O inalcançável Tadej Pogacar acrescentou mais um recorde de precocidade à sua lenda na Volta a França em bicicleta, ao vencer pelo segundo dia consecutivo, hoje no alto de Luz Ardiden, diante dos ‘suspeitos do costume’.

Já pouco há a escrever sobre o esmagador domínio do jovem esloveno da UAE Emirates, que hoje, na 18.ª etapa, voltou a superiorizar-se a Jonas Vingegaard (Jumbo-Visma) e Richard Carapaz (INEOS), os homens que, salvo um infortúnio, o vão ladear no pódio dos Campos Elísios no domingo, restando apenas enumerar os feitos que vai somando para perspetivar o seu lugar na história do Tour.

Quando, a 600 metros do topo da pirenaica montanha de categoria especial, arrancou para o terceiro triunfo nesta edição, em mais uma demonstração de inesgotável ambição, ‘Pogi’ não saberia que, ao cortar a meta com o tempo de 3:33.45 horas, se tornaria no primeiro ciclista em 86 anos a vencer seis etapas na ‘Grande Boucle’ antes de completar 23 anos, e o quarto na história a ganhar consecutivamente duas chegadas em alto.

“É inacreditável. Depois de ontem, hoje… não sei, senti-me bem e estou mesmo feliz com esta vitória. É de loucos. [O Tour] tem sido um jogo para mim desde que começou e gosto de jogá-lo”, resumiu o camisola amarela, depois de ‘imitar’ a proeza de Fausto Coppi (1952), Joop Zoetemelk (1976) e Geraint Thomas (2018), e de dar novo passo firme para ser bicampeão da prova.

Graças às bonificações, e aos dois segundos conquistados na meta, Pogacar consolidou a sua liderança na geral, numa jornada em que Ruben Guerreiro (EF Education-First) deu nas vistas no Tourmalet, o mesmo sítio onde o seu líder Rigoberto Úran perdeu definitivamente as opções de pódio, com um ‘trambolhão’ do quarto para o 10.º lugar na geral.

Nas primeiras pedaladas dos 129,7 quilómetros entre Pau e Luz-Ardiden saltaram para a fuga Matej Mohoric (Bahrain Victorious) – as buscas de que a sua equipa foi alvo na véspera não abalaram o esloveno -, Sean Bennett (Qhubeka-Nexthash) e Christopher Juul-Jensen (BikeExchange), sendo prontamente perseguidos por Julian Alaphilippe (Deceuninck-QuickStep) e Pierre-Luc Périchon (Cofidis), que se lhes juntaram ao quilómetro 32.

A fuga nunca funcionou em pleno, apesar da insistência do campeão mundial Alaphilippe e de Mohoric, os últimos ‘resistentes’ na dianteira nos quilómetros iniciais do Tourmalet, uma realidade que ‘incentivou’ outros, como Guerreiro ou os franceses David Gaudu (Groupama-FDJ) e Pierre Latour (TotalEnergies), a tentarem a sua sorte.

O ‘episódio 84’ da montanha mais escalada da história do Tour permitiu ao jovem de Pegões Velhos exibir-se, com o português a juntar-se aos dois franceses para tentar ‘imitar’ Ribeiro da Silva, o único português a ser primeiro no Tourmalet (1957) , enquanto, lá atrás, o seu líder descolava do grupo de favoritos a quase 40 quilómetros da meta – perdeu 5.58 minutos para Pogacar.

Mas, com Guerreiro ‘atrasado’, foi Latour o primeiro a coroar o alto, um esforço inglório que terminou na descida, com a união entre os fugitivos, incluindo o combativo Gaudu, apanhado já nos derradeiros 10 quilómetros da tirada, e o ‘mini-pelotão’, imponentemente comandado pela INEOS, que, uma vez mais, não colheu os frutos do seu trabalho, por não ter um líder à altura em Carapaz.

Expectantes, os favoritos vigiaram-se durante 10 dos 13,3 quilómetros da subida a Luz Ardiden (com uma pendente média de 7,4%), até que o ‘impaciente’ Pogacar acelerou para conquistar mais uns segundos de vantagem para os seus (distantes) adversários, levando na roda Jonas Vingegaard, o seu companheiro Sepp Kuss, Carapaz e Enric Mas (Movistar).

Foi precisamente o espanhol, que tentou sair rumo ao triunfo na etapa, a precipitar os acontecimentos: o camisola amarela, que também sentenciou a classificação da montanha a seu favor, saiu no seu encalço, ultrapassou-o e acelerou até à meta, que cruzou já em ritmo de descompressão, diante do dinamarquês, vice-líder da geral, a 5.45 minutos, e do equatoriano, que é terceir, a 5.51.

O ‘colapso’ de Úran permitiu que todos aqueles que o sucediam na geral, nomeadamente o sensacional Ben O'Connor (AG2R Citroën), agora quarto a uns distantes 8.18 minutos, subissem um lugar, numa classificação em que Guerreiro manteve a 18.ª posição, a 52.26, e Rui Costa (UAE Emirates) desceu à 77.ª, a 2:56.07 horas do seu líder.

Na sexta-feira, o camisola verde, Mark Cavendish, que sobreviveu às montanhas graças a um trabalho fenomenal dos seus companheiros da Deceuninck-QuickStep, tem a primeira de duas hipóteses para isolar-se como o ciclista mais vitorioso na história da Volta a França, no final dos 207 quilómetros planos entre Mourenx e Libourne.