais lisboetas irão discutir o troféu pela nona vez, numa altura em que seguem em igualdade pontual no topo da I Liga a quatro jornadas do fim, após os triunfos dos ‘leões’ em 1970/71 e 1973/74 e das ‘águias’ em 1951/52, 1954/55, 1969/70, 1971/72, 1986/87 e 1995/96, o último com a festa transformada em tragédia fora das quatro linhas no Jamor.

Em 18 de maio de 1996, sob arbitragem de Vítor Pereira, o Benfica ganhou por 3-1, com golos do argentino Mauro Airez (nove minutos) e do capitão João Vieira Pinto (39 e 67), sendo que o suplente Carlos Xavier reduziu de penálti (83), num lance em que o defesa central brasileiro Ricardo Gomes foi expulso com duplo cartão amarelo nos ‘encarnados’.

A equipa orientada por Mário Wilson erguia a 23.ª das 26 Taças de Portugal do seu historial, após o segundo lugar no campeonato, atrás do FC Porto, que alcançou o segundo dos cinco títulos do inédito ‘penta’ e já havia perdido por 3-0 com o Sporting, terceiro colocado, na finalíssima da Supertaça Cândido de Oliveira, em Paris.

A superioridade do Benfica no relvado passaria para segundo plano antes do apito final, por causa da morte do adepto ‘leonino’ Rui Mendes, que foi atingido na bancada norte do Estádio Nacional, em Oeiras, por um foguete very light disparado a partir do topo sul por Hugo Inácio, homólogo ‘encarnado’, por ocasião dos festejos do tento inaugural de Mauro Airez.

Usado como sinal de emergência ou para iluminação temporária, o artefacto pirotécnico sobrevoou o terreno de jogo a baixa altura e alojou-se no tórax da vítima, que tinha 36 anos, era pedreiro de profissão e vinha da Mealhada, tendo morrido quase de imediato.

Apesar dos pedidos de socorro nas hostes ‘verde e brancas’, com a multidão a rodear o corpo de Rui Mendes, posteriormente transportado para o hospital, e de uma reunião de emergência entre o então Presidente da República, Jorge Sampaio, e o primeiro-ministro António Guterres, a final da 56.ª edição da Taça decorreria sem paragens naquela tarde.

Se muitos adeptos do Sporting foram deixando o recinto no primeiro tempo, o apito final precipitaria a festa do Benfica, que recebeu o troféu uma semana depois, ao defrontar o Vitória de Guimarães num particular no antigo Estádio da Luz (1-0), numa altura em que as autoridades já analisavam as imagens das câmaras na zona de disparo do very light.

Residente na Amadora e com antecedentes criminais, Hugo Inácio, de 22 anos, acabaria por ser detido na zona de Cascais em julho e foi a julgamento com mais 13 arguidos, acusados de venda e posse de arma proibida e com ligações aos No Name Boys, grupo organizado de adeptos associado ao Benfica, mas sem reconhecimento oficial do clube.

Ao responder pelos crimes de homicídio com dolo eventual, posse e uso de substâncias explosivas e utilização de documentação alheia, admitiu ter sido o autor do disparo, mas garantiu que a sua única intenção era festejar o golo de Airez, alegando que não estava sóbrio e foi empurrado por alguém da claque, o que terá alterado a trajetória do foguete.

A negligência grosseira custaria a Hugo Inácio quatro anos de prisão efetiva em fevereiro de 1997, com os outros arguidos absolvidos, num julgamento repetido precisamente um ano depois por ordem do Supremo Tribunal de Justiça, face a insuficiência da matéria de facto, dando provimento ao recurso do Ministério Público, defensor de penas mais duras.

Ao não ser provado o dolo eventual, Inácio enfrentou a mesma sanção e teve um cúmulo jurídico com outra por tráfico de droga, que elevaria a condenação para cinco anos, dos quais havia cumprido um ano e meio na cadeia do Linhó, em Sintra, de onde fugiu após uma saída precária, em 2000, quando lhe faltavam 15 meses e seis dias de pena efetiva.

Recapturado 11 anos depois, voltou a ser punido em 2012, desta vez com 18 meses de prisão e dois anos de interdição de recintos desportivos, por agredir e injuriar um polícia.

Em 2016, a posse de material pirotécnico acarretaria mais três anos de cadeia e sete de proibição de entrada em espaços desportivos, punição desobedecida em 2018 por Hugo Inácio, detido no Estádio da Luz antes de um jogo entre Benfica e Desportivo de Chaves.

Independentemente do teor da sentença, o julgamento expôs as falhas de segurança no Estádio Nacional, onde o autor do disparo entrou incólume e nunca foi intercetado pela posse ilícita de material pirotécnico, tendo o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) decretado a interdição do Estádio da Luz por três partidas.

Se as medidas de controlo da violência no panorama desportivo foram aperfeiçoadas, a família de Rui Mendes não se conformou e submeteu um processo cível contra a FPF e Hugo Inácio, condenados em 2001 a indemnizá-la em 30.030 contos (sensivelmente 150 mil euros), numa sanção agravada três anos mais tarde para 47.000 (cerca de 235.000).

Antes de o tribunal dar como provada a responsabilidade da FPF no caso, “por omissão de diligências preventivas para evitar atos violentos”, o organismo e o Governo apoiaram os familiares e o Sporting custeou o funeral do malogrado associado, que é evocado em Alvalade, mas também visado por adeptos ‘encarnados’ com silvos alusivos a very lights.