A Bélgica saiu hoje dos ‘seus’ Mundiais de ciclismo de estrada como a grande derrotada, ao falhar as medalhas na prova masculina de fundo, magistralmente conquistada pelo segundo ano consecutivo pelo francês Julian Alaphilippe.

Wout van Aert, que ficou fora do ‘top 10’, bem pode ‘culpar’ a sua obsessão pelo seu eterno rival, o holandês Mathieu van der Poel, pelo desgosto que hoje todos os belgas sentem: depois de um trabalho soberbo de Remco Evenepoel, a grande figura da corrida de hoje a par do agora bicampeão mundial, o belga não reagiu quando Alaphilippe atacou a 17 quilómetros da meta, preocupando-se mais em vigiar MVDP do que em seguir no encalço do francês.

Resultado? ‘Loulou’ rumou imparável até à meta, instalada após 268,3 duríssimos e espetaculares quilómetros entre as cidades flamengas de Antuérpia e Lovaina, e tornou-se o primeiro francês a conquistar duas camisolas arco-íris e apenas o sétimo ciclista a revalidar o título de campeão do Mundo desde a primeira edição dos Mundiais, em 1927.

Com Van Aert, o grande favorito ao triunfo, bem longe da discussão pelo pódio – foi 11.º, a 01.18 minutos e alegou não ter tido ‘pernas’ -, a Bélgica chegou a sonhar com as medalhas, mas viu Jasper Stuyven, teoricamente o mais rápido no grupo de quatro que respondeu ao ataque de Alaphilippe e que chegou 32 segundos depois do francês, ser batido ao ‘sprint’ pelo holandês Dylan van Baarle e pelo dinamarquês Michael Valgreen, que ficaram, respetivamente, com a prata e o bronze.

Não terão sido apenas os belgas a sair dos Mundiais Flandres2021 desiludidos, já que também a seleção portuguesa tem pouco a celebrar: Rui Oliveira foi o melhor entre os representantes nacionais, na 39.ª posição, a 06.27 minutos do vencedor, com João Almeida (47.º) a chegar cinco segundos depois do seu compatriota e Nelson Oliveira a terminar no 55.º lugar, a 06.40.

A Flandres engalanou-se para acolher o centenário dos Mundiais, com os organizadores a desenharem um complicado sistema de circuitos para proporcionar espetáculo, uma missão superada com êxito tal foi a emoção sentida fora – o público demonstrou o porquê daquela região ser uma das ‘pátrias’ do ciclismo – e dentro da corrida, muito atacada desde os quilómetros iniciais - os portugueses Rafael Reis e André Carvalho, que não terminaram, foram duas das inúmeras ‘vítimas’ dessa dureza.

A lealdade de Remco Evenepoel a Van Aert e à sua seleção tinha sido questionada por muitos, inclusive Eddy Merckx, o homem a quem teimam (contra a sua vontade) dizer que irá suceder, e hoje o prodígio belga saiu para a estrada com vontade de demonstrar que os detratores estavam enganados, sendo o grande animador da jornada.

Primeiro, esteve na origem de uma fuga com outros nomes sonantes como Primoz Roglic, Kasper Asgreen – o dinamarquês, vencedor precisamente da Volta a Flandres deste ano, era um dos candidatos e acabou por abandonar –, Arnaud Démare ou Magnus Cort, que viria a ser alcançada a 133 quilómetros da meta, muito por obra do trabalho de Itália, e, posteriormente, integrou vários grupos, arrancando repetidamente até ‘parar’, sem forças, quando seguia entre a elite que discutiria as medalhas.

Evenepoel ainda estava no grupo quando Alaphilippe lançou um primeiro aviso, a 49 quilómetros da meta, prontamente anulado pelos seus rivais, numa altura em que Portugal, com os dois Oliveiras em destaque, tentava recolar aos da frente.

As ‘escaramuças’ continuaram, mas só quando o francês aproveitou uma inclinação dura, em pleno ‘pavé’, para, bem ao seu estilo, erguer-se na bicicleta e acelerar, é que a corrida ficou decidida, com o colega de João Almeida na Deceuninck-QuickStep a entrar isolado na última volta, com 25 segundos de vantagem sobre o grupo de Van Aert e Van der Poel, que, na meta, encabeçou o sexteto que chegou a 01.18 minutos.

“Muitos dos adeptos estavam a torcer pela Bélgica e pelo Wout van Aert na última volta, pediam-me que desacelerasse e dirigiam-me palavras pouco simpáticas. Agradeço-lhes, porque isso deu-me ainda mais vontade de pedalar com força”, revelou o vencedor, que pensou no filho bebé para ter aguentar no final e ter força para chegar à meta isolado, após 05.56.34 horas.

Agora, Alaphilippe encara já num novo desafio, o de igualar Peter Sagan, o eslovaco que é o único a ter vencido três Mundiais de forma consecutiva. “Não há duas sem três. Nunca se sabe”, disparou o corredor de 29 anos, coroando uma época de altos e baixos, em que, ainda assim, conquistou a Flèche Wallone e vestiu a primeira amarela do Tour, depois de vencer a primeira etapa.