O processo Football Leaks converteu-se um “caso único” na relação dos jornalistas com as fontes de informação, segundo Nuno Tiago Pinto, autor do livro “Rui Pinto: o hacker que abalou o mundo do futebol”, que chega hoje às livrarias.

“Nas grandes divulgações de dados confidenciais que temos tido ao longo dos anos, há um denunciante que obtém a informação, pois trabalhava numa instituição, e entrega-a a um conjunto de jornalistas quando sai de lá. Aqui não é o caso, porque alguém que não trabalhava em lado nenhum foi fornecendo informação a consórcios jornalísticos durante vários anos seguidos”, comparou à agência Lusa o jornalista e diretor da revista Sábado.

Entre 2015 e 2019, Rui Pinto esteve por trás da divulgação de documentos confidenciais da indústria futebolística, que eram obtidos com acesso ilegítimo ao correio eletrónico de responsáveis desportivos e advogados e emitidos a partir da plataforma Football Leaks.

“Pode-se, de alguma forma, refletir e questionar de que forma é que o jornalismo também serviu de incentivo para a prática de crimes. Se não houvesse alguém que divulgasse a informação, não sei se aqueles crimes eram cometidos. Acredito que os meus colegas do consórcio tinham boas intenções e não sabiam a maneira como a informação era obtida, mas é preciso refletir sobre como estas relações são feitas, porque o jornalismo pode ter sido, de certo modo, instrumentalizado numa atividade que se revelou criminosa”, notou.

Nuno Tiago Pinto cruzou milhares de documentos judiciais extraídos de inquéritos-crime nacionais e estrangeiros a incidirem em Rui Pinto para reconstruir o percurso do principal arguido do Football Leaks, que está a ser julgado, mas tem novas suspeitas a caminho.

“Este livro é um trabalho jornalístico que me demorou quatro anos de recolha, pesquisa e cruzamento de informação. Na fase em que é lançado, sei que não tenho os dados todos na minha posse, pois há coisas que continuarão a ser reveladas à medida que materiais apreendidos forem analisados”, vincou, deixando um “olhar sem paixões para os factos”.

Extraditado para Portugal há pouco mais de quatro anos, Rui Pinto, de 34 anos, ficou em prisão preventiva até abril de 2020 e esteve mais três meses em prisão domiciliária até à sua libertação, ficando, por questões de segurança, englobado no programa de proteção de testemunhas e obrigado a efetuar apresentações semanais à Polícia Judiciária (PJ).

Em causa estão 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo - que visam entidades como Federação Portuguesa de Futebol, Sporting, Doyen, Procuradoria-Geral da República ou a sociedade de advogados PLMJ, além de um de sabotagem informática à SAD dos ‘leões’ e um por tentativa de extorsão.

O coletivo de juízes do julgamento agendou para 28 de abril a leitura do acórdão do caso Football Leaks, cujo segundo arguido é Aníbal Pinto, advogado de Rui Pinto à data dos factos, que foi igualmente pronunciado pelo crime de extorsão de entre 500.000 euros a um milhão de euros, na forma tentada, junto do fundo de investimento Doyen, em 2015.

“Para o livro em si, a decisão do tribunal é mais ou menos irrelevante, porque o processo produziu toda a prova e o advogado do Rui Pinto pediu a condenação. É certo que pediu pena suspensa, mas admitiu que não fazia sentido pedir a absolvição, uma vez que Rui Pinto confessou boa parte dos crimes dos quais era acusado”, lembra Nuno Tiago Pinto.

O jornalista confia que as suspeitas em torno do criador da plataforma eletrónica Football Leaks “vão continuar durante muitos anos”, após ter sido constituído arguido “num novo processo em Portugal”, ao passo que “outros casos foram suspensos preventivamente”.

“É suspeito num processo nascido em Espanha ao mesmo tempo do Football Leaks, que está dependente de prova e já foi adquirido pelas autoridades portuguesas. Houve ainda uma decisão europeia de investigação, que é uma espécie de carta rogatória, mas mais ágil e rápida, na qual franceses pediram informações ao nosso país sobre as atividades dele, após uma queixa de intrusão informática feita pelo Paris Saint-Germain”, detalhou.