João Almeida assumiu-se como herói nacional e captou novos adeptos para o ciclismo, mas para o autor da página Carro Vassoura essa atenção rapidamente se desvanecerá sem uma geração que ‘acompanhe’ o quarto classificado do Giro.

“Nas últimas três semanas, foi dada grande atenção, em primeiro lugar ao João Almeida, e só por arrasto ao ciclismo. O João Almeida assumiu a figura de herói nacional e, por isso, o ciclismo foi falado, mas acho que a concentração das atenções foi – e justifica-se que assim seja - para o ciclista, para a pessoa que está a fazer algo de notável, e só em segunda instância ou em terceira para aquilo que ele representa ou pode representar de uma forma indireta [para a modalidade]”, analisou Rui Quinta, em declarações à Lusa.

O criador do Carro Vassoura, a mais emblemática das páginas nacionais dedicadas ao ciclismo na rede social Facebook, com uma comunidade de quase 20 mil seguidores, fala com a propriedade de quem, só durante a Volta a Itália, foi confrontado com uma ‘avalancha’ de adeptos recém-convertidos, traduzida não só nos 1.000 novos gostos, mas também nos 300 novos pedidos de adesão ao Carro Vassoura Refinado, um grupo reservado aos fanáticos da modalidade, em que o número de publicações ascendeu das habituais 10/15 a uma média superior a 30, largamente superada no dia da subida do Stelvio (mais de 80).

Para o algarvio, a memória coletiva é muito curta e, se o ciclista da Deceuninck-QuickStep, no arranque de 2021, “não tiver prestações que voltem a chamar a atenção, muita gente se vai esquecer dele” e, por conseguinte, da modalidade.

“O ciclismo português, para que esta prestação tenha seguimento, precisa de ter novos heróis, não precisa de ser necessariamente ao nível que o João Almeida esteve nestas três semanas, mas é preciso que haja uma geração que seja mais do que um ciclista, à semelhança do que aconteceu em Espanha quando surgiram Alberto Contador, [Alejandro] Valverde e Joaquim Rodríguez praticamente ao mesmo tempo, e aí, sim, conseguiram que o destaque dado fosse a um todo, não só a cada um deles”, exemplificou.

De acordo com Rui Quinta, o feito do João Almeida, que no domingo se tornou no melhor português de sempre no Giro, depois de ter liderado a ‘corsa rosa’ durante 15 dias – e que, curiosamente, também segue a página -, “captou muito mais atenções do que qualquer outro do ciclismo português, porque tanto a medalha olímpica do Sérgio Paulinho, como o título mundial do Rui Costa, ao serem eventos de um dia, geraram muito menos expectativa antes da prova acontecer”.

A euforia nacional em relação ao jovem de A-dos-Francos nasceu, na opinião do autor do Carro Vassoura, logo na primeira etapa, quando quase chegou à ‘maglia rosa’, camisola que vestiu logo no terceiro dia e só despiu na 18.ª etapa, após ter perdido o contacto com o grupo de candidatos no início da subida ao ‘colosso’ Stelvio.

“Acho que todos aqueles que acompanham o ciclismo, com mais conhecimento de causa, há mais tempo, de uma forma mais atenta, não esperavam que o João Almeida chegasse tão longe, eu inclusive, mas tínhamos todos a curiosidade de perceber até onde ele conseguiria ir. Por isso, acompanhámos esta ‘novela’ do João no Giro com um entusiasmo e com uma expectativa como nunca tínhamos tido a oportunidade de acompanhar outro no nosso tempo de vida, exceto quem acompanhava o Joaquim Agostinho pela rádio”, referiu.

O rosa envergado pelo miúdo de 22 anos estampou capas de jornais e coloriu telejornais, com Rui Quinta a considerar que, em ambos os casos, “houve mais ciclismo nas últimas três semanas do que se calhar nos últimos 15, 20 anos todos somados”, mas originou a “futebolização da modalidade”.

“Significa que houve mais insultos do que é normal, houve mais gente a ir para as redes sociais de outros ciclistas a insultá-los, ou porque deviam trabalhar mais para o João Almeida, ou porque eram adversários dele. Houve mais gente a desejar que outros ciclistas abandonassem, a festejar ou celebrar o abandono do Giovanni Visconti, porque era adversário do Ruben Guerreiro na classificação da montanha, e tudo isso é muito triste”, lamentou.