Um acidente de viação deixou o então futebolista profissional Humberto Miranda biamputado, aos 21 anos, tendo redescoberto a paixão pelo desporto através do basquetebol em cadeira de rodas, atividade "fundamental na adaptação à vida de agora".
O atleta, que se tornou uma figura da modalidade paralímpica em Portugal, é também orador em conferências sobre prevenção rodoviária, partilhando a sua experiência de vida, tal como fez em fevereiro último, aos futebolistas dos escalões de formação do Benfica, no Seixal.
Em maio de 2005, Humberto Miranda jogava no Tourizense e, na deslocação para mais um treino no clube no qual alinhava por empréstimo do Estrela da Amadora, despistou-se.
O acidente pôs fim à carreira do então avançado, que teve as duas pernas amputadas, e sofreu um traumatismo cranioencefálico, deixando-o com afasia e perda de memória, e provocou a morte do seu amigo e companheiro de equipa Mauro Gama.
Aos 38 anos, Humberto Miranda recordou à agência Lusa que o basquetebol em cadeira de rodas surgiu "pouco depois", algures entre 2009 e 2010, quando foi convidado para treinar no Grupo Desportivo e Recreativo 'A Joanita' por um colega que estava no centro de reabilitação de Alcoitão. Foi imediatamente inscrito e, depois, rumou ao APD-Sintra, que chegou a ter uma parceria com o Sporting, adaptando-se "rapidamente" a esta modalidade que pratica desde então.
"Claro que trocaria o meu passado. Mas, praticar esta modalidade, tendo conhecimento de histórias de pessoas que têm esta condição desde a nascença e sabendo do que passaram, faz-me seguir em frente. Claro que aproveito e sigo as pisadas deles, porque, ao passado não voltamos”, vincou Humberto Miranda.
À promissora carreira do extremo formado no Estrela da Amadora, com passagens por União de Rio Maior e Sintrense, sempre por cedência dos ‘tricolores’, nos quais alinhou 10 temporadas, seguiu-se uma aventura junto às tabelas de basquetebol.
“Temos de saber viver como estamos e fazer o máximo para sermos felizes e fazer os nossos amigos e familiares mais próximos também felizes por nós”, explicou.
Para ultrapassar o passado e as limitações que enfrenta atualmente, Humberto Miranda destacou a sua "resiliência" como característica determinante para a adaptação à mudança repentina e para a chamada a estágios da seleção portuguesa de basquetebol em cadeira de rodas, depois de ter vestido a camisola das 'quinas' nos escalões jovens de futebol.
"A resiliência ajudou bastante. Eu acho que chegar à seleção não é para qualquer um e, quando estamos lá mesmo em cima, haver uma derrapagem para abaixo de zero… e ter de subir tudo outra vez… tive a oportunidade de voltar a praticar um desporto, quando jamais pensaria voltar a fazê-lo, deu outro incentivo, outro querer, quase uma vida nova”, admitiu.
O basquetebol em cadeira de rodas não é uma modalidade com grande visibilidade em Portugal e, segundo Humberto Miranda, há “poucas condições” para os seus praticantes, dificultando percursos semelhantes ao seu.
"Não temos divulgação ou ajudas. Uma cadeira de rodas para alguém que jogue basquetebol, por exemplo, ou outro desporto é muito mais cara do que aquilo que podemos pagar. É muito difícil. E já não é a primeira vez que conseguimos umas quantas medalhas em Jogos Paralímpicos, sem se dar muito valor a isso. É pena!”, lamentou.
O desporto adaptado podia “dar mais vida” às “muitas pessoas que vivem com algum tipo de limitação”, de acordo com o antigo futebolista e agora basquetebolista, que espera que servir de exemplo para os mais jovens, não só em competição, mas também na prevenção rodoviária.
Quase 17 anos depois do acidente, Humberto Miranda reconheceu ainda pensar onde poderia ter chegado futebolisticamente, sem, no entanto, perder o foco no presente e nas suas aspirações para o futuro.
"Quero ser feliz e fazer os meus felizes, não desapontando nada, nem ninguém, e ajudando, naquilo que possa, os meus amigos e conhecidos... Mostrando que desligar a máquina, tal como foi proposto à minha mãe, quando estava em coma induzido, tinha sido um erro completo, como se prova agora".
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